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REVOLUÇÃO RUSSA | O levante de Julho de 1917 segundo Trotsky

No ano que vem se completa 100 anos do triunfo da Revolução Russa. Neste artigo, traduzido a quase 10 anos, Leon Trotsky analisa as Jornadas de Julho de 1917 após uma crise no Governo Provincial desencadear uma série de manifestações antigovernamentais espontâneas e populares. O dirigente revolucionário questiona: “era o momento de tomar o poder? ”

segunda-feira 18 de julho de 2016 | Edição do dia

Uma enorme tensão atravessava o ambiente e as classes sociais na Rússia até início de julho de 17. As massivas manifestações de junho, desde onde a revolução e a contrarrevolução haviam cruzado as mesmas calçadas somente com um dia de diferença, se somava ao ambiente rarefeito decorrente dos milhares de homens no front que protagonizavam a ofensiva contra os exércitos alemães durante a Primeira Guerra Mundial. Petrogrado e as trincheiras onde morriam os soldados diariamente, seriam os dois pontos, atados em suas extremidades por um destino comum, mas momentaneamente desencontrados, que dariam lugar as tensões emergentes, a insurreição das massas e a reação burguesa.

Frente a esta situação, Trotsky analisa o processo e põe em discussão o papel e as tarefas do Partido da Revolução.

Tem vertido sangue pelas ruas de Petrogrado (1). Adicionou-se um capitulo trágico a Revolução Russa. Quem deve ser culpado? “Aos bolcheviques”, dizem as pessoas da rua, repetindo o que dizem os jornais. A soma total destes acontecimentos trágicos, no que diz respeito a burguesia e aos políticos servis, esgotam-se nas palavras: prender os cabeças e dispersar as massas. E o objetivo desta ação é estabelecer a “ordem revolucionária”. Os SR (social-revolucionários) e os mencheviques, com a prisão e desarme dos bolcheviques, preparam-se para estabelecer a “ordem”.

Existe somente uma pergunta: que tipo de ordem, e para quem?

A revolução desperta grandes esperanças nas massas. Entre as massas de Petrogrado, que desempenharam um papel de liderança na revolução, essas esperanças e expectativas foram tomadas com uma seriedade excepcional. A tarefa do partido socialdemocrata era transformar essas esperanças e expectativas em programas políticos claramente definidos para levar a impaciência revolucionária das massas ao caminho da ação política planificada. A revolução se viu cara a cara com a questão do poder estatal. Nós, assim como a organização bolchevique (2), encontrávamos cedendo todo o poder ao Comitê Central dos delegados e dos conselhos de trabalhadores, soldados e camponeses. As classes altas, e entre elas devemos incluir os SR e os mencheviques, exortavam as massas a apoiar o governo de Miliukov-Guchkov (3). Até o último momento, isto é, até o momento em que as figuras do primeiro Governo Provincial mais claramente imperialistas apresentaram sua renuncia, ambos os partidos acima mencionados estavam unidos em toda a linha e com firmeza ao governo. Somente depois da reorganização do governo deram a entender as massas, através de seus próprios jornais, que não haviam dito toda a verdade, que haviam sido enganados. Pouco depois estavam dizendo que devia-se confiar na nova “coalizão” governamental. A socialdemocracia revolucionária previu que o novo governo não se diferenciava em suas bases do velho, que este não daria nenhuma concessão a revolução e outra vez trairia as esperanças das massas. E isso foi o que aconteceu, Depois de dois meses de política de enfraquecimento, de pedidos de confiança, de exortações prolixas, a atitude do governo de obscurecer todos os assuntos não poderia ser disfarçada por mais tempo. Tornou-se claro que as massas mais uma vez – nesse momento mais cruelmente do que nunca – haviam sido enganadas.

Crescia a impaciência e a desconfiança, não dia a dia, mas sim hora a hora, de uma grande massa de trabalhadores e soldados em Petrogrado. Esses sentimentos, tão pungentes para todos os integrantes, eram alimentados pela longa guerra, pela desorganização econômica, por um estabelecimento invisível de uma greve dos setores mais importantes da produção, encontraram uma expressão política imediata no slogan: “todo poder aos soviets”. A retirada dos Cadetes e a prova definitiva da falência interna do Governo Provisório convenceu as massas, de maneira ainda mais profunda, que estavam corretos ao se oporem aos líderes do soviets. As hesitações dos SR e dos mencheviques simplesmente jogaram óleo das chamas. As exigências, quase imposições, dirigidas ao comitê de Petrogrado, requisitando deles o impulso de uma ofensiva, teve o efeito similar. A explosão tornou-se inevitável.

