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POESIA | Naufrágil: coluna indisciplinada de arte e política

Edição dedicada a poeta Stela do Patrocínio

Fábio NunesVale do Paraíba

quarta-feira 15 de março de 2017 | Edição do dia

Através do artigo de Ricardo Domeneck (revista "Modo de Usar & Co") sobre a antologia "Poesia (Im)Popular Brasileira", lançada em 2013 pela editora Lamparina, tive a feliz oportunidade de conhecer o nome da poeta Stela do Patrocínio (1941-1997), uma mulher negra e pobre que passou a maior parte da sua vida internada num hospital psiquiátrico do Rio de Janeiro. Naufrágil desta semana é dedicada a esta grande artista praticamente desconhecida do grande público.

Stela do Patrocínio nasceu em 1941, no Rio de Janeiro. Negra, filha de empregada doméstica, também trabalhou nas casas das famílias abastadas da capital carioca. Aos 21 anos deu entrada no Centro Psiquiátrico Pedro II. Foi diagnosticada esquizofrênica. Em 1966 foi transferida para a Colônia Psiquiátrica Juliano Moreira, onde permaneceu até a sua morte em 1997. Zilda Xavier, mãe de Stela, também foi paciente na mesma instituição.

Stela era uma "faladora" de poesia. Algumas de suas falas poéticas foram gravadas em fitas K7 por Neli Gutmacher, artista plástica convidada a montar um ateliê na Colônia Juliano Moreira entre os anos de 1986 e 1988, período da Reforma Psiquiátrica no Brasil. A filósofa e escritora Viviane Mosé transcreveu estas falas e organizou no livro "Reino dos bichos e dos animais - Stela do Patrocínio" (2002), lançado pela Azougue Editorial.

30 anos internada numa instituição psiquiátrica, Stela passou por todo tipo de violência e humilhação (medicação abusiva, castigos, eletrochoques etc). Apesar do êxito do livro organizado por Mosé, das antologias, artigos, espetáculos e peças teatrais produzidas a partir do "falatório" da poeta, trata-se de um nome marginalizado pelos grandes meios de comunicação e Universidades. Assim como outras artistas negras e pobres, Stela do Patrocínio não figura nas listas dos mais mais da literatura.

Recolhi cinco poemas desta voz enclausurada e liberta:

Nasci louca
Meus pais queriam que eu fosse louca
Os normais tinham inveja de mim
Que era louca

— -

Eu já fui operada várias vezes
Fiz várias operações
Sou toda operada
Operei o cérebro, principalmente
Eu pensei que ia acusar
Se eu tenho alguma coisa no cérebro
Não, acusou que eu tenho cérebro
Um aparelho que pensa bem pensado
Que pensa positivo
E que é ligado a outro que não pensa
Que não é capaz de pensar e nem trabalhar
Eles arrancaram o que está pensando
E o que está sem pensar
E foram examinar esse aparelho de pensar e não pensar
Ligados um ao outro na minha cabeça, no meu cérebro
Estudar fora da cabeça
Funcionar em cima da mesa
Eles estudando fora da minha cabeça
Eu já estou nesse ponto de estudo, de categoria

— -

Meu nome verdadeiro é caixão enterro
Cemitério defunto cadáver
Esqueleto humano asilo de velhos
Hospital de tudo quanto é doença
Hospício
Mundo dos bichos e dos animais
Os animais: dinossauro camelo onça
Tigre leão dinossauro
Macacos girafas tartarugas
Reino dos bichos e dos animais é o meu nome
Jardim Zoológico Quinta da Boa Vista
Quinta da Boa Vista

— -

Não sou eu que gosto de nascer
Eles é que me botam para nascer todo dia
E sempre que eu morro me ressuscitam
Me encarnam me desencarnam me reencarnam
Me formam em menos de um segundo
Se eu sumir desaparecer eles me procuram onde eu estiver
Pra estar olhando pro gás pras paredes pro teto
Ou pra cabeça deles e pro corpo deles

— -

Eu não sei o que fazer da minha vida
Por isso eu estou triste
E fico vendo tudo em cima da minha cabeça
Em cima do meu corpo
Toda hora me procurando me procurando
E eu já carregada de relação sexual
Já fodida
Botando o mundo inteiro pra gozar e sem gozo nenhum


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Poesia    Cultura



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