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“Os ataques desferidos têm direção certa” – Entrevista com Lucelma Braga

“Os ataques desferidos têm direção certa” – Entrevista com Lucelma Braga

Entrevista com Lucelma Braga, por Paula Vaz de Almeida, para o Ideias de Esquerda. Lucelma Braga é atualmente é docente da Universidade Federal do Maranhão (UFMA). Doutoranda em Educação pela Faculdade de Educação da Unicamp, desenvolve pesquisa sobre a história da luta em defesa da educação pública no Brasil (1980-1996) e atua na área de Educação, com ênfase em Educação Superior, principalmente nos temas hegemonia, expansão, trabalho docente e resistência.

Ideias de Esquerda: Lucelma, em primeiro lugar, agradecemos seu aceite ao nosso convite de conversar um pouco sobre a pesquisa que você vem desenvolvendo no campo da história das lutas pela educação pública no Brasil, seus obstáculos, seus dilemas e as lições que daí podemos tirar. Como temos acompanhado, o país vive um momento de ataques agudos não apenas no âmbito da educação, mas dos direitos dos trabalhadores de um modo geral. No caso específico da educação, observa-se uma ofensiva tanto no ensino superior, com cortes no orçamento e de bolsas de pesquisa, quanto no ensino básico, com a tentativa de impor o Projeto “Escola sem Partido” e a militarização das escolas, e também em ataques diretos ao professor, que na “nova era” recebe a pecha de “doutrinador”. Contudo, e talvez justamente por isso, a categoria se levanta, apoiada, num primeiro momento, mas em seguida superada, pela juventude – uma massa de estudantes de todas as idades que assumiu o protagonismo nas manifestações do último 15 de maio ocorridas em todo o país.

Em sua pesquisa, você se concentra em lançar uma luz sobre o processo de reorganização do campo educacional que se deu no Brasil no final da década de 1970. Para tanto, recorre a antecedentes históricos decisivos, como foi o que representou para a educação e para aqueles que por ela militavam o golpe empresarial-civil-militar de 1964. Você poderia nos falar um pouco de como foi a ofensiva desse setor e como se refletiu na luta pela educação pública?

Lucelma Braga: Bom, na verdade, eu que agradeço o convite e a oportunidade de diálogo com o Ideias de Esquerda. Sim, as mais de duas décadas de ditadura empresarial-militar foram decisivas e penso que se quisermos compreender o que está acontecendo e construir coletivamente uma estratégia eficiente, capaz de assegurar o futuro da educação, da universidade e da ciência no Brasil, temos que “voltar” lá e refletir sobre o que realmente aconteceu. Isso é fundamental, sobretudo, porque o sentido, o significado da ditadura empresarial-militar ainda está em disputa, e os setores conservadores têm se empenhado firmemente em difundir a sua versão, como temos visto. Do ponto de vista da esquerda, penso que foi Florestan Fernandes quem melhor compreendeu o que estava em questão naquele momento. Segundo ele, a ditadura empresarial-militar foi a última etapa da revolução burguesa no Brasil e se deu sob o signo da contrarrevolução. Isso é fundamental especialmente porque esse processo consolidou o capitalismo monopolista no Brasil, operando transformações importantes sobre a dinâmica da luta de classes e o papel que o Estado deveria desempenhar na periferia. Talvez tenhamos, no campo das lutas educacionais, colocado expectativas exageradas sobre as possibilidades do Estado capitalista. É possível dizer que parte significativa das forças que travaram as lutas educacionais no contexto da “transição transada”, na expressão de Florestan, apostaram que o Estado burguês poderia incorporar as demandas pela educação pública, gratuita, laica e de qualidade tal como proposta pelos setores progressistas. A história mostrou que não. Mostrou, ainda, que essa situação não é circunstancial, ela é própria do capitalismo dependente. Isso quer dizer que não basta pressão (e houve, no passado, e segue tendo muita pressão no presente!!!) sobre o Estado, é preciso superá-lo como forma social dominante. O futuro da educação, da universidade, da soberania, o nosso futuro, enfim, passa fundamentalmente por aí, do meu ponto de vista.

IdE: Voltando-se especificamente para o processo de reorganização das lutas pós-ditadura na Constituinte, depois na LDB, à luz dos desafios que se colocavam naquele momento da história do país e, posteriormente, nos governos do PT, em que outras estratégias foram assumidas e também mostraram seus limites, daria para pensar, tendo em vista o passado recente, quais dilemas e contradições carregamos até hoje, bem como os desafios que se impõem no atual momento da luta, em que, por um lado, mais de 1 milhão nas ruas mostram que há força para enfrentar os cortes tanto de Bolsonaro quanto a reforma da previdência, mas que, por outro lado, vemos os sindicatos chamando atos para duas datas, sem uma política para unificar as lutas?

