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OPINIÃO | O que é reformismo?

terça-feira 24 de novembro de 2015 | 00:00

A nova etapa da luta de classes que se abriu em junho de 2013 no Brasil e que se aprofundou a partir desse ano, com a agudização da crise econômica, a crise política (quepor vezes resvala numa crise de regime) e a politização acumulada na classe operária e na juventude – o que já nos permite caracterizar a situação como transitória entre a estabilidade da dominação burguesa e uma situação pré-revolucionária – faz com que uma série de debates estratégico/teóricos que tinham ficado praticamente apagados na etapa anterior tenham que ser retomados.

Muitas vezes esses debates tem que ser retomados de forma tão elementar, tão inicial, que parece que o movimento está recomeçando de novo; mas diferente do trabalho do Sísifo mitológico os revolucionários que reiniciarão tais debates hoje não recomeçam seu trabalho do zero, mas podem se apoiar nos fios de continuidade que existem com a tradição revolucionária que os precedeu.

Reformismo e socialismo

Durante o auge da restauração burguesa, que em nosso país teve como reflexo o lulismo, a perspectiva de uma transformação da realidade ficou tão apagada, distante, que a ideia de reformismo foi imediatamente associada aquele setor da esquerda que luta por reformas no quadro do capitalismo, sem nem sequer mencionar ou aventar a possibilidade de ir para além da sociedade burguesa, colocando ela como marco insuperável da ação social.

Assim, ficou marcado para as jovens gerações que se aproximavam das ideias revolucionárias que reformistas são aqueles que lutam por reformas dentro do capitalismo. Mas a partir disso se coloca a questão: é possível uma corrente reformista que se coloque como perspectiva, que tenha como programa (pelo menos em palavras) osocialismo? A resposta só pode ser um claro sim.

O que diferencia os revolucionários dos reformistas não é necessariamente o programa político que visam realizar, seu objetivo político, mas a estratégia com que buscam realizar tal objetivo.

Numa analogia com a terminologia militar o programa (pra nós o socialismo, a socialização dos meios de produção geridos de forma democrática pelos produtores associados) é o objetivo político que se busca alcançar no confronto e a estratégia é a forma como se impõe seu programa, seu objetivo político, pela força ao inimigo.

Enquanto existe ou pode existir um setor reformista que defenda que é possível alcançar uma sociedade socialista por meio de reformas pacíficas que pouco a pouco vãodiminuindo as diferenças sociais, aumentando o acesso à propriedade, diminuindo as crises econômicas por meio de um maior controle sobre a economia, aumentando gradualmente a qualidade de vida do conjunto da população, etc, eliminando assim no futuro a propriedade privada dos meios de produção, nós revolucionários mostramosque isso é uma utopia, que a sociedade capitalista é baseada na exploração, portanto mesmo melhoras possíveis nas condições de vida dos explorados devem ser defendidas com unhas e dentes e que a cada momento os capitalistas tentam atacar esses direitos conquistados na luta, para garantir assim um maior lucro, para se recuperarem de suas crises; que essas crises não se tornam menores e mais controladas com o tempo, mas mais agudas e destrutivas, que os exploradores não abdicarãode seus privilégios de forma pacífica, mas teremos que lhes arrancar esses privilégios pela luta.

O que diferencia, portanto, os revolucionários dos setores reformistas que se reivindicam socialistas não é o programa, o objetivo político, mas a estratégia com quedefendem que esse objetivo pode ser alcançado.

Breve interregno histórico

Para aprofundarmos essa caracterização basta lembrarmos das origens do reformismo dentro da tradição marxista (ou seja, como desvio e deformação do marxismo quesurge de seu interior).

Berstein, pai dessa tradição reformista, quando leva a frente sua revisão do marxismo no seio da socialdemocracia alemã não abdica do socialismo, mas busca mostrar como o desenvolvimento da sociedade capitalista desde a morte de Marx teria contradito suas teses, que ao invés de um aumento das contradições sociais, uma maior proletarização da sociedade, crises mais agudas do sistema, o que se vivia era uma maior conciliação entre as classes, um aumento dos setores médios da sociedade, uma diminuição e praticamente desaparecimento das crises, o que mostraria, segundo sua visão, que o partido socialdemocrata devia deixar de ser um partido revolucionário para ser um partido das reformas no quadro do capitalismo, ajudando e pressionando sua marcha rumo a uma sociedade socialista, como num caricato modelo iluminista de evolução infinita (não por acaso o livro com o qual Bernstein inaugura a tradição revisionista tem seu título traduzido tanto para o inglês quanto para oportuguês como ‘Socialismo Evolutivo’).

