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DIA DO ÍNDIO | O que a ausência dos indígenas nas universidades públicas tem a nos dizer no dia do índio?

Os indígenas são o menor grupo étnico presente na universidade. No dia do índio, mais do que uma homenagem vazia, é importante discutir sobre o apagamento étnico e os filtros sociais presentes nas universidades públicas.

quinta-feira 19 de abril de 2018 | Edição do dia

Segundo o Censo 2016, os indígenas ocupam o menor percentual de beneficiados com vagas em universidades públicas, bolsas do Prouni e financiamento do Fies. São 63% dos indígenas matriculados no ensino superior que ficaram de fora dos programas de auxílio e da Universidade pública. Em 2016, apenas 37% dos indígenas candidatados para obter algum apoio governamental para estudar estão entre os beneficiados, sendo que entre os pardos, este número é de 52%. O mesmo levantamento também apontou que entre os indígenas que estão cursando o ensino superior, apenas 25% estão na rede pública, número próximo do percentual total dos universitários brasileiros, já o total de indígenas no ensino superior corresponde a apenas 0,61% do total nacional de pessoas na universidade.

O percentual de indígenas que bancam sua formação acadêmica em instituição privada por conta própria é o maior, sendo de 71%, seguido de 70,3% entre os pretos, 59,3% entre os pardos, 50% entre os amarelos e 47,8% entre os brancos. Ou seja, o grupo étnico mais excluído socialmente, tendo suas línguas apagadas e destruídas e suas terras invadidas, é também o setor que mais lança mão de recursos próprios quando decide adentrar na universidade, uma inversão total se pensarmos que a implementação do Fies e do Prouni vieram sob a luz de um discurso de inclusão dos mais pobres e oprimidos na universidade.

Dentre os motivos apontados como maiores impeditivos para o ingresso de indígenas na rede pública estão os vestibulares, a falta de políticas de permanência e a localização dos campus, ao passo que a implementação do sistema de cotas é o que garante a entrada de algum setor nessas universidades. Estes dados reforçam o caráter de filtro social do vestibular, e portanto, reafirmam a necessidade de exclusão desta barreira e implementação de mais bolsas de permanência e moradias estudantis nas universidades públicas, para que elas possam se tornar públicas de fato.

Além desses fatores, os indígenas de aldeia enfrentam outros problemas de adaptação devido ao preconceito presente nos espaços da universidade, como questionamentos sobre a presença de um indígena neste espaço, e, em muitos casos a barreira linguística, no caso dos que têm o português como segunda língua. Os dados desta pesquisa ajudam a entender um pouco sobre a forma como os indígenas ainda são excluídos, mas também levanta um outro questionamento de fundo, pensando em toda a massa “parda” ou que não declara etnia, quantos desses não teriam também descendência indígena?

O mais recorrente é que o indígena seja visto apenas no contexto das aldeias, relativamente apartados da sociedade urbana, quando se fala sobre indígena urbano, muitas vezes há um estranhamento porque não se pensa no indígena neste contexto. Ou seja, para além da exclusão escancarada dos indígenas, há também o apagamento cultural, linguístico e étnico, colocando a maior parte dos brasileiros no guarda-chuva “pardo”, que nada diz sobre sua história, sua ancestralidade e sua verdadeira etnia. Este mesmo guarda-chuva também é utilizado muitas vezes como forma de apagar a identidade negra, desconectando essas pessoas também de uma possível ancestralidade ligada à história de resistência do povo negro, tirando dela também esse passado histórico.

No dia do índio, é interessante lançar luz para a forma como o racismo atinge os povos indígenas, observando como o etnocídio, que ao longo de séculos de colonização matou povos, línguas, culturas e religiões atua também do lado urbano da esfera, desconectando todo um grupo de indígenas urbanos do seu passado étnico, impedindo que ele entre em contato com as línguas ancestrais, as aldeias, as religiões e os costumes dos povos de quem descende e criando no imaginário nacional uma narrativa do índio enquanto passado histórico, já superado, já totalmente dizimado, o que dificulta o fortalecimento de movimentos que lutam pela resistência das culturas indígenas mas também tira do indígena aldeado, apartado dos seus irmãos que vivem na cidade, o reconhecimento enquanto sujeito político dessa sociedade que o segrega.

Muito provavelmente a maioria das crianças voltarão das escolas hoje com cocares de papel na cabeça, tendo aprendido de forma superficial e sob a luz do olhar burguês um pouco sobre os indígenas brasileiros, o que certamente não será discutido é sobre o genocídio ainda existente nas lutas de demarcação de terras, nos quais latifundiários mandam matar diariamente indígenas e integrantes de movimentos sociais que buscam a recuperação de terras onde as pessoas possam viver, sobre a importância da apropriação e do estudo de línguas indígenas que estão morrendo junto com seus falantes, e na descendência indígena que boa parte dessas mesmas crianças têm.

A luta para tornar a universidade pública de fato, excluindo o filtro social do vestibular, estatizando as universidades particulares, aumentando a reserva de cotas, implementando mais bolsas de permanência e moradias estudantis precisa levar em consideração toda a massa indígena - tanto a declarada, quando a que não se reconheceu etnicamente devido ao apagamento - inclusive para evitar cair no erro de acusar de fraude estudantes não negros que ingressem por cotas PPI nas universidades, uma vez que pode se tratar de indígenas aldeados ou não que tem traços étnicos distintos e muito mais difícil de definir.

A luta negra e a luta indígena devem estar próximas uma da outra pois ambos os grupos sofrem com genocídio, apagamento cultural e racismo, portanto o indígena precisa parar de ser visto enquanto um elemento ancestral da história brasileira ou um objeto de estudo, e precisa ser visto por todos aqueles que lutam por uma sociedade justa e liberta de fato enquanto aliados que são constantemente apartados de nós.




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