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SEMANÁRIO

O valor estratégico da história

Damián Andrés Rivas

O valor estratégico da história

Damián Andrés Rivas

Em um mundo onde prima cada vez mais a instantaneidade e a preocupação pelo prático imediato, as questões essenciais e os problemas da totalidade social parecem condenados à marginalidade, se não ao esquecimento. Os que transitam nas faculdades de Humanidades e os que se dedicam profissionalmente às ciências sociais se deparam – principalmente desde a crise mundial aberta em 2008 – com ataques aos recursos, aos espaços livres e à produção de conhecimento que se desenvolve nessas instituições [1]. Esta tendência do capitalismo encontra seu complemento em outra, que este mesmo desenvolveu no interior da universidade, onde “demasiados pensamentos em fuga diante da história fazem hoje da história do pensamento ‘uma série descontínua de totalidades singulares’” [2].

Um conhecimento fragmentado, super especializado e desligado de um sentido social e político, dificilmente pode enfrentar-se com forças estatais e organismos financeiros internacionais. A conservação das condições atacadas, como ponto de partida para lutar por uma universidade crítica a serviço da transformação social revolucionária implica, como dizia Goethe, (re)conquistar-las novamente. Contraditoriamente, este processo abre a possibilidade de alcançar muito mais. Recuperar a história dos grandes processos revolucionários, estudar os momentos conflitivos, perguntar ao passado os problemas do presente, exigir um estudo honesto sem apologias, pensar a totalidade da vida social em seu conjunto, descobrir a dinâmica do desenvolvimento e a hierarquia dos elementos que se desprendem do demiurgo histórico e, sobretudo, reconhecer o lugar que tem o sujeito na transformação social são alguns dos elementos que a obra histórica de Leon Trotski põe no centro da discussão.

Os historiadores de ofício, nacionais [da Argentina, NdT] e internacionais, não foram alheios a esta forma de estudo científico ao largo do século XX, porém hoje é o que prima. Evitar o estudo do conflito e, com este o choque de perspectivas, ocultar a política e a ideologia em nome de uma suposta “imparcialidade” ou estudar os atributos da existência social separadamente, implica anular a crítica e condenar a ciência à imutabilidade do pensamento. A defesa do oficio de historiador, das disciplinas de humanidades e a tarefa intelectual em geral é hoje a luta por um método de pensamento que apenas se determine por seu auto-movimento. Como dizia Trotski no prólogo de sua História da Revolução Russa: “um trabalho histórico apenas cumpre integralmente com sua missão quando em suas páginas os acontecimentos se desenvolvem com toda a força de sua naturalidade” [3].

Até que ponto recuperar a forma de reflexão histórica de Trotski permite pensar hoje a defesa do ofício do historiador? E em que medida os historiadores encontram em seu ofício um ponto em comum com a tarefa intelectual do marxismo revolucionário?

A história estratégica

Trotski escreve duas grande “histórias”: 1905 (1909) e a História da Revolução Russa (1932). O objetivo que se propõe não é apenas que se conheça a história para inspirar futuras lutas, mas também e principalmente é que se compreenda para não repetir erros e dirigir a ação novamente com a maior força possível. Isto é, aprender um método de raciocínio que permita lidar com as forças reais frente ao inesperado do processo revolucionário, no qual os tempos se aceleram. Seu ponto de partida é recuperar a história do conflito, o qual os vencedores apagam e cuja inteligibilidade negam, e é por sua vez um exercício para pensar realidades concretas, passadas e presentes.

Ambas obras partem de questionar as condições materiais de existência, que implica a caracterização da singularidade russa. Desde um primeiro momento, o objeto de estudo determina a forma de pensar e escrever a sua história, e esta se constitui a partir das perguntas que problematizam o primeiro, e que partem do presente. A caracterização das condições, do contexto e dos sujeitos reconstrói a objetividade sobre a qual se desenvolve a ação, e com ela afloram à superfície as determinações sobre a subjetividade: os parâmetros dentro dos quais os sujeitos pensam, os estados de ânimo dinâmicos, a criatividade das forças vivas lutando. Porém, este acontecimento também possibilita o caos das ideias, a anarquia dos elementos da realidade no pensamento. Trotski adverte sobre o véu dos sintomas e das aparências, desconfia da superficialidade e busca os contornos reais, as causas profundas, o fundamento e a lógica de desenvolvimento histórico.