Também os mencheviques não abdicaram, pelo menos nas palavras, a defesa do socialismo, pelo menos até antes dos bolcheviques tomarem o poder; mesmo Plekhanov, mesmo Lieber e Dan, continuaram sendo ‘socialistas’ desde fevereiro até outubro de 1917.

E os centristas com isso?

Aguem poderia perguntar a partir do exposto acima: - “Mas se alguém que defende que é possível chegar ao socialismo por meio de reformas é reformista, o que é um centrista então?”

Resposta: Centrista é aquele que oscila entre um discurso e uma pratica reformista e uma fraseologia revolucionária, as vezes defende a luta pelo socialismo por meio de reformas outras pela revolução (os diferentes pesos que dão as diferentes correntes para cada um dos dois polos sendo o que permite caracterizá-las como centristas de direita, centro ou esquerda).

Reformismo de novo tipo

E quanto a novos fenômenos, novas organizações, que vem impactando a esquerda mundialmente, como Podemos e Syriza, como caracterizá-los?
Seu discurso abstratamente anticapitalista (um sofisma para socialista, talvez?) permite que caracterizemos essas organizações como reformistas, mas um reformismo de novo tipo.

Por que de novo tipo? Porque apesar de todas as traições da velha socialdemocracia clássica do começo do século XX (votar os créditos de guerra, a traição as revoluções na década de 20 e 30) esses partidos tinham uma grande vantagem em relação a seus homólogos modernos: eram partidos operários, de composição proletária, que os trabalhadores reconheciam como seus partidos, como seus representantes. Os reformistas modernos não mais se colocam como partidos da classe operária, mas inclusive dizem que essa classe não existe mais, que agora os sujeitos da transformação social são múltiplos (algo com que nós revolucionários concordamos, apenas aprofundamos: a centralidade entre os múltiplos sujeitos da transformação social pertence ao proletariado).

Se esses novos reformistas ainda não traíram o proletariado e os oprimidos no mesmo nível da velha socialdemocracia isso em muito se deve a que ainda não tiveram uma grande oportunidade. O que mostra isso é a já enorme traição de Tsipras aos trabalhadores gregos, o Syriza, sob a direção de seu primeiro-ministro, sendo o agente da transformação da Grécia numa semicolônia do imperialismo alemão, e não numa semicolônia qualquer, mas algo análogo ao que é o Panamá para o imperialismo estadunidense.

O Podemos se ainda não teve a chance de trair os trabalhadores espanhóis no mesmo nível que teve o Syriza em relação aos gregos aponta pra algo muito pior, posto queseu discurso e programa estão a direita de seu parceiro grego. Fruto do espírito autonomista que lhe deu origem e do qual ele é desvio do que havia de legítimo no movimento dos Indignados, Podemos não se declara nem de direita nem de esquerda, se diz não partido da classe operária, mas da “plebe”, do cidadão comum, não se reivindica nem republicano frente a monarquia espanhola.

O que caracteriza uma corrente política (assim como um indivíduo) não é o que ela diz de si mesma, mas a análise que ela faz dos principais fenômenos da luta de classes internacional

E quanto as correntes que por aqui e alhures se referenciam em Podemos e Syriza, mas que vez ou outra lembram de falar, muito timidamente, em voz baixa, quase aos cochichos, de revolução, como caracterizá-las?

Uma corrente política que frente a derrota total do projeto do Syriza, a demonstração que esse projeto leva ou a desmoralização completa de seus atores ou a uma traição brutal das aspirações daqueles que acreditaram em tal projeto, ou a uma combinação de ambas as coisas (como é o caso com Alex Tsipras) ainda se projeta como sendo ofuturo Syriza, ou ainda pior, um futuro Podemos, só pode ser caracterizada como reformista.

A luta de classes deixa marcas reais, aqueles que frente a seus fenômenos mais agudos não aprendem e não se impactam de forma profunda, carnal mesmo, vãomostrando cada vez mais o papel que querem ocupar quando fenômenos de tal tipo se fizerem presentes e eles possam ser atores de tais processos.


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