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ARTE E REVOLUÇÃO | O papel da arte na Revolução permanente (parte 4): oposição artística e a questão da ’base de massa’

A teoria da Revolução permanente mostra que quando a sociedade “ muda de pele “, quando o bicho está pegando, o caráter político dos acontecimentos provoca choques entre os mais diferenciados grupos sociais. Inquestionavelmente, estes choques também possuem uma dimensão estética, sendo que as tendências mais progressistas da arte precisam ter sob a mira do fuzil o mesmo inimigo da classe operária: o capitalismo.

segunda-feira 17 de agosto de 2015 | 11:34

Foi frisado nos artigos anteriores desta série, que, livre dos equívocos nacionalistas, o movimento artístico revolucionário, em sua pluralidade, impede que a sociedade “chegue a um estado de equilíbrio". Fundamentais passam a ser pesquisas estéticas que procuram se comunicar com um público amplo, ainda que o estilo de uma obra de arte não guarde semelhanças diretas com o marxismo. Mas quais seriam as condições históricas para que a oposição artística se comunique com as massas?

A independência dos meios de produção culturais, enquanto pressuposto para a oposição artística, culmina em isolamento. A marginalização não se torna uma opção, mas uma imposição histórica do capital. Estas condições de produção artística obrigam certamente os artistas a assumirem uma posição política: ou se insiste numa arte realizada com poucos recursos materiais, ou se atrela a produção aos conglomerados econômicos, submetendo-se ao jogo liberal (sem contar que no meio do caminho alguns apostam em editais, verbas que os governos direcionam para “a cultura", que existem sobretudo em períodos de vacas gordas). Na desproporcional correlação de forças entre a militância cultural revolucionária e a cultura dominante, o ceticismo é a velha escadinha que leva vários artistas e intelectuais, provenientes da classe média, para a torre de marfim. Mas para aqueles que optam pela independência é preciso ter clareza de que a criação artística não é um mimo, não é um atalho que destina-se aos paparicos e massagens realizadas no ego: sendo o artista um trabalhador, seu dilema não se separa das próprias condições de vida da classe trabalhadora. Os artistas conscientes da sua força criativa, situam-se no campo progressista.

O fato de muitos coletivos de artistas combativos de hoje em dia serem pequenos, já é pretexto para que uma larga risada pessimista seja dada pelo intelectual descrente: perante a hegemonia dos meios de comunicação de massa e o conservadorismo religioso/político, o que podem movimentos que não possuem “uma base de massa?”. Existe um artigo muito bacana (e conhecidíssimo) do Trotski intitulado "Arte e Revolução". Publicado em 17 de junho de 1938 na revista literária norte americana Partisan Review, o artigo envolve uma reflexão batuta sobre a maneira como a arte relaciona-se com a revolução socialista. Em uma passagem, Trotski rebate o pessimismo de um crítico correspondente da revista em Chicago: este último teria dito que não nutre esperanças pelo trotskismo e outros “resíduos anêmicos" que não possuem uma base de massa . A resposta de Trotski é devastadora: "(...) Esses termos arrogantes fazem conhecer o próprio autor mais do que ele desejaria. Primeiramente mostram que as leis da História só são para ele um livro de sucesso. Nenhuma ideia progressista partiu de uma ’base de massa’. É no fim das contas que que uma ideia encontra as massas, se, evidentemente, ela própria responde às exigências do movimento da História (...)".

Após discorrer sobre vários exemplos históricos de movimentos progressistas que não surgiram a partir de uma “base de massa", o marxista russo contextualiza a questão no campo artístico: "(...) Quanto mais os iniciadores são audaciosos no seu pensamento e nos seus procedimentos, tanto mais sua oposição às autoridades estabelecidas, apoiadas no conservadorismo da ’base de massa’, é radical e tanto mais os rotineiros, os céticos e os esnobes tem a tendência em ver nos inovadores doidos impotentes ou ’resíduos anêmicos’ (...)". Ou seja, as criações artísticas que exprimem a ruptura com a ordem burguesa, não são a princípio “de multidão". Marginalizado pela cultura dominante, o artista revolucionário é acusado de ser incapaz de influenciar a realidade política. Mas, ao mesmo tempo, isto não quer dizer que é preciso aceitar o isolamento artístico imposto pelo sistema: a experiência sensual da arte (que dá prazer aos sentidos) nascida sob o signo da revolta social, tende a sintonizar-se com movimentos sociais centrados na luta contra a ordem capitalista.

O combate contra o capital depende certamente da arte: este “exercício experimental de liberdade", definido por Mário Pedrosa, sofre historicamente com desvios, apropriações, neutralizações e imposturas de muitos. Diante da máquina cultural capitalista que a ditadura militar (1964-1985) garantia, Hélio Oiticica ao homenagear o bandido “Cara de Cavalo" (morto em 1964), proclamava (e desafiava) em sua bandeira de 1968: “Seja Marginal, Seja Herói". Certamente que a subversão de papÉis e a opção contracultural pela margem não bastam para resolvermos os problemas da arte e da sociedade. Entretanto, é neste gesto transgressor de Hélio que reside o desafio contra a estabilidade social e estética. Hoje em dia nos deparamos com uma direita violentíssima, amante da repressão policial (e em alguns casos nostálgica em relação à ditadura militar). Esta mesma direita precisa assegurar os seus valores culturais, tachando, marginalizando e sugerindo que os artistas revolucionários são “anêmicos". Se a classe operária precisa impedir o avanço da direita, é papel da oposição artística lutar, a partir dos seus próprios métodos, contra os valores da civilização burguesa: a atitude transgressora da arte encontra-se com o movimento dos trabalhadores. Eis o combate permanente que, tanto na luta proletária, quanto no confronto artístico, segue na trilha da Revolução socialista.




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