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ENTREVISTA | O jovem fotógrafo que conheci nas ladeiras do Pelourinho

No fim de junho, durante minhas férias de dez dias, fui viajar para Salvador com uma companheira de trabalho. Durante um de nossos passeios pelo centro histórico conhecemos Rodrigo Morais, jovem fotógrafo, que anda pela cidade fotografando as pessoas e os lugares da capital baiana. Encantada com o fotógrafo e com as fotos que ele me mostrou resolvi fazer uma entrevista com ele para entender melhor a relação dele com a arte de fotografar, com a cidade onde vive, e a relação da sua fotografia com a cidade, e para conhecer um pouco melhor sobre o Rodrigo em si. O resultado compartilho aqui no Esquerda Diário.

Gabriela FarrabrásSão Paulo | @gabriela_eagle

quarta-feira 15 de julho de 2015 | 21:36

Foto por Rodrigo Morais

Gabriela Farrabrás: Rodrigo, você poderia primeiro se apresentar, dizer sua idade, profissão, descrever o lugar que você mora?

Rodrigo Morais: Sou Rodrigo Morais de Souza, tenho 26 anos, nascido e criado em Pirajá – Salvador – Ba; um dos bairros históricos mais banalizados da cidade por não ter o devido reconhecimento que merece, já que foi palco importante para a independência do estado. Trabalho há cinco anos numa padaria, comecei como ajudante e hoje sou encarregado de produção assumindo algumas funções que requer responsabilidade, compromisso com a empresa, os colegas de trabalho e os clientes também e me orgulho um pouco falando disso (risos).

GF: Quando surgiu a sua relação com a fotografia?

RM: A fotografia se apresentou para mim em 2011, foi um período complicado, pois estava enfrentando uma crise difícil de depressão (problema que me acompanha desde que me entendo por gente) e como uma forma de terapia comecei a caminhar muito (os franceses me chamariam de flanêur) e nesse ato de andar pela cidade, observar, ver, olhar, ouvir, senti a necessidade de registrar algumas coisas (cenas, gestos peculiares, pessoas, as coisas simples, elementos e substancias que movem e constroem a cidade) e essa terapia da fotografia atrelado ao ato de caminhar meio que tornou-se uma espécie de diário visual, daí em diante nunca mais parei de caminhar e a câmera sempre me acompanha.

GF: Entre as fotos que você me mostrou quando estive em Salvador muitas são da cidade e dos seus moradores. Por que esse gosto por retratar a sua terra e as pessoas que vivem ai?

RM: Durante muito tempo me sentia angustiado, inquieto por não conhecer a própria cidade onde nasci, não conhecer as pessoas “o seu joão da vendinha da esquina” ou “o moço que varria a rua” ou “ a moça que pedia comida na casa das pessoas” ou “minha própria família”, não conhecer a história, minha ancestralidade, não conhecer a mim mesmo. Até hoje confesso que ainda conheço pouco, isso me incomoda, então andar e fotografar as casas, as pessoas, conhecê-las, ouvi-las usar a luz pra dar sentido a toda essa banalidade visível/invisível dentro da cidade ajuda-me a construir uma identidade, preencher esse vazio e preencher também o “vazio” do outro, pois a partir disso descobri que outras pessoas também tem esses conflitos, essas inquietações dentro de si. Talvez tenha viajado um pouco de mais, desculpa!

Foto por Rodrigo Morais

GF: Nos últimos tempos muito tem se noticiado sobre o descaso com o centro histórico de Salvador, os casos de casarões que caíram, por exemplo, e você retrata muito essa parte de salvador em suas fotos. O que você pensa sobre esse descaso com a cidade?

