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ANÁLISE | O vale tudo da eleição do Senado e a nova configuração de forças do Congresso

terça-feira 5 de fevereiro de 2019 | Edição do dia

Sérgio Lima/Poder360

Após uma conturbada sessão de votação da presidência do Senado, com direito a uma sucessão de episódios bizarros, o desconhecido Davi Alcolumbre (DEM-AP) saiu vitorioso. Se na Casa Baixa do Congresso, a Câmara do Deputados, se confirmou o resultado mais esperado com a expressiva vitória de Rodrigo Maia (DEM-RJ), assegurada dias antes pelo amplo leque de alianças costuradas pelo parlamentar, abrangendo desde o PSL ao PCdoB; na Casa Alta, o Senado, deflagrou-se um tumultuado tiroteio entre os diversos candidatos.

Até o dia derradeiro, o velhaco senador Renan Calheiros (DEM-AL) era apontado como favorito. Dois episódios pareciam antecipar tal resultado: uma ligação do presidente Jair Bolsonaro, que demonstraria o apoio do governo ao nome com mais estofo para a condução das reformas; e a confirmação dentro da bancada do MDB no Senado de seu nome para a disputa do pleito, derrotando a candidatura de Simone Tebet que despontava como alternativa a imagem da “velha política” de Renan. Entretanto, essa vitória preliminar em nada pacificou as disputas internas, pois a senadora ameaçava lançar-se de forma avulsa ao pleito, e menos ainda a disputa principal, ao todo restavam ainda outras 8 candidaturas. Neste momento, o bloco anti-Renan que parecia se aglutinar em torno de Tebet passou a soprar em direção ao candidato direto do governo Davi Alcolumbre, nome com o apoio de Onyx Lorenzoni, o ministro da Casa Civil.

A primeira manobra e ataque orquestrado contra Renan partiu do Ministério Público Federal e dá mostra do método de atuação do governo que pode se tornar praxe para intervir sob o Legislativo. Sob o comando do superministro Moro, o MPF vazou na sexta-feira, dia da votação, um áudio comprometedor envolvendo Renan e o empresário Joesley Batista, negociando uma nomeação para o Ministério da Agricultura. Método corriqueiro empregado pela Lava Jato e pelo Judiciário para tutelar a política no período recente, agora foi assimilado pelo Executivo com a adesão de Moro ao governo. Esse método pode modificar o princípio norteador da relação do Executivo com o Legislativo dentro do regime de 88, o presidencialismo de coalizão, substituindo pelo uso de tais métodos de coerção, configurando uma nova dinâmica e inflexão na degradação do regime atual.

A manobra serviu como lembrete a opinião pública, bem como pressão aos senadores, do signo da “velha política” carimbado na testa de Renan, pressionando os demais congressistas para caso a votação se desse de forma aberta não votarem no reconhecido oligarca de Alagoas. Em seguida, a segunda manobra, que confirmou de vez a súbita fragilidade da candidatura do alagoano, veio com a questão de ordem em relação ao voto aberto, em que 50 dos 81 senadores decidiram apoiar a medida, em uma demonstração de força do bloco anti-Renan. Neste momento, se iniciou a sucessão de fatos esdrúxulos expondo novamente o ridículo do Congresso, assim como durante a votação do Impeachment, com direito a bate-bocas, e até "roubo" da pasta de condução dos trabalhos pela senadora Kátia Abreu (MDB-TO).

A partir daí se evidencia a complexidade da conjuntura nacional, marcada pelas diversas fissuras e disputas entre os blocos no poder. O judiciário, dessa vez na figura do STF, fez questão de mais uma vez intervir: o ministro Toffoli, que já havia se posicionado pelo voto secreto em decisão anterior que revogou a decisão do ministro Marco Aurélio, ratificou seu posicionamento suspendendo a votação ocorrida na sexta. Influindo novamente de maneira tão decisiva, Toffoli escancarou que apesar de suas declarações de recolhimento do STF e do protagonismo do judiciário, os ministros seguem vigilantes e agindo com vistas a assegurar o caminho mais seguro às reformas, personificado na figura de Renan, que se comprometeu recentemente com a agenda de ataques do governo. É necessário assinalar ainda as movimentações em sentidos contrários de Toffoli, favorecendo a Renan, e Moro, antigo símbolo do judiciário e alçado ao governo Bolsonaro, que buscava prejudicar Renan.

