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OPINIÃO | Narcotráfico, dominação imperialista e militarização

sábado 16 de maio de 2015 | 00:01

Os acontecimentos recentes em Guadalajara junto com a recente visita do presidente da Colômbia, Rafael Santos, ao México, trouxeram à pauta a discussão sobre o narcotráfico e a militarização no país, sobre o que nos referiremos nesta coluna.

Um dos objetivos da visita foi a assinatura de três acordos para “fortalecer a luta contra o narcotráfico”, incluindo acordos de extradição, assistência jurídica e colaboração na implementação de técnicas especiais de investigação, quando o presidente colombiano expôs que pretendem “aumentar nossa capacidade para atuar com maior eficácia e transparência contra o crime internacional”.

Não é casual esta reunião e os acordos subscritos entre os presidentes do México e da Colômbia concernente à luta contra “o crime internacional”. Os governos dos dois países, durante as décadas passadas, mostraram um extremo disciplinamento aos planos de Washington no subcontinente latino-americano, e são os principais aliados regionais a essas diretrizes no terreno diplomático, militar e político, dentro do que destaca-se a chamada “luta global” contra o narcotráfico.

Nesses países, sob o pretexto da luta contra o narcotráfico se buscou fortalecer o estado e, em particular, as respectivas forças armadas para ações disciplinadoras e repressivas contra os trabalhadores e os setores populares. No México, que cumpre o papel de pátio traseiro dos Estados Unidos, isso foi denunciado por muitas organizações sociais e personalidades democráticas como uma escalada da militarização do país, particularmente no mandato de Felipe Calderón (2006-2012) e neste governo de Enrique Peña Nieto.

Nesse sentido, por trás do véu da luta contra o narcotráfico e da confrontação entre o aparato do estado e os diversos cartéis atuantes, e diante dos elementos que expressam tendências à decomposição estatal e à mais absoluta degradação do capitalismo contemporâneo, aparecem claramente delineadas duas questões fundamentais: a subordinação à política do imperialismo estadunidense e o objetivo de disciplinar o movimento de massas.

A subordinação política, militar e diplomática aos EUA

Como propõe um artigo de Jimena Vergara publicado na revista Armas de la Crítica “a absoluta subordinação do México ao vizinho do norte em matéria econômica, política e de segurança, que iniciou seu ciclo recolonizador em meados dos anos 1990 com a entrada em vigor do Tratado de Livre Comércio, tem gerado um caldo de cultivo propício para os monstruosos fenômenos sociais que afligem o país…”

Aqui queremos nos referir que na política levada adiante pelos governos mexicanos diante da questão do narcotráfico, se evidencia a subordinação ao imperialismo estadunidense que ultrapassa o terreno econômico e alcança o militar e diplomático, e que no caso do nosso país – como na Colômbia – assume o lugar de bispo[1] dos EUA na região.

A militarização da luta contra o narcotráfico iniciou-se no final dos anos 1970 – por exemplo, com a queima de plantios durante a Operação Condor – e recrudesceu nos últimos doze anos em obediência aos mandatos de Washington que determinou o tráfico de drogas como um dos grandes “inimigos públicos” e aprofundou a política de proibição implementada durante o século XX.

Esta subordinação se comprovou na ingerência das diversas agências se segurança estadunidenses mediante o uso das extradições para prender ou firmar pactos com os narcotraficantes. Nesse mesmo sentido foi a Iniciativa Mérida, que estabeleceu as diretrizes para a “luta contra as drogas” e liberou 1,2 bilhão de dólares para o México equipar suas forças de segurança.

A ação do governo dos Estados Unidos se alastra também nos vínculos das agências estadunidenses com o “crime organizado”. Segundo documento de Anabel Hernández em seu livro “Los Señores del Narco”, durante os anos 1980 o narcotráfico colombiano e mexicano foram a via para fazer chegar recursos aos contra da Nicarágua depois dos escândalos da chamada conexão Irã-contras.

Milionárias “doações” eram entregues aos que lutavam contra o governo sandinista em troca de facilidades para a entrada de cocaína, heroína e maconha no território estadunidense. Assim se deu a ascensão de narcos colombianos como Pablo Escobar Gaviria e o conhecido “Cartel de Guadalajara”, liderado por Ernesto Fonseca Carrillo e Miguel Ángel Félix Gallardo, que atuavam como intermediários dos sul-americanos. Existia, acima do discurso dos EUA, uma peculiar associação econômica com os senhores do narcotráfico. É indubitável que a política proibicionista favoreceu – como fez em seu momento a Lei Seca em relação à máfia – o desenvolvimento dos “cartéis” e sua penetração no território estadunidense.

Diante do poder crescente dos cartéis mexicanos – que foram substituindo os colombianos –, Washington buscou fixar as “regras do jogo”. No calor da maior integração econômica – expressa tanto na economia legal como na ilegal – a militarização imposta pelos EUA almejava disciplinar as diversas facções e manter deste lado da fronteira a instabilidade gerada por suas disputas internas. O México se converteu numa faixa de exclusão, um “campo minado” para a população que sofreu as terríveis consequências.

Militarização e “guerra contra o narcotráfico”

Em outros artigos explicamos que a militarização tinha diversos objetivos. Por um lado, é a forma do estado participar na sangrenta guerra entre cartéis e responder ao fato de que os militares e políticos envolvidos com determinadas facções de narcotraficantes sofram os ataques das facções contrárias como consequência da crescente associação com tal ou qual facção.

É também uma forma de disciplinar e limitar o descontrole de sangue e fogo imposto pelos narcotraficantes que, como resultado de seu caráter lúmpen e delinquente, respondem a cada agressão de seus adversários e à própria ação do estado. Assim, também, como denunciam vários jornalistas e pesquisadores, a ação militar não apenas pretende disciplinar, mas até mesmo favorecer um cartel contra o outro.

Ao lado disso, a militarização tem um objetivo claro em relação ao movimento de massas: atemorizar os trabalhadores e o povo, cercear as liberdades democráticas mais elementares – gerando em regiões inteiras um verdadeiro estado de sítio – e preparar as condições para a perseguição, isolamento e assassinato de lutadores sociais e de direitos humanos, assim como os femicídios e extermínio de jovens.

O caso mais claro e recente disso está em Guerrero, onde, por trás do desaparecimento e da ação do exército e da política contra os estudantes normalistas, se vê o conluio entre o estado e os grupos de narcotraficantes.

A militarização é totalmente funcional para garantir a exploração, opressão e miséria das massas mexicanas. Diante disso, o surgimento de um amplo e profundo movimento nacional e internacional exigindo o aparecimento dos 43 estudantes, concentrando, dessa forma, a defesa das centenas de milhares de mortos e desaparecidos, significou uma importante mudança no México.

Nessa situação está em pauta retomar o caminho da mobilização e da luta para garantir o aparecimento dos nossos companheiros e dar um basta à militarização, enfrentando a ação tanto do estado como das facções do narcotráfico. Nesse caminho, a luta contra a dominação imperialista e os governos servis na região é uma tarefa inadiável.

Nas próximas colunas de opinião, desenvolveremos outros aspectos deste fenômeno econômico e social e a perspectiva do marxismo diante do mesmo.

Tradução: Val Lisboa.

[1] Utiliza a figura do bispo no jogo de xadrez, pois esta peça vale mais que os peões (3 vezes), porém tem movimentos reduzidos e só pode ocupar o lugar de outra peça adversária, ficando subordinado no jogo e até podendo ser sacrificado.




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