RM: É um pouco complicado falar sobre isso, não acredito que tenho propriedade para tal. Mas, há uma má vontade, omissão dos órgãos públicos responsáveis quando se trata de dar uma assistência e orientação para as pessoas que moram nesses lugares, assim como viabilizar investimentos pontuais para a preservação desse patrimônio, tendo em vista que a maioria dos proprietários são pessoas de baixa renda e não tem condições de custear reformas e afins, já que são imóveis tombados e requer o atendimento de requisitos específicos para que ocorra algum tipo de intervenção etc. É evidente a falta de planejamento e investimentos aplicados corretamente e isso se arrasta ao longo dos anos, não há uma preocupação com o elemento humano residente desses espaços. E com os acontecimentos mais recentes de desabamento vitimando pessoas e vários prédios condenados, houve um aceleramento na demolição desses prédios sem nenhum estudo técnico por parte da prefeitura e com aval do Iphan (Instituto do Patrimônio Histórico e Artista Nacional), é uma área da cidade que está passando por um processo de gentrificação violento, brutal...

GF: Em um dos nossos passeios por Salvador a polícia te abordou perguntando se você era morador do bairro. E eu mesma pude notar que há forte presença da polícia na cidade. Qual a relação da polícia com a população de Salvador?

RM: Não gosto muito de adentrar nessas questões, mas acho que é uma insatisfação nacional a maneira como a polícia militar se porta diante da população, a truculência, o desrespeito etc. Há bons policiais dentro da instituição, porém há também uma minoria corrupta, mal caráter que estigmatiza toda um sistema que já é falido, ineficaz. A polícia militar é uma máquina de matar a serviço do estado, é ela que faz o trabalho sujo, sutil ou não, uma limpeza étnica e cultural tamanho índice de jovens negros assassinados, desaparecidos enfim, falar da relação é um tanto subjetivo, talvez essa pergunta seria respondida de uma maneira bem mais suave com parte da população que goza de um poder aquisitivo melhor e reside nos villages, condomínios de luxo etc.

GF: Como é ser um jovem negro diante disso?

RM: Acho que com o episódio que você presenciou (em que Rodrigo foi abordado é questionado se morava no bairro em que estávamos e quem eram as duas mulheres brancas – eu e uma colega – que estavam com ele) deu pra perceber um pouco a tensão que é andar pela cidade, a desconfiança e o pânico de ser abordado e se eles não forem com sua cara gratuitamente agridem, humilham, matam indiscriminadamente.

GF: Você me disse que a fotografia tem muito a ver com um sentimento próprio e sobre algo que ela tem que transmitir, que ela não pode ser sobre qualquer besteira, ser por ser, como muitas pessoas fazem. Me explica melhor isso?

RM: Fotografia significa escrever com a luz, então acredito que sempre temos algo a dizer seja na música, na preparação de uma comida, escrevendo um texto, pintando uma tela e com uma câmera na mão não poderia ser diferente. Porém hoje em dia há muitas pessoas produzindo coisas vazias, ao ponto do próprio autor não saber fazer uma leitura daquilo que ele registrou. A luz transforma tudo aquilo que ela toca, é quase como falar. Não sobrevivo da fotografia, não dependendo dela para me sustentar, mas vivo em função dela, as pessoas acham que o segredo de uma boa fotografia está no equipamento que você tem, no que você fotografa. Quando na verdade o segredo está em como você escreve e faz a imagem, em como você fotografa; eu não fotografo pensando nos likes, nos compartilhamentos e comentários (coisas que só fomentam o ego), faço por que gosto, uma maneira que encontrei pra conversar comigo mesmo, conversar com o universo, explorá-lo.

As pessoas costumam classificar trabalhos supostamente excelentes como profissionais como se apenas os fotógrafos profissionais tivessem licença para tirar fotos boas, de qualidade, e usar o termo amador para transmitir a ideia de produções imaturas e para desculpar fotografias de muito má qualidade.

GF: Você acredita que ser jovem negro, como toda a bagagem que você carrega por isso, modifica de alguma maneira seu olhar na fotografia?

RM: Acho que sim, somos mutáveis, a todo instante mudamos, estamos sempre em movimento, estamos sempre nos construindo, quando eu olho pelo visor e opto por gravar aquela cena no tempo, ali tem tudo de mim, as frustrações, os livros que leio, as experiências que tenho, as musicas que escuto, os poemas que leio, as coisas que assisto na tv etc.

retrato que fiz de Rodrigo em um de nossos passeios




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