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ARTE E NACIONALISMO | O debate estético no movimento estudantil

Conflitos e contradições políticas permeiam ao longo de décadas a dinâmica da produção cultural no movimento estudantil brasileiro. É a estudantada que, no braço de ferro com reacionários e pedantes acadêmicos, pode fazer da universidade não um feudo, mas o espaço que deve abrigar a participação, a criatividade, os interesses políticos e as inquietações culturais do proletariado. Porém, ainda pairam entre alguns estudantes “de esquerda", sobretudo entre aqueles que babam ovo para o governo Dilma, equívocos políticos que no plano cultural só podem dar numa visão artística inofensiva e cheia de “bons sentimentos heróicos".

quarta-feira 24 de junho de 2015 | 10:29

A crise econômica e os ataques diários que a classe operária sofre conduzem o Brasil na direção do acirramento das lutas sociais. Redução da maioridade penal, racismo, homofobia, controle, obscurantismo religioso e repressão policial são componentes de uma onda reacionária que precisa ser respondida com uma arte violenta, cosmopolita, que não faz concessões à classe dominante. A criação artística contemporânea nada tem a ver com equilíbrio, alianças entre burguesia e proletariado, bairrismo e deslumbramentos nacionalistas. O bom e velho marxismo nos ensina que as tendências mais avançadas da arte revelam uma percepção política de ruptura com a ordem. Mas, ao invés de colocar em debate o leque de referências estéticas revolucionárias, nascidas inclusive das práticas artísticas da juventude trabalhadora, setores do movimento estudantil insistem em cultuar os erros de uma arte “nacional e popular".

Para muitos militantes do PT e do PCdoB, o governo Lula teria rompido com a política cultural dos governos anteriores. Encarando (aparentemente) todos os brasileiros como produtores de cultura, o PT, em sua longa perpetuação no poder, teria inserido o país numa suposta era de ouro das artes, em que prevaleceria o caráter popular das manifestações. Embora o governo do PT tenha destacado aspectos da cultura popular, o que não ocorria anteriormente, isto não deixa de evidenciar noções abstratas de arte e povo: artistas e intelectuais comprometidos com um governo subordinado ao capital e propagador de valores pequeno burgueses no seio da classe trabalhadora (tais valores desmoronam com a crise na economia), não conseguem gerar uma arte de contestação social. Fazer uso da literatura de cordel, do samba, do maracatu, do grafite e das mais diferenciadas expressões artísticas populares, não implica necessariamente em uma prática artística revolucionária. Ainda que artistas populares tomem parte em eventos destinados às questões culturais postas pelo movimento estudantil, forma e conteúdo embasados nos velhos slogans do nacionalismo stalinista, estão longe de contribuir com o debate estético/político.

É recorrente encontrarmos entre artistas e estudantes ligados ao CUCA (Circuito Universitário de Cultura e Arte) da UNE, uma excessiva reverência ao legado do CPC (Centro Popular de Cultura), dos tempos do governo Jango. Embora a admissão da pluralidade artística se faça presente hoje, a noção de “brasilidade" tempera a defesa de uma arte nacional popular muito próxima do CPC. Criado em 1961, o Centro Popular de Cultura estava impregnado de zdanovismo. A crença naquilo que denominava-se “arte popular revolucionária" resultou não apenas em proselitismo mas numa atitude hostil em relação à pesquisa estética. Ao frear a ousadia da forma colocava-se uma coleira no conteúdo, exprimindo a tática do Partidão, que acreditava na delirante aliança entre proletariado e uma suposta “burguesia progressista". De que maneira a arte pode ser revolucionária se as necessidades do artista são abafadas e conduzidas por uma tática política equivocada?

Evidentemente que é preciso estudar o legado do CPC, até para que suas bobagens estéticas sejam superadas pelos militantes dos dias de hoje. Embora muitos dos artistas e intelectuais do CPC tenham trabalhado honestamente por uma visão revolucionária da arte, os erros históricos do Partidão condicionaram esta produção cultural. A referência anacrônica ao CPC, que mesmo nos anos sessenta destoava daquilo que havia de mais avançado na arte do período (que o diga o pessoal do Cinema Novo em suas polêmicas com o CPC), apresenta-se atualmente enquanto paródia: é o uso político da estética nacional popular na defesa do governo do PT. Felizmente a história dos debates estéticos dentro do movimento estudantil possui outras referências. Tais referências passam pela criatividade, pelo humor anárquico e pelo desejo de ruptura com toda e qualquer estética feita de cadeado.

Hoje em dia questiona-se a previsibilidade da arte quadradona dos stalinistas. No âmbito dos cartazes, por exemplo, a inteligência no protesto estético vai muito além daquelas imagens manjadas, em que são recorrentes punhos cerrados e operários fazendo poses “triunfantes". A produção artística dos trabalhadores, que é vital para pensarmos uma política cultural revolucionária, não é sinônimo de nacionalismo esquerdista. Aliás, as manifestações de arte popular não cabem nos limites do folclore: diferentes referências estéticas internacionais mesclam-se hoje com expressões populares. Felizmente, o esquematismo stalinista em suas máscaras nacionalistas está ficando pra trás. Nos últimos tempos, a fonte do Maio de 68 apresenta-se mais fecunda que a fonte do CPC. Quem pode negar a influência das estéticas libertárias de 1968 nos cartazes criados durante as revoltas de junho de 2013? O debate estético estudantil precisa superar de vez o nacionalismo.




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