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FLIP | O que eu vi da FLIP 2016 – Svetlana

O Encontro com Svetlana Aleksiévitch, que ocorreu no sábado, 2 de julho, penúltimo dia da FLIP, foi talvez a mesa mais esperada na programação da FLIP 2016.

Gabriela FarrabrásSão Paulo | @gabriela_eagle

quinta-feira 14 de julho de 2016 | Edição do dia

“Em 2015, Svetlana Aleksiévitch recebeu o primeiro Prêmio Nobel de Literatura concedido a uma obra exclusivamente jornalística. Celebrada pela Academia Sueca por sua ‘obra polifônica, monumento ao sofrimento em nossos dias’, a autora se vale de seus ouvidos de repórter e da tradição literária russa para compor um painel dos tipos populares que viveram dramas históricos durante a pós-guerra na União Soviética.

Filha de pai bielorusso e mãe ucraniana, ambos professores, Svetlana nasceu em Stanislav, atual Ivano-Franvisk, na Ucrânia, então, uma das repúblicas soviéticas, em 1948. Fez carreira em Minsk, a capital de Belarus, também parte da URSS, trabalhando em jornal e na imprensa literária. Sua estreia e livro, Perdi meu vilarejo, já traz os seus característicos monólogos de pessoas comuns afetadas por catástrofes. Concluído em 1983, seu primeiro grande sucesso, A guerra não tem rosto de mulher (Companhia das Letras, 2016), só seria publicado em 1985, já sob a Perestroika (abertura política e cultural levada a cabo pelo dirigente soviético Mikhail Gorbatchov). O livro, um retrato das mulheres que combateram no Exército Vermelho durante a Segunda Guerra Mundial, lhe rendeu acusações de propaganda antissoviética. O maior acidente nuclear da história europeia, em 1986, é o tema de Vozes de Tchernóbil (Companhia das Letras, 2016), que lhe rendeu a projeção internacional. O fim do homem soviético, que tem edição portuguesa, narra, também em longos depoimentos em primeira pessoa, o desaparecimento da URSS e suas consequências na vida de pessoas comuns”.

É com esse texto que a FLIP apresentou em seu programa o encontro com Svetlana, tendo essa descrição, que aponta suscintamente a acusação de programa antissoviético contido na obra da escritora e sendo seu primeiro sucesso um livro intitulado “A guerra não tem rosto de mulher” sobre a segunda guerra mundial, e seu último livro “O fim do homem soviético”, era de se esperar uma mesa muito política; mas não foi isso que se viu.

O encontro com a escritora mediado por Paulo Roberto Pires, jornalista e professor da Escola de Comunicação da UFRJ, quase passou batido pela questão política contida na obra da escritora. O debate, que poderia ser muito rico, com a posição democrata da escritora foi muito pouco aprofundado. A mesa transcorreu se focando quase exclusivamente no lado emocional da obra da escritora.

Svetlana falou do caráter de seus livros como testemunhos descrevendo sua forma de escrita; todo projeto de escrita da autora começa com entrevistas, que ela disse não ser meras entrevistas, pois ela busca se tornar amiga daqueles que entrevista, ter por eles profunda empatia para encontrar “o ser humano dentro do ser humano”. As suas entrevistas são principalmente com mulheres, porque segundo ela através dos homens as notícias vêm de maneira muito dura, já as mulheres trazem a realidade com olhos diferentes, olhos mais sensíveis. As mulheres quando falam da guerra, falam de toda ela, mas também de sofrimentos que parecem menores, como usar cuecas por quatro anos, ter que esquecer o que é ser mulher.

Falando de sua obra “Vozes de Tchernóbil”, uma tragédia, como descreveu Svetlana, que foi para além de territórios, e que surgiu da necessidade de compreender o que se passou com as testemunhas de uma tragédia incompreensível.

Svetlana falou sobre as diversas mulheres que entrevistou para esse livro, encontrado o ser humano em meio as tragédias em um “era de catástrofes”, descrevendo as histórias de amor, como o da mulher que viu seu marido, um bombeiro que esteve em Tchernóbil, perdendo partes dos corpos, perdendo a língua e que contou a escritora como toda a noite ele batia palmas chamando-a para fazer amor com ele, e como ela sabia que todos a achavam doente por isso, mas que ela fazia porque o amava; para Svetlana “só é possível entender o homem através do amor”.

Falando de Tchernóbil, o mediador Paulo Roberto Pires debateu com a escritora ainda outras grandes tragédias como a usina de Fukushima, que a autora visitou para escrever sua obra, e as tragédias brasileiras, como a do Césio em Goiânia, a tragédia de Mariana. Aleksiévitch colocou que essa busca do homem por progresso sem levar em consideração os limites da natureza nos levaram a mais e mais tragédias, a nossa própria destruição. Mas ressaltou que não acredita “que as tragédias sejam um objetivo do ser humano como um todo”.

Colocações dispersas aqui e ali, foi com o que o público teve que se contentar dos possíveis bons relatos que a escritora poderia trazer de dentro do regime da “cortina de ferro”, cujo restrito acesso às informações se fazia inclusive no próprio regime, como disse a escritora “A verdade sobre os gullags chegou sessenta anos atrasada”. A única abertura criada pelo mediador para a escritora falar a respeito, veio numa pergunta acerca da situação atual do país com Pútin, deixando de lado possíveis interessantíssimos testemunhos da vivência cotidiana no regime soviético. Reforçando sua posição democrata, a escritora afirmou que a geração perestroika não compreendeu que a luta por liberdade tinha que ir além da luta por democracia, que eles discutiam na cozinha enquanto as pessoas fora da casa deles estavam buscando maneiras de comprar algo tão importante quanto uma geladeira, ponderando como após as reformas de Gorbachev faltaram um norte político para que a população de fato se tornasse sujeito político de uma Rússia desenvolvida, e não vivesse sob o passado de potência, personificado no megalomaníaco Pútin, ex-agente da KGB.

A autora contou que não escreverá mais sobre a guerra depois da última experiência na guerra do Afeganistão. Não deseja mais ver pedaços de corpos para escrever sobre o que causa as guerras. Contou também de uma cena que vivenciou nessa guerra. Ao ver uma arma comentou o quanto ela era bonita, o general, então, a chamou para o acompanhar a um local e ver o que a arma que ela achou tão bonita fazia aos homens, e mostrou a ela restos de corpos estraçalhados, visão a qual ela desmaiou sob o auto calor que fazia, após desmaiar teve que escutar o quanto aquele não era um lugar para mulher.

As histórias contadas por Svetlana durante a mesa levaram a emoção as mais de mil pessoas que assistiram a mesa dentro da tenda e pelo telão. A busca da autora por encontrar o ser humano em meio as tragédias e contar essa história através do amor é de uma beleza excepcional; sobretudo há uma maior beleza em ter nessa busca como sujeito as mulheres.


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