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“O fortalecimento do espaço político do agronegócio está em curso” – Entrevista com Mariana Chaguri

Redação

“O fortalecimento do espaço político do agronegócio está em curso” – Entrevista com Mariana Chaguri

Redação

Por Vitória Camargo, para o Ideias de Esquerda

Nesta entrevista, Mariana Chaguri, professora de Sociologia da Unicamp e diretora do Ceres (Centro de Estudos Rurais), conversa com Vitória Camargo sobre as políticas atuais de Bolsonaro direcionadas ao campo, sua vinculação à crise ambiental na Amazônia e o caráter estrutural da formação colonial brasileira ligada ao latifúndio.

Ideias de Esquerda: Qual a relevância da formação colonial brasileira, com concentrações de terra e latifúndios, no cenário
político brasileiro atual?

Mariana Chaguri: O Brasil vive até hoje um padrão colonial de ocupação e uso da terra, ou seja, isto é, em contextos de produção de riquezas e de organização dos modos de trabalho e de vida no campo marcados pela generalização da monocultura e pela recorrência da concentração fundiária.

Ao se investir massivamente na monocultura que precisa de largas extensões de terras para se desenvolver o modelo econômico confina o alcance produtivo das pequenas e médias propriedades que, pouco a pouco, são reconcentradas sobre posse de poucos proprietários (de modo legal ou não).

Progressivamente, cria-se um cenário no qual, os conflitos fundiários se configuram em duas frentes básica, interligadas entre si: os conflitos propriamente trabalhistas que opõem trabalhadores rurais e empresa agrícola formado por grupos econômicos de perfis variados e os conflitos fundiários.

IdE: Como você relaciona a crise ambiental na Amazônia à expansão das fronteiras agrícolas e aos interesses dos latifundiários?

Em minha leitura, a capacidade de imobilizar grandes extensões de terra é, historicamente, um elemento chave do conflito de classes no Brasil. O avanço da fronteira agrícola sempre foi um modo, politica e economicamente interessado, de enfrentar o problema da concentração de terras no país. Ao invés de promover Reforma Agrária ou qualquer outro modelo de fortalecimento das pequenas ou médias propriedades, a expansão da fronteira agrícola enfrenta o problema da concentração fundiário colocando mais terras em circulação. É importante notar, no entanto, que não se trata simplesmente da mercadorização de novas terras, trata-se de tomar, violentamente, a terra de alguém.

Atualmente, quais são as terras disponíveis para serem tomadas? Terras de índios e de populações tradicionais, além de áreas de preservação ambiental. Novamente, um outro padrão colonial se faz presente: a noção de que esses territórios são vazios, posto 1) estarem separados da lógica da produção de mercadorias agrícolas; 2) serem ocupados por índios, quilombolas, ribeirinhos e demais populações cujas existências são violentamente negadas pelos setores do agronegócio que ofereceram sustentação a este governo.

IdE: Tomando as políticas que o governo tem tido para o campo, na Amazônia e frente à questão indígena, qual a situação atual da imbricação entre o governo Bolsonaro e agronegócio e latifundiários? Ou seja, qual a força que esses setores têm no Planalto atualmente?

M.C.: A noção de que esses territórios são vazios e, portanto, disponíveis para serem tomados é crucial tanto para o modo de acumulação específico de alguns setores do agronegócio, quanto para espalhar a violência sem a qual o projeto de dominação desses setores (e deste governo) não podem se sustentar.

É importante observar, no entanto, que o setor agropecuário é muito diverso e não está atuando em bloco neste caso: existem as cadeias produtivas altamente internacionalizadas, comprometidas com certificações ambientais, fitossanitárias etc. para as quais este modelo de política ambiental tem impactos imprevisíveis.

Vale pensar, então, qual é o setor do agronegócio que sustenta essas políticas. De modo geral, trata-se do setor mais desconectado do mercado internacional e mais ligado às atividades extrativistas ou a uma produção agropecuária extensiva, com baixo emprego de tecnologia e fortíssimo impacto ambiental e social. Em termos produtivos, é o setor de mais baixa performance econômica; em termos políticos, é o setor mais apegado a um padrão colonial e escravista de imobilização de terras e de força de trabalho e, consequentemente, de monopolização de poder.

IdE: Existem transformações em curso para aprofundar o peso desses setores na economia e nas decisões políticas no Brasil? Quais?

M.C.: A disputa está aberta e envolve o emprego da violência direta. A legislação sobre o porte de armas, por exemplo, está sendo flexibilizada especialmente no campo, não é um acaso. Também não é um acaso as disputas em torno da definição do que seria um trabalho análogo à condição de escravo ou o sucateamento das condições de trabalho dos fiscais do IBAMA, por exemplo. Em minha leitura, o fortalecimento do espaço político deste setor do agronegócio está em curso e se conecta a um conjunto de outras disputas deste governo. É importante notar que se trata de produzir a legitimidade social da pilhagem de terras, do extermínio de populações específicas e da devastação ambiental. Quem é o ator social que emerge legitimado deste processo? Homens, em geral, brancos, que irão consolidar sua autoridade na medida em que afirmem doses cada vez maiores de violência. Essa violência organiza, também, visões específicas sobre o que deve ser uma família, sobre qual o lugar das mulheres em seu interior e assim por diante.

Economicamente, me parece, este setor não tem grande impacto. Há uma separação entre economia e política neste caso, é importante avaliar o quanto ela pode se sustentar.

IdE: Como você enxerga as políticas de Bolsonaro em relação aos conflitos no campo?

M.C.: É uma dominação política e econômica assentada na lógica da violência, especificamente na lógica de que se deve espalhar a violência como modo de expropriação de terras e subordinação da força de trabalho. É a brutalidade do capitalismo brasileiro, cujas raízes (e, me parece, sentido último) repousam na lógica do escravismo como regime de trabalho, na violência como fonte de dominação e na expropriação como lógica de produção.


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