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NATAL DOS TRABALHADORES | O espírito do natal e a festa do capitalismo

Marcello Pablito Trabalhador da USP e membro da Secretaria de Negras, Negros e Combate ao Racismo do Sintusp.

segunda-feira 26 de dezembro de 2016 | Edição do dia

O fim do ano é um momento em que o espirito natalino toma conta das pessoas. Nos encontros de família, no trabalho, nas listas de whathsap, na faculdade ou na rua é comum ver as pessoas desejarem felicidade, prosperidade e energias positivas, abertura de uma nova fase com a virada do ano.

É também o momento em que ganha força o sentimento de deixar os maus entendidos pra lá, virar a página, perdoar as coisas ruins. Esse sentimento é tão comum que até o golpista Michel Temer em plena véspera de natal tentou surfar nessa onda e disse em sua declaração natalina que “o natal de 2017 vai ser melhor que o deste ano”. Em geral todas as pessoas tendem a ver com bons olhos e criar expectativas e uma esperança no fim do túnel, são idéias positivas em geral que poderiam ser ditas hoje ou a três séculos atrás quase sem nenhuma mudança. No entanto, numa sociedade dividida em classes sociais, e sustentada na exploração e dominação de uma sobre a outra esses sentimentos frequentemente se chocam com a realidade fria e mercantil do capitalismo. Não é novidade que se para as pessoas em geral é visto como um momento de difundir essas mensagens, para os capitalistas a comemoração natalina se faz tanto melhor quando esta é acompanhada de altas cifras nas vendas das lembrancinhas de fim de ano. Nos locais de trabalho é comum que a patronal se aproveite deste sentimento de “conciliação” para depois de arrancar o sangue dos trabalhadores todo o ano, aparecerem neste dia com uma imagem mais humana e que pelo menos neste momento as “tensões entre as classes” não existe e é possível conciliar nossos interesses.

Na “festa” de fim de ano do lugar onde trabalho, assim como em tantos lugares esta lição natalina do capitalismo não faltou na ceia. Depois de um ano árduo de trabalho, vendo vários de nossos companheiros irem para o hospital por dores e doenças e de um ambiente de trabalho em que o assédio moral e o desconto dos dias dos grevistas. Recebemos de presente um dia de confraternização onde não teríamos que fazer nada e não iriamos produzir milhares de refeições como todos os dias. Além disso, se organizou um amigo secreto onde todos trocariam presentes e desejariam tudo de melhor para todos, deixando as desavenças de lado.

Por alguns minutos o sentimento natalino tomou o coração dos trabalhadores. Logo em seguida a esperança foi se frustrando quando fomos entendendo que as condições para festejar seria que fizéssemos isso dentro do nosso local de trabalho, cumprindo rigorosamente o horário de trabalho e, portanto que a nossa festa seria controlada e vigiada pelas chefias e que no amigo secreto não faltaria a presença insubstituível...da chefia.

Para não correr o risco de que a baixa presença estragasse a festa, recebemos das chefias junto com o convite a ameaça de que aqueles que não comparecessem nessa festa tão atraente ou decidissem confraternizar fora dos olhares da chefia teriam seus dias cortados e o salários descontados. Mas a coisa não parou por aí pois, em meio ao silencio funeral da confraternização em meio a uma piada e um comentário e outro começavam a surgir os comentários sobre as dividas a pagar e a falta de grana, parentes que foram demitidos e perguntas do tipo “Como vou comemorar o natal se o governo está acabando com a minha vida?”, “Como posso me divertir sendo vigiado pela chefia como no Big Brother?”, “Como ter um natal feliz com tanta coisa ruim acontecendo no país?”, “Neste natal vou comemorar a noticia de que vou ter que morrer pra poder me aposentar”.

Enquanto isso, na mesa ao lado a lição natalina já estava em curso: o único dia em que os cozinheiros e os auxiliares de cozinha vieram para esta comemoração com a roupa social que guardam pra ocasiões especiais, o poder de mando da chefia surgia sutilmente entre uma risada e outra no pedido quase despretensioso para que a cozinheira no seu único dia de “festa” aproveitasse esse momento para fazer uma comidinha esperta enquanto todos se “divertiam”. No amigo secreto onde teoricamente o presente de todos seria igual, a única a receber um presente “diferente” foi justamente a trabalhadora terceirizada marcando sua posição social mesmo onde os olhares desatentos poderiam achar que estavam entre iguais. Certamente não faltarão exemplos desses generalizados nos locais de trabalho que mostram como mesmo nos momentos onde aparentemente estaríamos fora da realidade de dominação de todos os dias, por todos os poros a realidade de uma sociedade dividida em classes em que uma explora e oprime a outra em todos os espaços de suas vidas se mostra cada vez mais presente.

Entre um desejo de feliz natal e outro aparecem os comentários de que esse ano o natal vai ser pobre, que cada um de nós é um exemplo das estatísticas de inadimplência. Que os anos de crédito e consumo chagaram ao fim e este ano não vai ter viagem nas férias, nem presente para a família e que nos encontros de família vários de nós celebraremos o natal com um integrante das 12 milhões de famílias operárias que estão sofrendo com o desemprego. Que na ceia deste ano a tia professora vai nos dizer que não vai mais se aposentar e a nossa sobrinha certamente vai falar das amizades que fez na ocupação da sua escola.

Em uma sociedade que produz cada vez mais tristeza, sofrimento e privações os desejos de felicidade são cada vez mais inalcançáveis e mesmo com muito chantilly, doces, não conseguem disfarçar a felicidade artificial que o consumo capitalista tenta nos vender. Ainda assim, é possível encontrar momentos de felicidade entre os companheiros de luta e familiares que, apesar de todas as mazelas que nos brinda o capitalismo mantém relações humanas que poderiam ter outro sentido em uma sociedade livre dos limites e dos grilhões que nos aprisionam. Neste Natal e fim de ano, que todos nossos desejos de felicidade sejam atingidos, celebremos então com um brinde: Morte ao capitalismo!!




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