“ A capital do rei foi ocupada no fim de uma hora. O rei foi preso pelos pobres. Os cortesãos foram lançados fora dos palácios do rei. Os funcionários foram mortos e os documentos destruídos(...). Secas estão as torrentes e podem ser atravessadas a pé. Havia mais praias que água. “. (Documento histórico referente ao Médio Império egípcio)
Afonso MachadoCampinas
segunda-feira 30 de março de 2020 | Edição do dia
No curso médio do Rio Nilo o governo de um insano Faraó parecia afundar em águas agitadas. A identidade do Faraó em questão é alvo de controvérsias entre estudiosos. Sua Dinastia é aparentemente desconhecida, sendo que sua figura se confunde com a de outros faraós do Médio Império. O relato que se segue é baseado numa versão popular das crises do referido período histórico.
Isolado em seu palácio, o Faraó tinha ouvidos apenas para os conselhos políticos dos seus filhos e dos seus sacerdotes. Sentado em seu trono ele exclamava:
Os sacerdotes faziam com as mãos e as cabeças gestos de veneração. O escriba sentado no chão deixava escapar pelos olhos uma expressão de deboche. Um sacerdote aconselhava o Faraó:
As terríveis condições de vida dos camponeses egípcios tinham chegado ao limite. A isso somava-se o fato do Faraó ignorar pestes que ameaçavam a vida, a saúde do povo egípcio. O rei do Egito dizia:
Se gerações e gerações passaram a vida plantando em suas aldeias para em seguida dar grande parte de suas colheitas ao Estado egípcio, agora homens e mulheres do povo se rebelavam e não temiam os castigos dos deuses Osíris, Hórus e Isis. Se o povo exausto transportava pesados blocos de pedra na construção de pirâmides e palácios, realizando o corte e o polimento das mesmas, levantando-as ainda por meio de manivelas e por degraus infinitos, agora as mãos anônimas seguiam na direção do pescoço do Faraó para estrangula-lo. A aristocracia egípcia nada podia diante de camponeses e escravos armados: celeiros reais eram saqueados, diques depredados, canais de irrigação destruídos. O país era tomado por levantes populares e um Faraó desidratava por falta de água e apoio político.
Um funcionário de confiança atravessava velozmente todos os pátios, subia todas as escadas e, esgotado, desesperado, caía aos pés do Faraó. Ele comunicava ao seu rei:
O Faraó que tinha em suas mãos um cacho de uvas, esmagou violentamente as pequenas frutas. Olhando as uvas amassadas em sua palma, ele enxergava a própria economia do Egito. Ele via o sangue da aristocracia escorrendo, secando nas areias de um tempo de pestes e rebeliões. O Faraó não entendia por que seu poder, os privilégios da sua classe, não poderiam durar por toda a eternidade. Ele pensava: “ É um absurdo! Sou um deus vivo !”. Mas o Estado teocrático se deparava com o fato da sua ideologia ser levada por uma nuvem de gafanhotos.
As classes servis do Egito antigo estavam dispostas a enfrentar exércitos de crocodilos, chuvas de escaravelhos, chacais armados. Então por que temer o Faraó e sua classe? Afinal, sendo ou não filho de Hórus, ele era responsável por aquela situação desesperadora: os camponeses estavam famintos e cansados do regime de servidão coletiva. Os sacerdotes tentavam reunir o povo insurrecto para celebrações religiosas. Porém, a mitologia egípcia estava momentaneamente abalada. O Faraó gritava para os seus sacerdotes:
A trajetória do Médio Império seria marcada ainda muitas outras revoltas populares. Este período teve seus momentos finais com a invasão dos Hicsos, povo de origem asiática que tomou a região do Delta. Todavia, ainda não era o fim da história dinástica do Egito. Camponeses e escravos seriam brutalmente reprimidos, dando passagem a um período em que Chefes militares reorganizariam o poder do Estado. Mas, apesar de derrotados, camponeses e escravos do Egito antigo deixaram um recado que chega hoje como um retumbante vento do deserto: as classes obreiras falam mais alto que todos os deuses.