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O preço do Mundo Mágico: trabalhadora sem-teto da Disney morre em seu carro

O texto a seguir foi originalmente publicado no Facebook por uma ex-funcionária da Disney, sobre sua experiência ao trabalhar na empresa e sobre a morte de sua colega de trabalho. Ele foi republicado pelo Left Voice com sua permissão em 04/03/2018, e agora segue sua versão em português pelo Esquerda Diário, parte da mesma rede internacional.

quinta-feira 29 de março de 2018 | Edição do dia

Foi por volta de outubro de 2013 que eu conheci essa mulher que você vê na foto. Seu nome era Yeweinisht Mesfin, também conhecida como “Weiny.” Nossa primeira interação aconteceu quando ela me perguntou se eu queria um pedaço da maçã que ela estava comendo para o almoço. A partir de então, passei a vê-la todos os dias, e ela se tornou uma das minhas colegas de trabalho mais próximas na Disney.

Eu iniciei minha jornada na Walt Disney company em Anaheim [cidade da Califórnia], no dia 18 de fevereiro 2012, como funcionária em tempo integral na área de limpeza e manutenção, com salário em torno de $ 10.000,00 por ano. Mãe solteira, com dois filhos, obrigada a dividir moradia com a família e lutando para ganhar o suficiente para viver, mas ganhando “demais” para me qualificar para qualquer programa assistencial do governo. Logo após completar meu primeiro ano de trabalho em tempo integral (30 horas semanais), pedi transferência para o terceiro turno.

Eu ganhava por volta de $ 10,50 quando comecei a trabalhar para o Mickey em 2012 – 75 centavos de dólar a mais do que quando eu passava meus dias vasculhando latas de lixo em busca de recipientes plásticos e latas de alumínio. Um dólar a mais do que quando eu limpava banheiros.

Passei os aniversários dos meus filhos na Disney, assim como o Natal, o dia de Ação de Graças e a virada do ano – não comemorando, mas trabalhando. Não vi meus filhos abrirem seus presentes na manhã de Natal, pois eu estava empurrando sacos de lixo na rua Buena Vista. Perdi o dia de visitar a escola dos meus filhos porque estava esfregando vasos sanitários em Paradise Pier. Não presenciei o crescimento dos meus filhos para que os sábados, domingos e feriados dos frequentadores fossem super especiais.

Eu trabalhava por 270 dólares por semana – 260 quando as taxas do sindicato foram descontadas e 240 quando comecei a pagar o plano de seguro da Disney. Toda semana, meu pagamento era mais ou menos o mesmo.

Assim que me transferi para o terceiro turno (das 23h30 às 8h), meu salário anual aumentou para cerca de $ 12.000,00. Nunca passou desse valor. Enquanto isso, eu presenciava o aumento no preço dos ingressos e da comida. Vi novas áreas sendo abertas e novos shows de entretenimento irem e virem. Vi empregados irem e virem. Às vezes isso me deixava triste, outras vezes, feliz.

Eu me aproximei de muitas pessoas que trabalharam para essa empresa e posso dizer que, se não fosse por elas, eu nunca teria permanecido tanto tempo trabalhando para a Disney.

Agora, vamos voltar a falar dessa mulher que você vê na foto. Como eu disse, a conheci em outubro de 2013. Cars Land [área do parque Disney California Adventure inspirada pela franquia Carros, da Disney Pixar] era seu lar. Ela estava sempre naquela região, trabalhando das 23h30 às 8h, seis dias por semana. Ela sempre sorria e cumprimentava com um “oi”. Banheiros eram sua especialidade.

O primeiro mês em que trabalhei com ela nos banheiros foi duro. Ela tinha seu modo de fazer as coisas e, assim que a conheci, percebi o que ela gostava e o que não gostava. Ela era boa no seu trabalho, e nunca a ouvi reclamar sobre seu emprego ou seu salário.

Todo dia ela levava uma pera ou uma maçã de almoço e, ocasionalmente, um bolinho. Às vezes, ela pagava meu almoço, e não me deixava pagá-la de volta. Então, eu secretamente pagava seus bolinhos ou seu almoço quando eu a via entrar no refeitório. “Não, querida! Está tudo certo!” era sua resposta sempre que a moça do refeitório dizia que sua refeição já estava paga. Então, ela vinha até mim e me agradecia, porém, no dia seguinte, ela secretamente comprava o meu almoço. Ela era assim com todos, não só comigo. Se fosse seu aniversário, ela ajudaria a comprar seu bolo. Era o tipo de pessoa que ela era. Uma pessoa bondosa e amada por todos.