Longe do lugar ao qual o marxismo foi condenado por certos intelectuais na década de 1980, o de uma história sem sujeito – encobrindo o estruturalismo –, a história de Trotski se centra em explicar a natureza da revolução e da dinâmica do conflito entre as classes como principal motor dos processos em que as massas “irrompem no controle de seus próprios destinos” [4], não deixa de lado as determinações próprias do objeto que aborda. Desde a configuração do trabalho camponês em suas variações regionais até a psicologia da czarina e a lenda de Rasputin são submetidas à análise e dessa forma explicam, e permitem compreender, a lógica do processo.

Neste ponto, Trotski faz um trabalho muito inovador para a literatura sobre o tema (ou sobre tantos outros). Quando a história, todavia, “avança a cargo dos especialistas deste ofício: monarcas, ministros, burocratas” [5], estes passam ao primeiro plano e [o historiador, ndt] os vê pensar, se mover e atuar, assim como refletir frente à incapacidade de seus atos, mostrando a mudança na sua sensibilidade. Quando as massas lutam, se passa a mostrar suas ações de conjunto, as iniciativas, os pontos débeis, a capacidade de ação e a forma como raciocinam. Se por um lado se discute com os que querem suprir a análise histórica com mera investigação psicológica, não por isto deixa de lado a agência do sujeito individual, mas a integra na difícil tarefa de recriar a psicologia, das pessoas e das classes, nos momentos em que estão lutando, razão pela qual esta sofre rápidas e violentas mudanças. Trotski revela como as individualidades encarnam as profundas tendências do desenvolvimento histórico em um jogo de verdadeiras forças vivas.

A fortaleza de seu trabalho, que tem como grande coluna vertebral o complexo lugar da consciência em contínua mudança, não reside sobre sua experiência como dirigente da revolução. De fato, ainda tendo participado e tendo claras posições políticas a respeito, Trotski baseia seu estudo em uma enorme série de documentos, desde as cartas privadas dos ministros até os cânticos populares da época, passando pelas estatísticas de governo e a literatura que consumiam as classes, os quais enfrentam em seu trabalho mesmo o historiador de ofício: reconstruir a lógica do processo e situar a ação em seu contexto, um processo dialético que constitui novos pontos de objetividade. Trotsky demonstra a erudição de um humanista e o rigor de um profissional postos a serviço da reflexão sobre o concreto pensado, tradição de longa data no marxismo, que revela como a teoria habilita a indagação sobre as profundidades da realidade.

Como 1905 não terminou em um triunfo e o de 1917 foi desviado posteriormente, Trotski assinala que é necessário reconstituir seus passos, como um sujeito vivo, fundido com suas condições de existência, para compreender e recriar como se originam os conflitos decididos. Se 1917 não se entende sem seu “prólogo”, a experiência adquirida em 1905 cobra suma importância. O proletariado aprendeu das lutas burguesas e quando quis ir contra a burguesia teve que inaugurar sua própria escola de luta:

“...aquele pensamento era mais científico, não apenas porque em boa parte havia sido engendrado pelos métodos do marxismo mas, primeiramente, porque se nutria todo o tempo da experiência viva das massas que prontamente se lançariam na arena revolucionária.” [6]

O estudo destas obras não apenas permite compreender o passado mas, sobretudo, pensar historicamente o presente, e fazer dessa prática uma convicção profunda que prime no ofício. Os processos mais criativos da história sugerem respostas inovadoras que os historiadores podem revalorizar desde sua própria prática intelectual.

A estratégia histórica

O estudo da história sempre teve um lugar preeminente no marxismo revolucionário porque este se constituiu desde seus inícios como um método de conhecimento que parte do sensível para elevar-se ao inteligível e ascender ao concreto pensado, habilitando sua transformação.

Trotski, entre muitos outros, se encarregou de deixar um registro da experiência de outubro, mas também de seu desenvolvimento e resultado, não apenas pela larga preparação revolucionária que abre 1905, o triunfo da tomada do poder por parte dos soviets e a vitória na guerra civil, mas também pela posterior deriva burocrática-totalitária que desenvolveu o stalinismo, assim como os resultados de outros processos revolucionários ao longo do mundo.

