×

TEATRO | O teatro, a rua e a contribuição soviética

As possibilidades de intervenção política do teatro ficam mais vivas na rua. Superando os limites da velha caixa preta, atores se movem aonde o proletariado está: pontos de ônibus, botecos, feiras, beiradas de praças, ruas do comércio e bocas das escadarias das igrejas.

quinta-feira 15 de outubro de 2015 | 17:52

Não são apenas as condições geográficas de apresentação que se modificam, mas toda a estrutura cênica. As formas de comunicação tornam-se mais diretas, mais coloquiais, sendo que o corpo do ator mistura-se com os corpos de pessoas que vem e vão. Para os grupos teatrais que aderem a esta perspectiva, está implícito que o teatro revolucionário soviético lega importantes lições.

Deixemos a classe média ser conduzida por espetáculos cronometrados, levinhos, engomados e com cheiro de estrelas globais. Não é este o teatro capaz de fazer o corpo e a consciência saltarem. Se quisermos uma trilha histórica para que o teatro torne-se uma forma de arte que participe da realidade popular, não devemos ficar presos ao texto(que é fundamental) mas a exemplo de Maiakóvski e Meyerhold mergulhar num processo de “ re-teatralização “: as vanguardas soviéticas experimentaram as formas do circo, do cabaré e do teatro de variedades para modernizar a estética teatral. Mascaras, máquinas, manequins, acrobacias e cores violentamente alegres desconstruíam as ilusões realistas do espetáculo.

Antes do stalinismo conseguir estragar o processo de invenção dos movimentos de vanguarda na então União Soviética, o teatro ocupou um espaço que não apenas reaproximou artistas e público, mas definiu a arte teatral como algo integrado ao cotidiano do proletariado. A peça teatral não era um luxo mas fazia parte do dia a dia como a fotografia e o jornal. Maiakóvski, que foi uma liderança no teatro revolucionário soviético, estava de saco cheio da mera contemplação; o que ele queria eram peças concebidas enquanto fatos, enquanto fotos, uma espécie de “ fatografia “.

Na Rússia dos bolcheviques o teatro revolucionário torna-se um elemento vital no correr dos acontecimentos políticos. Fundindo-se com o circo, o teatro de Meyerhold era moderno porque rompia com o gosto burguês e inseria em sua estrutura a diversão popular: no palco estavam as máquinas, as motocicletas, os instrumentos agrícolas, as projeções cinematográficas , as letras luminosas, etc. Num cenário amalucado como este um operário acrobata, que entrega panfletos, faz uso do trapézio para fugir da polícia. O gesto acrobático traduz de modo divertidíssimo as dificuldades da luta operária. Como estes elementos poderiam estar presentes nas ruas das cidades brasileiras? A estratégia acrobática seria de grande eficácia(daí a importância do ator também possuir uma formação circense). Quanto ao uso de máquinas, fica difícil utilizar estes recursos num espetáculo de rua. Até porque tudo em grande parte é feito na base da militância, com a grana curta(ou sem grana mesmo). Porém, uma lição básica do teatro soviético fica: a necessidade de comunicação popular(os soviéticos fincaram raízes no circo). O teatro político brasileiro pode se beneficiar e muito com as experimentações estéticas da geração de Meyerhold e Maiakóvski.

O ator militante na recém criada União Soviética fazia uso da marreta futurista para criar uma forma de diversão popular e revolucionária. A palavra poética insere-se pelo tom declamatório, em pequenas estrofes. Pensando no público brasileiro que caminha pelas ruas(indo para o serviço, voltando pra casa, etc), esta resolução para a fala teatral é bastante significativa: nada de diálogos longos, com um palavrório que não atinge aos sentidos do espectador. Sem dúvida que a fala não pode ser descartada no teatro político; mas a instabilidade da atenção do espectador de rua, exige falas sintéticas, poéticas, que portanto condensam as intenções políticas da peça.

A interação do ator militante com um público proletário exige formas de atuação que rompem com solenidades verborrágicas, excessivamente dramáticas. A atuação revolucionada de acordo com as formas populares de comunicação, alavanca a própria fala revolucionária. Historicamente comportando-se como palhaço, acrobata, boxeador ou vendedor de peixe, o artista de esquerda torna-se também um artista popular. Cabe ao ator revolucionário investigar as formas populares que hoje podem sustentar um teatro de combate.


Temas

Teatro    Cultura



Comentários

Deixar Comentário


Destacados del día

Últimas noticias