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A LUTA CONTRA A UNIVERSIDADE BRANCA | O movimento Rhodes must fall e a radicalização dos estudantes sul-africanos

Os protestos estudantis de 2015 sacudiram a África do Sul e obrigaram as autoridades universitárias e o governo a fazerem concessões significativas. No início de 2016, somou-se a isso a luta dos trabalhadores universitários e novos combates estudantis.

Juan ChingoParis | @JuanChingoFT

quarta-feira 24 de fevereiro de 2016 | 01:10

Os trabalhadores contratados da Universidade levantam a cabeça

Desde o ano passado estamos escrevendo sobre esse movimento nascente, analisando seu desenvolvimento como um grande exemplo para os explorados do mundo.

No início de janeiro as ações estudantis foram seguidas por uma onda de greves dos trabalhadores não-docentes terceirizados, que exigem ser contratados diretamente pela Universidade, o que foi uma das pautas do movimento estudantil. Na prática, os trabalhadores terceirizados da Universidade de Pretoria, Unisa, Medunsa, TUT, Tshwane South College, Tshwane North College e do Município de Tshwane começaram uma greve em 11 de janeiro, exigindo o fim da terceirização, um salário mínimo de 10.000 rands (moeda sul-africana, em torno de R$ 2600) e a suspensão das reduções de pessoal e a reincorporação de todos os trabalhadores recentemente demitidos. No início de 2016, as rápidas vitórias do movimento "outsourcing must fall" (a "terceirização deve cair") foi outra derrota do governo, esta vez pelas mãos da classe operária.

As deploráveis condições de alojamento dos estudantes negros

Os protestos do ano passado não fizeram mais que despertar a indignação e a luta estudantil. Neste ano as desesperadoras condições de alojamento dos estudantes negros que foram a faísca que reavivou o movimento. Alguns deles vivem em segredo nas salas de aula e dormem nas bibliotecas ou nos corredores das instituições. Os estudantes negros, do mesmo modo daqueles que vieram antes deles na década de 1980, estão desesperados por moradia estudantil. Todos os anos, estão excluídos financeiramente. Isso apesar das afirmações feitas pelo governo de que estaria tornando a educação superior acessível para todos.

A Universidade da Cidade do Cabo de novo no epicentro

Em 2015, o ressurgimento do movimento estudantil sul-africano começou pela campanha e mobilização do movimento "Rhodes must fall" (RMF, Rhodes deve cair), uma campanha para retirar uma estátua de Cecil John Rhodes [1] da esplanada da Universidade da Cidade do Cabo (UCT), uma das mais prestigiadas da África do Sul.

Como continuação de sua luta por condições de moradia, RMF construiu no último 15 de fevereiro uma cabana no campus. Se chamava Sackville: Homeless (sem teto) da UCT. A medida em que mais estudantes ficaram sem casa, e excluídos financeira e academicamente, Sackville foi adquirindo cada vez mais relevância. No dia seguinte, dois altos dirigentes da Universidade levaram ao RMF uma advertência para eliminar a cabana em uma hora ou a segurança a eliminaria a força. Os estudantes se sentiram intimidados e em resposta a esta ameaça, fizeram uma queima simbólica de pinturas coloniais como desafio às autoridades.

A polícia disparou bombas de efeito moral e balas de borracha contra os estudantes desarmados durante três horas. A segurança particular sequestrou violentamente um estudante, que é membro do RMF, mas que não estava no protesto. Ao longo da noite, a polícia intensificou a violência (inclusive disparando contra estudantes que não protestavam). Como resultado, os estudantes queimaram um veículo da UCT e o escritório do vice-reitor.

Rapidamente surgiu no Twitter a óbvia analogia com os nazistas pela destruição da arte. Mas nesse caso os estudantes não estão contra as pinturas, para além do quão desagradáveis que possam ser, mas sim se tratava das pessoas que estão nas pinturas. RMF anuncia com grande alarde na internet que "a brancura está sendo queimada" e que "a arte ofensiva na UCT está ardendo em chamas.