LB: Em primeiro lugar, penso que precisamos reconhecer as sucessivas derrotas que se impuseram, o que não quer dizer que não tenhamos travado uma batalha honesta e mobilizado o melhor de nossos esforços. O trabalho incansável do Fórum Nacional em Defesa da Escola Pública na disputa pela LDB (1989-1996), depois em torno da elaboração do PNE (1996-2005), por exemplo, é emblemático para compreendermos que um empenho militante e renhido foi posto em movimento, mas, ainda assim, podemos dizer que nós perdemos a batalha. As sistemáticas manobras dos setores privatistas, bem como o golpe final que culminou com a aprovação da LDB, a transformação do Plano Nacional de Educação em mera “carta de intenções”, o agigantamento do empresariado da educação promovidos pelos governos do PT atestam o que podemos chamar de uma derrota da luta pela educação pública. No caso dos governos do PT, foram impostas perdas substanciais, inclusive operando uma fragmentação marcante entre os setores mobilizados na luta. Basta lembrar aqui a criação do PROIFES (Sindicatos de Professores e Professoras de Instituição Federais de Ensino Superior e de Ensino Básico Técnico e Tecnológico), um sindicato braço do PT, criada de cima para baixo para despotencializar a atuação do ANDES-SN, entre outros. Bom, mas o fundamental, além de reconhecer que perdemos, é entender por que não saímos vitoriosos dessa batalha. As razões são muitas e de ordens distintas, que infelizmente não consigo desenvolver aqui, mas penso que o núcleo central que nos interessa como esquerda é pensar na estratégia que adotamos. As dificuldades em articular a pauta educacional às lutas mais gerais da classe trabalhadora, uma certa tendência em priorizar as lutas travadas no âmbito da institucionalidade, a dificuldade em unificar as diferentes forças em disputa, notadamente com a chegada do PT ao poder, se mostraram como estratégias cuja debilidade concorreram para a derrota. Nesse sentido, e tentando voltar à questão que você me colocou a pensar, enfrentar esses dilemas, buscando ampliar a unidade sem abrir mão da defesa intransigente de um projeto democrático, classista e popular de educação, é um ponto de partida fundamental. O fortalecimento da luta nas ruas poderá abrir caminho para os enfrentamentos que a classe tem a protagonizar num futuro próximo, que tardam, mas que são incontornáveis.

IdE: Nos últimos dias, assistimos ao que poderíamos chamar de uma verdadeira chantagem de Bolsonaro e Weintraub, inclusive por meio de uma patética e má intencionada comparação do orçamento da educação com chocolates. Tentam usar como “moeda de troca” o corte de 30% anunciado pelo MEC às universidades para impor a Reforma da Previdência. Bolsonaro, dos EUA, esbravejou; assim como Rodrigo Maia e Paulo Guedes que, direto de Nova York, defenderam a reforma. Como você avalia o ataque específico à educação no conjunto maior de ataques que vêm avançando sobre a classe trabalhadora e o povo pobre desde o golpe institucional de 2016? Na sua opinião, como os lutadores da educação podem atuar para barrar tais ataques?

LB: Eu enxergo uma situação dificílima. Os ataques desferidos têm direção certa. Com a reforma da previdência o que é pretendido pelo atual governo é viabilizar a gestão privada dos recursos dos trabalhadores, disponibilizando-os ao mercado financeiro e colocando o regime de previdência sob o risco das oscilações do movimento de acumulação do capital. Na educação, o prestígio de Elisabeth Guedes, irmã do ministro da economia Paulo Guedes e vice-presidente da Associação Nacional das Universidades Privadas (ANUP) não deixa dúvidas quanto aos interesses que se cruzam com os cortes reais ou anunciados em tom de ameaça e/ou chantagem. É muito simbólico, nesse sentido, o presidente ir aos EUA reafirmar o plano de entrega da previdência para o mercado financeiro, o que certamente está diretamente relacionado aos cortes no orçamento da educação que, ao mesmo tempo que engessa o desenvolvimento educacional e científico do país, torna-o ainda menos autônomo. A reação tem surgido e mobilizado reitores de várias universidades públicas, diretores dos Institutos Federais, diretores da Capes, etc. O tsunami da educação no dia 15 de maio foi relevante e pode se desdobrar em uma jornada de lutas capaz de abrir caminhos para uma alteração na correlação de forças. Penso que entre nós, avançar em busca da “unidade na diversidade” é central, porém, sem perder o horizonte classista.