Neste sentido, A Teoria da Revolução Permanente (TRP; 1929) aparece como um ponto de partida para pensar a organização após uma transformação revolucionária que tenha à cabeça as massas trabalhadoras e oprimidas. Porém sua apreensão não é mecânica, para compreende-la se torna cabal o estudo profundo dessas experiências históricas: entre o concreto (a experiência revolucionária) e o concreto pensado para atuar (a TRP) houve sucessivos momentos de abstração que são necessários recriar, especialmente quando a realidade nos mostra por si mesma.

Por exemplo, um atributo substantivo da historização que Trotski leva a cabo é a teorização do chamado “desenvolvimento desigual e combinado” [7] que se constitui ao pensar o processo histórico desde uma perspectiva dialética em relação à singularidade russa. A crítica à redução da história a padrões pré-estabelecidos [8] que permite entender o caráter atrasado da história russa reaparece como um conceito ao serviço da análise política , e por sua vez servirá de base para a TRP, quando Trotski discute, entre outras, a orientação stalinista da URSS em torno da coletivização forçada da agricultura [9]. Esta parte de uma caracterização em base a certos “características gerais” ao invés de perguntar-se as especificidades das formas sociais nacionais (da qual se desprende uma estratégia radicalmente distinta da qual é proposta na TRP), que opera como uma obstrução do desenvolvimento integral as forças produtivas para construir em seu lugar um socialismo nacional. A análise histórica se mostra em estreita dependência com a análise política.

Entretanto, em tempos de “paz” as ideias constituem as armas da crítica e a recriação científica dos fenômenos dos quais se tiram lições não pode eludir o momento de explicar as tarefas a realizar, processo que requer absolutamente o estudo e a explicação do desenvolvimento histórico. Como diria logo em A Revolução Traida:

“O fim científico e político que perseguimos não é dar uma definição acabada de um processo inacabado, mas seguir todas as fases do fenômeno, desprender suas tendências progressivas das reacionárias, expor suas relações mútuas, prever as diversas variantes do desenvolvimento posterior, e encontrar nesta previsão um ponto de apoio para a ação.” [10]

Neste ponto os historiadores encontram uma tarefa comum com a do marxismo revolucionário: a de explicar a singularidade do desenvolvimento histórico, de fazer comum o legado da experiência – a russa junto de tantas outras – e a de pôr em pé uma forma de pensamento que habilite a intervenção sobre as mudanças hitóricas. “O método é brutal, mas a história não conhece outro” [11], para aprendê-lo é preciso estudar a obra de Trotski.


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FOOTNOTES

[1Piro, Gabriel, “¿Qué universidad para qué sociedad?”, IdZ 42, abril-mayo 2018.

[2Vilar, Pierre, “El tiempo del Quijote” en Crecimiento y desarrollo: Economía e historia. Reflexiones sobre el caso español, Barcelona, Editorial Planeta-De Agostini, 1964 (1956), p. 332.

[3Trotsky, León, Historia de la Revolución rusa, Buenos Aires-México D.F., Ediciones IPS-Museo Casa de León Trotsky, 2017, p. 18.

[4Ibídem, p. 15.

[5Ídem.

[6Ibídem, p. 143.

[7Su formulación ya se anticipa en los escritos de 1905 pero toma su forma plena en el capítulo 1 “Las peculiaridades del desarrollo de Rusia” de su Historia. El debate en torno a la apropiación reciente de este concepto se discutió en esta revista en números anteriores, ver Quindt, Tomás, “Cómo occidente llegó a dominar”, IdZ 44, agosto-septiembre 2018.

[8Trotsky discute en el apéndice al capítulo 1 de su Historia con el historiador ruso Prokrovsky, quien proponía una lectura etapista del desarrollo histórico abstrayéndose de las determinaciones singulares de la forma social rusa, pensando en una sucesión lógica de rígidas categorías sociales. Frente a esto, el primero realiza un balance empírico, propio del trabajo que caracteriza al historiador profesional.

[9Trotsky, León, La Teoría de la Revolución Permanente, Buenos Aires, Ediciones IPS, 2011, p. 240-2.

[10Trotsky, León, La revolución traicionada, Buenos Aires, Ediciones IPS, 2014.

[11Trotsky, León, 1905, Buenos Aires, Ediciones IPS, 2006, p. 97.

Damián Andrés Rivas

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