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"Não é só na sala de aula que se faz ciência. Eu falo pra eles que se não tivesse a gente aqui, não teria universidade."

Esse texto é um pequeno relato de uma trabalhadora da USP que saiu do Recife para São Paulo há mais de quarenta anos. Como muitas mulheres, seu primeiro emprego na capital mais rica do Brasil foi como trabalhadora terceirizada da limpeza. Conheceu todo o campus da USP limpando os corredores e salas de aula. Hoje trabalha como auxiliar de cozinha no restaurante universitário.

sexta-feira 2 de abril de 2021 | Edição do dia

"Eu vim lá do Recife. Minha primeira visão do que era São Paulo foi a USP. São mais de quarenta anos nessa universidade. Já limpei a antiga reitoria, trabalhei na Poli, na FEA. Já vivi muita coisa aqui.

Faz 30 anos que eu trabalho no bandejão. Por lá passaram milhares de estudantes, conheci muita gente que até hoje me manda mensagem.

Eu falo pra eles que se não tivesse a gente aqui, servindo a comida, limpado a USP, se não tivesse trabalhador, não teria universidade. Não é só na sala de aula que se faz ciência. Eu fico aqui pensando que se não tivesse nós, trabalhador, como teria essas teses todas? Tem tese sobre racismo, a gente aqui sobre com racismo e luta contra ele. Tem tese sobre lesões de trabalho, a gente tem um monte de cicatriz de lesão de trabalho. Tem tese sobre valor nutricional, conservação de alimentos, tudo isso a gente vê aqui.

Mas também a gente pensa sobre tudo. Porque o que se estuda nós laboratórios da USP é pra fazer sentido pro mundo. E a gente não só tá aqui pra servir, a gente tá aqui pra mostrar como a ciência é importante e tá na nossa vida toda.

Uma lição que eu acho que os trabalhadores mais ensinam nessa USP é como lutar. Lutar pra defender os direitos dos trabalhadores. Isso também é conhecimento.

A gente sabe que uma boa parte dos estudantes vai ser trabalhador, não vai ser patrão. E eles precisam saber lutar pelos seus direitos. A gente trabalha pra ter o que comer, porque no capitalismo, sem dinheiro você não come, não vive. A gente não é rico que não trabalha e tem de tudo do bom e do melhor.

A gente produz tudo nesse mundo, mas se a gente não vai todo dia ser explorado pelo patrão, a gente não tem o que comer. Como pode isso? Por isso a gente luta contra a exploração do trabalhador.

A gente também sabe a importância da educação e da universidade. Em todas as lutas que eu participei, a gente sempre falou que tinha que defender a universidade. Eu sei de muito gente que trabalha aqui que não teve o direito de ver seus filhos estudarem na universidade. Então pra mim, defender a universidade é lutar pra que todo filho de trabalhador possa estudar, que não tenha o vestibular que só serve pra tirar o direito dos mais pobres.

Eu sei que as pesquisas aqui dão muito dinheiro. Aqui um monte de marca de esporte vem aqui comprar pesquisa pra fazer esses equipamentos de esportista. Mas, por que não estudam o tipo de trabalho aqui, que adoece a gente? Será que toda essa tecnologia pra um tênis não serviria pra melhorar a vida dos trabalhadores? Então a gente luta por uma universidade a serviço dos trabalhadores e não dos empresários. Isso que eu conversei com uma estudante que ficou minha amiga, que passava sempre no bandejão pra gente conversar.

Por isso tudo que eu acho que o trabalhador tem que lutar junto com essa juventude cheia de vida e cheia de revolta. Por isso que pra mim estar na rua lutando é a maior lição e a maior alegria.

A pandemia mostrou que é a gente, trabalhador, que faz tudo funcionar. Então, não tem ciência sem que a gente possa por em prática todo esse conhecimento.

Eu não escrevo bem, mas eu penso muito e gosto de falar. Então escreve aí: nós trabalhadores temos que nos unir pra fazer a revolução!"

Texto baseado em relatos e conversas com Vilma Maria, trabalhadora do bandejão da USP e militante do grupo de mulheres Pão e Rosas.




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