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Evasão escolar | Na pandemia, aumenta o número de alunas que trocam os estudos pelo trabalho doméstico

Na Pandemia os índices de evasão escolar aumentaram consideravelmente. As principais causas estão associadas à necessidade dos jovens de buscarem trabalhos formais ou informais para ajudar a sustentar a si e suas famílias. Nesse artigo queremos debater o trabalho doméstico, que tem presença majoritariamente feminina. Crianças e adolescentes são obrigadas a trocar os bancos da escolas pelo cuidado com o lar e com a família, a própria ou dos outros.

Tatiana CardosoProfessora da rede municipal e estadual de São Paulo e militante do Movimento Nossa Classe Educação

domingo 18 de abril de 2021 | Edição do dia

Imagem: Organização Internacional do Trabalho

Essa semana a Câmara Federal colocou em regime de urgência a votação de um PL (PL 5595/20) que incluiu a Educação como atividade essencial, ou seja, a escola de educação básica e superior pública ou privada não poderá ter suas aulas presenciais suspensas mesmo com o agravamento da Pandemia no Brasil.

Leia mais em: Projeto de Lei na Câmara quer proibir suspensão de aulas presenciais na pandemia

A Educação para àqueles que lutam por ela há décadas sempre foi um serviço essencial. Profissionais da Educação, trabalhadores terceirizados, contratados sabem a importância que a escola tem para as famílias das comunidades escolares periféricas, pois a escola para elas cumpre um papel social que o Estado não oferece. A reflexão sobre esse PL que nós não podemos deixar passar é: na Pandemia, qual é o papel das escolas para o combate direto contra o coronavírus? Se comparada à atuação dos profissionais da saúde, o que a insistência na reabertura das escolas pelos governantes pode ajudar? O que fica evidente é que o retorno das aulas vai provocar aumento de circulação nas cidades e promover maior contaminação entre as pessoas e ampliar a exclusão de centenas de milhares de alunos que não tem condições de ir presencialmente para as aulas, muito menos de acompanhar as atividades nas plataformas digitais.

A Educação nem sempre foi para todos, a exclusão escolar era muito mais acentuada do que acontece atualmente. Para os trabalhadores por exemplo, o acesso à escola é muito recente, para as mulheres trabalhadoras esse direito foi conquistado às custas de muita luta e resistência e é ainda mais recente na história da Educação Brasileira. Apesar do discurso afiado de que a escola hoje garante o acesso universal e de qualidade para todos, na prática, o acesso ainda é muito restrito. As Secretarias da Educação dos municípios e estados não aplicam medidas favoráveis à permanência de estudantes adolescentes que precisam começar a trabalhar para ajudar a família, seja em trabalhos formais ou informais. Na pandemia esse quadro foi ainda mais agravado com o aumento do desemprego e inflação e também pela ausência e insuficiência de medidas de combate a esse quadro. Como o auxílio emergencial insuficiente e temporário de Bolsonaro, que acabou de ser reeditado de forma ainda mais miserável. Ou o próprio auxílio-merenda de R$ 55,00 de Doria, por família, insuficiente para compensar a falta de alimentação nas escolas, sem contar que ele ainda demitiu centenas de terceirizadas das escolas, mães de alunas e alunos, no início da pandemia.

Dentre os trabalhos informais queremos debater com vocês o trabalho doméstico. Que tem presença majoritariamente feminina – crianças e adolescentes são obrigadas por vários motivos sociais e econômicos a trocar os bancos da escolas pelo cuidado com o lar e com a família, a própria ou de outros. Na Pandemia os índices de evasão escolar aumentaram consideravelmente, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) “Quase um quarto dos jovens de 15 a 17 anos estava na escola fora da etapa adequada no país, ou seja, não cursavam o ensino médio. O atraso escolar era quatro vezes maior entre os 20% da população com menores rendimentos domiciliares (33,6%) em comparação com os que faziam parte dos 20% com os maiores rendimentos (8,6%). A taxa ajustada de frequência líquida, que mostra adequação entre o nível de ensino e a idade do aluno, era de 69,3%, passando de 54,6% entre os jovens das famílias mais pobres a 89,9% entre os mais ricos.