Ao longo de meus anos de trabalho para a Disney, eu sempre ouvia as pessoas reclamando do emprego e do pagamento. Nunca me foquei muito nisso, pois emprego é emprego. Para mim, ele ajudava a colocar comida na mesa, mesmo que pouca.

Novembro de 2016: Weiny desaparece logo depois do fim de semana de Ação de Graças. Como eu já trabalhava para esta empresa há cinco anos, eu estava acostumada com pessoas entrando e saindo. Alguns saíram e simplesmente não voltaram mais. Às vezes, era possível prever que isso aconteceria, às vezes não. Eu não estava pronta para que Weiny fosse embora, e nunca achei que isso aconteceria.

Demorou mais ou menos um mês para que a encontrássemos. Infinitas mensagens, compartilhamentos no Facebook, ligações e buscas. Bastou uma mensagem de sua prima naquela manhã de quarta-feira, em dezembro: “Nós a encontramos. Ela faleceu. Obrigada por tudo que vocês fizeram” foi o que li. Meu coração se despedaçou e eu só queria desaparecer. Senti que o que eu tinha feito não havia sido suficiente. Senti que era culpada.

Logo descobri mais coisas sobre minha amiga Weiny. Descobri que ela havia sido encontrada em seu carro, no estacionamento de uma academia, depois de sofrer um infarto. Ela ficou no carro por quase um mês inteiro antes que alguém a encontrasse. Por que? Porque ela morava no carro, e aquele estacionamento era seu lar. Ela usava a academia para tomar banho e usar o banheiro.

Ela não tinha dinheiro suficiente para ter um lugar para morar, e meu coração se partiu porque tudo que ela fazia era nos ajudar, inclusive com dinheiro. Ela nunca reclamou. Mas por trás daquele sorriso e daquele “bom dia, querida” havia uma pessoa completamente diferente. Uma mulher com dificuldades, trabalhando em turnos de oito horas, por seis dias, para uma empresa que nem mesmo se preocupou em mandar um arranjo de flores. Para uma empresa que só tirava dela, e que a desligou após o terceiro dia em que ela não apareceu e não avisou. Uma empresa que pediu seus uniformes de volta o mais rápido possível, para repassá-los ao próximo recontratado.

Hoje, algum trabalhador do terceiro turno da Disney está usando o gorro de Weiny, seu agasalho, camisas e calças. Alguém está prestes a dar tanto quanto Weiny deu para uma empresa que se recusa a pagar a seus empregados um salário que os permita viver.

As reclamações finalmente me atingiram, e eu abri meus olhos. Eu vi o que todo mundo dizia desde o primeiro dia. Eu entrei em depressão e tive que deixar a empresa. Era demais para mim a ideia de trabalhar para uma companhia que não se preocupava com seus funcionários como dizia que se preocupava.

Li muitas postagens e artigos sobre a Disney e sobre seus funcionários pedindo aumento, e estou feliz por finalmente esse fato ter se espalhado. Faz quase um ano que saí da Disney e posso dizer que estou muito melhor agora. Li um artigo sobre os empregados da Disney estarem ganhando cerca de $ 34.000,00 anuais, e dei risada, pois nunca ganhei isso, nem depois de trabalhar por dois anos completos para a Disney. Eu fico atônita que uma empresa tão grande não possa pagar um salário digno, suficiente para viver, a seus funcionários.

Portanto, Bob Iger, se você por acaso ler minha postagem, isso é o que eu quero dizer: dê às pessoas o que elas querem. Não torne tudo ainda mais difícil para elas. Faça um corte em seu próprio salário por um ano ou dois se você estiver levando isso a sério e quiser ajudar seus funcionários. São eles que estão perdendo o jantar com suas famílias. Feriados, aniversários e ocasiões especiais. Eles lidam com o bom, o mau e o feio diariamente. São pessoas que conhecem os parques como a palma de sua mão. Ouça o que elas têm a dizer.

E, para meus colegas funcionários da Disney, continuem lutando. Chegou a hora. É hora de se rebelar.

Portanto, Disney, deixe de lado os cachorros-quentes e os sorvetes do Mickey e substitua-os por dinheiro. Dê aos funcionários um bônus de Natal, em vez de uma dor de cabeça de Natal, com datas proibidas para que eles tirem férias e dias de folga. Dê aos seus funcionários um salário melhor.

Tradução: Ísis De Vitta




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