Onyx Lorenzoni, ministro bastante alinhado a Bolsonaro, foi o pivô da articulação da candidatura e surpreendente vitória de Alcolumbre. Lembrando que o partido do governo (PSL) possuía candidatura própria na disputa, com o senador Major Olímpio. Mais uma vez o DEM, que já conta com a presidência da Câmara e o maior número entre os partido de ministérios, é favorecido pelo governo Bolsonaro em relação ao próprio partido. Essa super-representatividade assumida pelo DEM é mais um índice desse regime em ponto de mutação, em que o antigo PFL herdeiro da ARENA - partido de sustentação política da ditadura militar- assume crescente protagonismo.

Junto ao fortalecimento do DEM, temos um fortalecimento dos políticos do Centrão. O protagonismo de Rodrigo Maia na Câmara já residia no seu amplo leque de apoios, cuja base principal são os políticos do Centrão.

O resultado expõe mais uma vez o conflito entre a “velha direita” - simbolizada por Renan Calheiros- e a “nova direita” - que abrange o revitalizado DEM, o emergente PSL. Como bem demonstra a ficha corrida do novo presidente, o conflito em nada tem a ver com o uso das práticas de corrupção da “velha política”, marca na verdade as disputas de poder entre os grupos em ascensão e decadência a partir da onda deflagrada pelo bolsonarismo, que modificou bastante a anatomia do poder dentro do Congresso.

Como resultado desse tumultuado embate, Renan, que se aproximava do governo Bolsonaro, parece mais uma vez ter trocado de posição e promete vingança contra Davi Alcolumbre e Onyx Lorenzoni em primeiro plano. Resta saber quanto desse despeito do velho oligarca passado para trás pode respingar e revanche contra a agenda do governo. Longe da presidência, Renan pode se tornar o Eduardo Cunha desse governo? Quanto de poder resta aos velhos oligarcas do MDB?

As conclusões que se pode retirar dessa tumultuada eleição são: a agenda de reformas e ataques do governo vai contar com obstáculos suplementares; Renan foi rifado por Onyx e Moro numa aliança do bolsonarismo e da Lava Jato; e por fim a nulidade da “oposição parlamentar” da esquerda, que em momento nenhum conseguiu delimitar uma política própria. Pior do que na Câmara, em que a frágil oposição parlamentar da esquerda se manifestou na candidatura de Freixo, que terminou em terceiro lugar com 50 votos frente 334 votos de Rodrigo Maia, no Senado, até a renúncia de Renan o partido declarava apoio no candidato que por sua vez declarava apoio aos ataques a classe trabalhadora, como a reforma da previdência.

Nenhuma oposição parlamentar irá resolver o que somente a nossa luta pode colocar fim: os ataques que esse governo quer impor. Diferente da estratégia petista, a única forma de barrar esses avanços é no terreno da luta de classes. Com Rodrigo Maia na presidência da Câmara e Davi Alcolumbre na presidência do Senado, o governo tem agora a faca e o queijo na mão para a aprovação das reformas. Frente à isso é necessário exigir das centrais sindicais que rompam com sua passividade e organizem um plano de lutas sério contra a iminente votação da reforma da previdência. É necessário cercar de solidariedade as lutas em ação para dar exemplo de que é possível vencer os planos de ajustes duros desses governos, como no caso dos professores e servidores municipais de São Paulo que no dia de hoje entram em greve contra a reforma da previdência municipal o SAMPAPREV. É preciso levantar uma grande força material de resistência contra as reformas a partir de cada local de estudo e trabalho.




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