Nos dias seguintes, os ativistas do movimento defenderam suas ações. Uma das ativistas disse: "muitos criticaram o movimento RMF devido ao vandalismo e a violência. É curioso que a gente esteja mais preocupada com as pinturas de brancos racistas assassinos em série do que com a vida dos pobres estudantes negros. O que é ainda mais surpreendente para mim, no entanto, é o choque que a sociedade expressa quando um movimento como o RMF, que foi muito claro sobre sua intenção de descolonizar, se dedica a descolonização".

Outro estudante, Athalibe Nonxuba, um dos líderes do Rhodes Must Fall, explicou por quê pinturas foram queimadas, que era importante que os estudantes negros se vissem a si mesmos representados na UCT através da arte e da cultura. "Muitas coisas foram feitas por nós mas sem nós e estamos dizendo não mais. O objetivo final é uma educação socialista livre e uma instituição descolonizada". Nonxuba acrescentou que eles haviam desenvolvido uma filosofia de "fallism", "um juramento de lealdade de que tudo que esteja relacionado com a opressão e a conquista dos negros pelo poder branco deve cair e ser destruído".

Ainda que atualmente este seja o movimento mais radicalizado da África do Sul, não é o único: em Pretória, capital administrativa do país, os estudantes se reuniram nesta segunda-feira fora de suas salas de aula na Universidade depois de uma manifestação e interromperam suas aulas. Os manifestantes se opõe ao uso da lingua afrikaans (originária dos primeiros colonos imperialistas) como meio de instrução.

Os estudantes na vanguarda da luta contra o regime do pós-apartheid

A transição pactuada para a democracia que salvou os privilégios da minoria branca na África do Sul no começo da década de 1990, fez certas concessões formais como o voto ou o acesso à universidade para a maioria negra com o objetivo de desviar a revolução operária negra que estava em curso na década de 1980. A república multi-racial não mudou os traços econômicos, sociais e culturais fundamentais do regime do apartheid.

Mas paradoxalmente, nos lugares nos quais houveram algumas das mudanças mais significativas como a Universidade com a chegada massiva de estudantes negros, é onde fica mais fácil ver as continuidades mais profundas da desigualdade do passado. Enquanto muito mais pessoas têm acesso à educação em todos os níveis, o acesso continua sendo feito sobre uma base nitidamente diferente para um branco e um negro.

Vistos desta perspectiva, os protestos dos estudantes e as questões levantadas através de sua solidariedade com os trabalhadores do campus se referem a questões mais gerais e fundamentais que as diferenças nas oportunidades de vida dos estudantes negros em comparação com seus homólogos brancos. Os estudantes sul-africanos estão dizendo com gritos e com seus corpos que os sul-africanos negros seguem sofrendo a segregação em seu próprio país - desde o ensino fundamental, o ensino médio, a universidade, o lugar de trabalho, a geografia espacial de suas comunidades. O mesmo acontece durante suas interações diárias nas ruas, supermercados e restaurantes. Sua luta é nossa luta.

Notas:

[1] Cecil Rhodes foi um empresário colonialista e grande defensor do imperialismo britânico, fundador na África do país que depois de sua morte levaria seu nome: Rodésia, cujo território está atualmente dividido entre Zâmbia e Zimbábue. Foi também fundador da influente Fundação Rhodes. Além disso, fundou a companhia De Beers, que atualmente controla 60% do mercado de diamantes brutos do mundo e que há algum tempo chegou a comercializar 90% desse setor. Seus anseios imperialistas não tinham limites, queria "pintar o mapa de vermelho (britânico)", e declarou: "todas estas estrelas... estes vastos mundos que se mantêm fora do alcance. Se pudesse, anexaria outros planetas."

Tradução por Denis Kawano




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