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TRANSFOBIA | No país do transfeminicídio: por que Jéssica decidiu não ser mais travesti?

Na última sexta-feira, a Polícia Civil divulgou o nome do agressor transfóbico, já foragido da justiça, Fabio Barreto da Silva, de 23 anos. O mesmo é responsável por asfixiar até desmaiar Jéssica, vítima de transfobia, que foi trancada em um quarto em chamas, e teve cerca de 50% de seu corpo queimado.

Virgínia GuitzelTravesti, trabalhadora da educação e estudante da UFABC

segunda-feira 14 de agosto de 2017 | Edição do dia

No momento, com o corpo coberto por ataduras, Jéssica só consegue mexer o braço direito. Ao falar sobre o ataque, suas percepções e medos, que variam de muito ódio mas também culpa e dor, Jéssica alegou não ser mais travesti, que decidiu não mais resistir para manter sua própria personalidade e identidade, que por parte de uma sociedade doente e atrasada a fez vítima de uma barbaridade desta, pelo simples fato de ser o que é.

Para Well Castilhos, fundador do grupo gay Liberdade, com atuação em São Gonçalo, e especialista de gênero e sexualidade pela UERJ, Jéssica está repensando sua identidade justamente após ser vítima de um brutal ataque transfóbico, no qual o indivíduo acaba por se culpabilizar frente a agressão sofrida.

"É natural que a vítima, sob o efeito da violência e do trauma, repense sua identidade por se sentir culpada. Isso pode acontecer não somente com uma pessoa trans em situação de violência, mas com qualquer pessoa. Mas seja qual for sua decisão, ela deve ser apoiada. Tivemos a oportunidade de conhecer a sua mãe e a irmã, que ficaram todo o tempo a seu lado, e temos certeza que estas a apoiarão em todas as suas escolhas", avaliou.

De acordo com as informações levantadas, Jéssica encontrou Fábio para um programa, em Alcântara, São Gonçalo. Uma amiga de Jéssica chegou a recusar o trabalho pelo perfil agressivo de Fábio. Ambos foram ao hotel na madrugada de sexta-feira, em que Fábio deixou o local para comprar bebidas e, após retornar, saiu novamente algum tempo depois, quando outros hóspedes viram as chamas saindo do quarto e pediram socorro. Jéssica estava desacordada, após uma tentativa de asfixia com um lençol.

O caso foi registrado na 74ª DP (Alcantara). A delegada Carla Tavares usou depoimentos das pessoas que viram Fábio, para buscar a identificação do agressor, que até o momento segue foragido.

As matérias jornalisticas que divulgaram o caso, como Globo já tratam Jéssica pelo nome masculino que consta nos registros para reforçar a "destransição" de Jéssica, e assim ajudam a concluir a morte de Jéssica, que seu agressor não foi capaz de concluir.

No país que mais se matam pessoas trans é completamente compreensível que centenas de travestis, mulheres e homens trans deixem de viver sua identidade de gênero para sobreviver, conseguir um emprego, concluir o ensino médio ou minimamente não virar estatística de não passar aos 35 anos. A travesti Luísa Marilac recentemente gravou um vídeo sobre um caso de outra travesti que abandonou seu sonho.

No capitalismo, a repressão sexual e da nossa identidade é tão profunda porque é parte de uma longa cadeia de opressão que começa desde a imposição de gênero ao momento que nascemos, o que é reforçado pela família, depois reforçado pela escola com sua educação hétero e cisnormativa; a prostituição compulsória pela falta de oportunidades de emprego, e todos esses "castigos secretos" que são impostos pelas mais distintas instituições, que revitimizam os casos de transfeminicidio, como é o não-julgamento dos assassinos de Laura Vermont já há dois anos, não apenas significam nossa morte física, mas também da alma. O capitalismo quer que deixemos de ser quem somos, atua para que abandonemos nossa identidade e nossa luta por uma sociedade onde possamos viver plenamente.

Nós do grupo de mulheres Pão e Rosas, nos solidarizamos com Jéssica e fazemos nossas as palavras de Luisa Marilac de que não podemos abrir mão dos nossos sonhos e de quem nós somos. Nós que vamos aos atos exigir justiça para as vítimas de agressão, assédio e transfemínicidio, que em cada universidade, escola e local de trabalho combatemos a LGBTfobia, iremos seguir lutando para que todas as Jéssicas não permitam que o capitalismo nos mate, nos roube o direito de viver e ser quem somos. À Jéssica, e todas as outras pessoas trans, dizemos bem alto: NEM UMA A MENOS!




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