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CINEMA E REVOLUÇÃO | Não existe Revolução sem cinema

É surpreendente a competência opressora do imperialismo norte americano: em mais uma edição da entrega do Oscar, deve ter dado pra ouvir de lá das bandas do império as palmas que os países capitalistas pobres dedicaram ao cinema de Hollywood.

quarta-feira 2 de março de 2016 | 00:00

O recheio imagético hollywoodiano tem um efeito ideológico devastador. Assistimos populações que internalizam através do cinema os sofisticados processos de alienação da cultura dominante e defendem como lobos as esmolas ideológicas presentes nos enlatados norte americanos. Esta não pode ser a experiência cinematográfica almejada por militantes de esquerda. Aliás, do ponto de vista da esquerda, o conhecimento cinematográfico não é deleite, mas parte da própria ação política. Dialeticamente podemos inclusive afirmar que fora das formas de raciocínio visual do cinema a Revolução não decola totalmente.

Cabe ao militante político organizar um olhar revolucionário sobre aquilo que se passa, por exemplo, numa greve: com a câmera em punho o trabalhador filma o fato para posteriormente realizar no processo de edição uma montagem que condiz com as necessidades políticas de sua classe, e não com o discurso audiovisual reacionário que criminaliza grevistas. Mas para que o trabalhador consiga aproveitar a arma audiovisual ele precisa se aprofundar tanto em política quanto em estética. Isto porque as arapucas da classe dominante não estão apenas no conteúdo daquilo que é filmado, mas na sua forma e circulação.

Hoje no nosso país são incontáveis os exemplos de curtas e documentários que registram as lutas dos trabalhadores e dos mais variados movimentos sociais. Entretanto, é recorrente encontrarmos em vários registros um convencionalismo estético que reproduz as estruturas de linguagem do cinemão. Ou seja, como filmar uma greve, tratar do racismo, da homofobia, da violência contra a mulher, da memória dos grupos sociais marginalizados, se a estética beira o naturalismo e carrega os vícios da indústria cultural? O cinema militante precisa ser pensado constantemente, guardando distância das relações alienantes que a classe média estabelece com o audiovisual.

No imaginário da pequena burguesia a palavra cinema é um momento de relaxamento, de entretenimento, aquelas 2 h que servem para levar o cérebro engomadinho para passear de coleira. Mas o contraponto da militância de esquerda não seria apenas a análise marxista deste processo de alienação. Tão pouco o registro audiovisual revolucionário é a adoção de uma narrativa novelesca com um conteúdo progressista. É preciso compreender o cinema como instrumento de luta: o “ser visual“ ou a pesquisa fílmica da realidade gera impactos na consciência numa velocidade que muitas vezes ultrapassa o campo verbal. Não se trata de opor a palavra escrita à imagem filmada, mas constatar que diante do fato da cultura visual se antecipar muitas vezes em relação à cultura letrada, é preciso que a palavra revolucionária se sirva também dos procedimentos estéticos do audiovisual. Já que o romance e o poema, o artigo e o ensaio filosófico, são componentes indispensáveis para a formação de uma consciência revolucionária, o filme não pode ficar atrás.

A libertação do cinema está intimamente ligada à libertação da classe trabalhadora. Estimular e difundir cinematografias que fogem da lógica hollywoodiana ainda é parte da agenda política: precisamos fazer circular filmes que expressam de modo inventivo as realidades econômicas e culturais dos povos oprimidos. Devemos priorizar as obras que mancham com brutalidade poética as imagens da moral burguesa. Longe de propor um oásis cinematográfico ou uma ilha para iniciados, as atividades cinematográficas revolucionárias são geradoras de ferramentas que auxiliam na leitura crítica do mundo. Sendo assim o conhecimento cinematográfico é indispensável para que o trabalhador pense a realidade política. A câmera e o estudo do cinema consistem num arsenal que permite ao proletariado compreender que as informações, os fatos que chegam até nós pela grande mídia (fictícios ou não), partem da montagem: esta montagem é inevitavelmente condicionada pela ideologia política.

Existe uma grande novidade nos protestos sociais e na militância política dos últimos anos: a câmera digital registra o ponto de vista de quem luta. Entretanto, o avanço de todo este processo audiovisual depende do estudo do cinema revolucionário do século passado. Deixemos o Oscar para os colonizados. Para os militantes, tão importante quanto ler Lênin, é assistir Eisenstein.


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Cinema    Cultura



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