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No livro 1984, o autor britânico George Orwell fala de uma sociedade distópica onde a vigilância constante oprime o cidadão, que vive medo que até seus pensamentos sejam vigiados. O personagem “Grande Irmão” (Big Brother) ninguém vê, mas ele controla, com suas teletelas, tudo e todos.

Patricia GalvãoDiretora do Sintusp e coordenadora da Secretaria de Mulheres. Pão e Rosas Brasil

quinta-feira 28 de janeiro de 2016 | 12:38

Essa pequena introdução é mais que uma indicação de leitura, é para falar de uma sociedade de controle e o ponto eletrônico, que a Reitoria quer impor e implementar na USP ainda esse semestre, é um aspecto dessa necessidade do governo autoritário, no caso o Reitor, de impor, pelo medo, suas regras e suas vontades. É um ataque sim aos trabalhadores, não por que esses são vagabundos e não querem trabalhar, mas por que é um equívoco pensar que o ponto serve para garantir que o trabalho seja realizado.

Um debate importante é sobre o controle de quem está em greve, ou em paralisações. Ficaria, assim, mais fácil a reitoria “cortar” o ponto dos grevistas. Na greve de 2014, a justiça determinou que o corte era ilegal e que, portanto, a reitoria deveria pagar os salários dos grevistas. Independentemente da justiça, que desta vez nos foi favorável, o fator que determinou o pagamento dos salários cortados na greve foi, de fato, a mobilização dos trabalhadores. Vale lembrar que o ponto eletrônico é realidade em várias unidades do campus, como na prefeitura, porém a força dos trabalhadores sempre impôs o pagamento dos salários dos grevistas.

Vendemos nosso tempo ao patrão. São oito horas diárias (o contrato padrão) que dispomos à USP em troca de nossos salários. Um terço de nossas vidas é entregue diariamente e não importa a quantidade de trabalho. Num dia, podemos nos matar de trabalhar, a exaustão, porque o trabalho precisa ser feito naquele dia, e mesmo ultrapassar as oito horas. No outro, podemos estar mais tranquilos (algo cada vez mais raro), por que se trata de período de férias, ou coisa assim. Ainda assim são as oito horas que vamos vender, nem mais nem menos.

Uma conta tem que ser feita. Este ano serão 68 horas a serem compensadas referentes a pontos facultativos e emendas, e o ponto eletrônico estará aí para garantir isso. 68 horas vezes os cerca de 15 mil funcionários significarão um milhão e vinte mil horas a serem trabalhadas. É o equivalente ao trabalho de mais de 500 pessoas em um ano! Ou seja, a universidade fecha nos dias de emenda, economizando dinheiro, mas trabalharemos essas 68 horas substituindo mais de 500 trabalhadores. Economiza-se, novamente, não contratando pessoas, fechando postos de trabalho e, de repente as 8 horas vendidas diariamente serão 9 ou até 10 horas! Se você mãe ou pai, busca seu filho na creche, não importa! Se você trabalha e estuda e tem aula a noite, meus pêsames!

Cada vez mais informatizado, o trabalho do Departamento Pessoal vai se tornando cada vez menor, o sistema marte e você, que vai lançar suas férias, licenças e tudo no sistema, vai tomando o lugar dos funcionários do DP e eles tendem a desaparecer. Hoje, já são cinco unidades cujos departamentos pessoais passaram a serem centralizados na reitoria. O CEPE USP é uma delas. A tendência, e o projeto da reitoria, é que isso aconteça em TODAS as unidades. O que será feito com os trabalhadores dos departamentos pessoais? Não existe nenhuma garantia de emprego uma vez que se tornam mais e mais descartáveis pra reitoria. Demissões são parte do cenário mais provável se o projeto de Zago se implementa.

Vai ser paga horas extras? Hahahaha, não! E aquele dia, que você quase esgotou suas energias, vão sendo cada vez mais frequentes e o serviço que precisaria de 16 horas (ou melhor, duas pessoas trabalhando 8 horas) terá que ser feito das 8h às 17h, e você vai adoecendo de tanto trabalhar. E o trabalho, que deveria ser parte da vida se torna cada vez mais extenuante e aquelas oito horas vão se tornando torturantes e você, cansado, desanimado e até deprimido sofre para ir ao trabalho e vai sendo perseguido sem que nem reitoria, nem chefes se importem com seu adoecimento. Os trabalhadores deixam boa parte de sua vida, sua energia e sua juventude no trabalho para que tudo na e sociedade possa existir. Uma minoria da sociedade e da USP tem o seu tempo livre e acumulam para si, de forma privada, todo o tempo que arrancam de nós. São parasitas que vivem a vida com privilégios sugando cada segundo do nosso suor e do nosso trabalho.

O controle dos nossos corpos e do nosso trabalho já existe nos locais de trabalho. Cabe lembrar das chefias assediadoras. O assédio moral é o principal instrumento de controle dos trabalhadores e nos restaurantes universitários da USP o assédio é instrumento frequente. O ponto eletrônico é mais um instrumento de autoritarismo e de assédio. O problema dos horários e do controle também será uma forma de dividir os trabalhadores, como já tem sido o método da Reitoria, pra ficar uns contra os outros. E divididos somos mais fracos. Nossa fortaleza são nossos companheiros de trabalho e de luta.

Essas reflexões colocadas aqui não é de forma alguma distante da realidade de milhões de trabalhadores. Embora a USP tenha, graças a muita luta, condições diferentes da maioria da população, ela não é um universo a parte. E na maior universidade do Brasil, e na mais elitista também, existe muito trabalho precarizado. E um avanço da terceirização que coloca trabalhadores em condições desiguais e ainda mais precárias, com baixos salários, atrasos de pagamento e excesso de trabalho, que leva ao adoecimento. Por isso, lutar contra o controle autoritário do ponto eletrônico não pode ser descolado de lutar contra o desmonte da USP, contra o trabalho precário e a terceirização. Como canta os estudantes “hoje são eles, amanhã seremos nós!”. E o contrário também. A cada avanço dos trabalhadores aqui na USP, a luta dos trabalhadores em geral avança também, porque mais um exemplo de luta e resistência é dado e mais uma vitória contra os patrões é alcançada. A cada retrocesso, mais ataques e mais ajustes virão.




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