IdE: Atualmente, você trabalha como docente em um campus do Reuni da Universidade Federal do Maranhão. Sabemos que um dos argumentos utilizados por Bolsonaro é de justificar os cortes na educação superior contrapondo-a ao ensino básico, afirmando que nas universidades há “privilégios”. Nesse sentido, gostaria que você comentasse um pouco, a partir de sua atuação, como o corte de 30% anunciado pelo MEC afeta universidades como essa na qual você leciona e qual foi a resposta da categoria tanto na cidade onde se localiza esse campus como na capital São Luís no 15M? Além disso, pensando nos interesses do setor privado, que veem a educação como um mercado lucrativo, como você avaliaria essa ameaça às universidades federais, especialmente àquelas ligadas ao Reuni?

LB: No dia seguinte à Greve Nacional da Educação (15M), a reitora da UFMA deu uma entrevista coletiva tratando sobre os impactos dos cortes na instituição. Para se ter uma ideia da situação dramática em que temos sido submetidos nos últimos anos, ela citou, por exemplo, que, em 2008, o orçamento da UFMA era de R$ 177 milhões e hoje o montante caiu para cerca de R$ 57 milhões, sobre os quais incidirão os cortes! Com esse tratamento a universidade não tem como continuar funcionando. Não há privilégios. Além disso, no caso específico da UFMA, ainda temos diversas obras paradas há tempos espalhadas pelos campi da Universidade, como a construção do Campus de Balsas, o Núcleo de Artes e a Biblioteca Central no Bacanga, entre outros. O que ocorrerá com tudo isso? Não sabemos.

Uma hipótese é a de que o sucateamento e os cortes na educação, sobretudo nas universidades, tenham como objetivo a entrega para o setor privado, haja vista que existe uma estreita relação desse setor com o atual ministro da economia. Mas, certamente, qualquer desdobramento dependerá da nossa capacidade de resistência e mobilização. No Maranhão, o dia 15M foi vigoroso, mobilizou cerca de 40 cidades, a maioria onde estão instalados os campi do IFMA, da UEMA e da UFMA. A greve surpreendeu com o nível de capilaridade que conseguiu alcançar. Agora, nosso desafio é ampliar a participação e conseguir pautar de modo cada vez mais consistente o que está em questão nesse momento histórico.

IdE: Para terminar, temos visto que os governadores do PT e também Flávio Dino, do PC do B, mostram-se dispostos a negociar a Reforma da Previdência. Como você avalia essa política de um modo geral e, em particular, a atuação de Flávio Dino como governador do Maranhão, levando em conta, ainda, suas políticas específicas para a educação nesse estado?

O governo Flávio Dino é fruto de uma ampla coalizão que aglutina desde o DEM, passando pelo PRB, PP, pelo PSB, PT e PC do B, etc. Simbolicamente, ele carrega a marca da ruptura com a oligarquia Sarney que (des)governou o Estado do Maranhão por quase 50 anos! Efetivamente, é um governo que rearticula o velho e o novo, como fica cristalino quando vemos as forças políticas que o compõem. Dino tem aproveitado muito habilmente algumas manifestações do (des)governo Bolsonaro, manifestando-se no campo da oposição. Eu penso que tem relevância esse foco de resistência que ele representa, porém não podemos perder de vista que é uma resistência relativa. É relativamente fácil para alguém que se situa no campo democrático como Flávio Dino fazer oposição ao (des)governo Bolsonaro, condecorando Paulo Freire no Estado, por exemplo, ou mesmo respondendo prontamente à apologia que fez Bolsonaro ao turismo sexual “Quem quiser vir aqui fazer sexo com uma mulher, fique à vontade” e nas questões cruciais se mostrar disposto a negociar a Reforma da Previdência, que não reforma nada, na verdade, desmantela a previdência social. Entende? Na educação, os problemas são alarmantes e se complexificam, ainda mais, com a relação entre membros da diretoria do sindicato de professores da rede estadual e o governo Dino, que são do mesmo partido. Isso limita a capacidade de luta dos trabalhadores da educação e de enfrentamento dos dilemas educacionais que se reiteram historicamente no estado. Um dos efeitos desse processo foi a divulgado ampla na mídia nacional (https://cartacampinas.com.br/2017/02/governador-do-maranhao-da-aumento-e-paga-um-dos-mais-altos-salarios-aos-professores/) que o estado do Maranhão paga os mais altos salários aos professores. Na realidade, a parcela de professores que recebe um salário mais alto para uma jornada de 40 horas de trabalho, composta pelos oriundos do último concurso realizado em 2015 e pelos que tiveram ampliação de carga horária, é ínfima. Cerca de 2.200 professores, apenas 7% do contingente total. A maioria trabalha no regime de 20 horas e recebe a metade do valor propagandeado, sendo que mais da metade da remuneração é composta de gratificação. Além disso, nesse contexto, nada se fala sobre as condições de trabalho do professor, que são bastante precárias, tanto na capital, quanto no interior do estado.


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