Todos os partidos, incluindo os bolcheviques, tomaram todas as precauções para evitar que as massas realizassem a demonstração do dia 16 de julho; mas as massas fizeram a manifestação, e mais ainda, com as armas em suas mãos. Todos os agitadores, todos os representantes de distritos declararam na tarde de 16 de julho que a manifestação do dia 17 de junho, colocando a questão da permanência incerta do poder, estava destinada a acontecer, e que não poderiam tomar medidas para conter o povo. Essa é a única razão para qual o partido bolchevique, e com ele nossa organização, decidiu não permanecer distante e lavar suas mãos das consequências, mas sim em fazer tudo o que estava ao nosso alcance para transformar a jornada de 17 de julho em uma demonstração pacífica. Não tem outro significado o chamado do dia 17 de julho. Isto era, é claro, compreensível, tendo em vista certas intervenções de grupos contrarrevolucionários, que produziram sangrentos conflitos. Havia sido possível, é verdade, privar as massas de qualquer direção política, decapitá-las politicamente, negando-se a dirigi-las, e abandoná-las a seu destino. Mas nós, sendo um partido de trabalhadores, não poderíamos nem seguiríamos as táticas de Pilatos: decidimos acompanhar as massas e unir-nos a elas, para introduzir em sua confusão elementar as melhores medidas de organização realizáveis sob essas circunstancias, e assim reduzir ao mínimo o número de prováveis vítimas. Os fatos são bens conhecidos. O sangue correu. E agora a imprensa “influente” da burguesia, e outros jornalistas servis da burguesia, estão tentando jogar em nossos ombros a responsabilidade total das consequências – pela pobreza, a exaustão, o desafeto e a rebeldia das massas. Para este fim, para completar seu trabalho de mobilização contrarrevolucionária contra o partido do proletariado, há publicações de pícaros anônimos, semi-anônimos ou classificações variadas, em que circulam acusações de suborno: o sangue foi derramado por culpa dos bolcheviques, e os bolcheviques estavam atuando sob as ordens de Wilhelm (4).

No presente estamos atravessando dias de prova. A firmeza das massas, seu autocontrole, a fidelidade de seus “amigos”, todas essas coisas estão sendo postas em questão. Estamos também sendo sujeitos desta prova, e sairemos dela mais fortalecidos, mais unidos, do que em nenhuma prova anterior. A vida está conosco e lutando por nós. A nova reconstrução do poder, ditada por uma situação inevitável, e pela miserável falta de entusiasmo dos partidos dirigentes, nada mudará nem se resolverá nada. Devemos ter uma mudança radical de todo o sistema. Necessitamos de um poder revolucionário.

A política de Tseretelli-Kerensky (5) está diretamente interessada em desarmar e debilitar a ala esquerda da revolução. Se, com a ajuda de seus métodos, tem êxito em estabelecer uma “ordem”, serão os primeiros – depois de nós, obviamente – a cair vítimas de seu “poder”. Mas não terão êxito. A contradição é muito profunda, os problemas são muito grandes para que se solucione com medidas somente políticas. Depois dos dias de juízo virão dias de progresso e vitória.

Notas.

1. As jornadas de Julho começaram com uma crise ministerial, com a diminuição dos ministros do Partido Cadete no dia 16. As manifestações antigovernamentais espontâneas foram reprimidas com força. Lvov renunciou no dia 20 e Kerensky foi nomeado primeiro-ministro. Se intensificou a perseguição aos bolcheviques.

2. Leon Trotsky era nessa época membro da Organização Interdistritos de Socialdemocratas unidos (mezhrayontsi em russo) que se fundiu com os bolcheviques em julho de 1917, agrupando nessa época 4.000 membros em Petrogrado e 1.000 em organizações militares. Entre seus membros mais destacados figuravam junto a Trotsky, Lunacharsky, Volodarsky, Uritzky, Joffe, Manuilsky, Karakhan, Reazanov, Pokrovsky e Uren. A fusão com os bolcheviques ocorreu no VI Congresso deste últimos, celebrado de 8 à 16 de agosto de 1917.

3. Guchkov, Aleksandr (1862-1932): latifundiário e capitalista russo, líder do Partido Outubrista (liberal de direita), presidente da Duma de 1907 à 1912, ministro da Guerra e Marinha do primeiro Governo Provisório.

4. Se refere a Wilhelm II (1859-1941), imperador da Alemanha desde 1888. Abdicou ao ocorrer a revolução alemã de 1918.

5. Tseretelli, Iralii (1882-1932): menchevique georgiano, deputado da segunda Duma. Depois da República de Fevereiro foi um dos dirigentes dos chamados “defesistas revolucionários” e assumiu como ministro de Correios e Telégrafos no Governo Provisório.

Kerensky, Alexander (1881-1970): Social-revolucionário russo. Depois da Revolução de Fevereiro de 1917 na Rússia, foi ministro da Justiça, da Guerra e Marinha, e finalmente, chefe do Governo Provisório desde julho até a Revolução de Outubro. Em 1918 fugiu para o estrangeiro, desde onde começou uma campanha de propaganda antissoviética.




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