Entre as famílias das estudantes pretas e pardas, o motivo para o abandono escolar está ligado às necessidades econômicas e sociais. As meninas e adolescentes precisam trabalhar para ajudar na renda familiar, ajudar com o trabalho doméstico e com o cuidado dos seus filhos nos casos de gestação precoce. Milhares de mulheres são chefes de família, são mães solo, não tem o apoio de seus parceiros, muito menos das instituições públicas que deveriam zelar pelo bem-estar social das famílias vulneráveis. Recentemente o site El País publicou um relato da rotina de uma jovem de 20 anos, Stephany Rejani, que abandonou a escola para trabalhar em casa. Quantas “Stephanys” nós educadoras e educadores já nos deparamos em nossas escolas?

Cabe a elas o trabalho doméstico perpetuado ao longo da história do país, desde o período da colonização, que tem sua origem no trabalho escravo doméstico na casa grande. O trabalho doméstico feminino também persistiu ao longo do tempo por conta dos impactos que a sociedade brasileira machista provocou na força de trabalho das mulheres. Um trabalho ao mesmo tempo essencial, pois é ele que mantêm os homens trabalhadores com condições de seguir seu ritmo de trabalho, e invisível, desprestigiado pela sociedade capitalista e naturalizado como função exclusivamente feminina, roubando as possibilidades dessas mulheres de exercerem os trabalhos que tem potencial de cumprir, seja social ou academicamente. Por meio do machismo o capitalismo usa o trabalho doméstico feminino para garantir a permanência de seus trabalhadores no local de trabalho, contando com os cuidados domésticos que eles têm de suas companheiras.

Você pode ler mais sobre o assunto no artigo: Economia política doméstica

Na Pandemia, as meninas e adolescentes ficaram também responsáveis pelos cuidados com os familiares contaminados pela Covid-19, se expondo ao vírus. São inúmeros os relatos de professores que souberam desses casos por meio das justificativas do abandono escolar das alunas desde o início da crise sanitária no Brasil.

Independente dos progressos conquistados pelas lutas e sacrifícios de tantas mulheres e pelas conquistas do movimento feminista ao longo da história, quando a sociedade passa por alguma crise seja ela econômica, social, sanitária, militar e etc., as mulheres são as que recebem os primeiros impactos. São elas as primeiras demitidas nos seus postos de trabalho, são elas que ficam desprovidas de qualquer auxílio para manter sua segurança alimentar e precisam expor sua vida para manter sua família de pé, ocupando os postos de trabalho mais precarizados se arriscando cotidianamente, se expondo ao coronavírus (como acontece agora) para ajudar na renda familiar, no trabalho doméstico e cuidados de seus entes queridos contaminados. É preciso implementar lavanderias, restaurantes e creches públicas para dar à mulher liberdade do trabalho doméstico opressivo e possibilitar uma vida além da casa, garantir formação acadêmica para conquistar postos de trabalho formais, mais seguros, de chefia de liderança, lutar por igualdade salarial entre homens e mulheres para que o trabalho da mulher saia da clandestinidade dos trabalhos mais precarizados e desvalorizados e ocupe o espaço de destaque merecido em sociedade.

São elas que precisam abandonar a escola para ajudar em casa. Não importa se há ou não uma PL que impede a suspensão das aulas presenciais, a evasão das estudantes pretas e pardas mais vulneráveis vão persistir e aumentar enquanto não houver políticas públicas sérias para dar condições materiais dessas estudantes permanecerem na escola.

É indispensável garantir o acesso com chips, tablet, internet disponibilizados pelos governos, manter um auxílio emergencial de pelo menos um salário mínimo, que garanta a segurança alimentar da família e o pagamento das contas essenciais (aluguel, água, luz) dessa forma as meninas e adolescentes poderão continuar seus estudos porque suas famílias estarão resguardadas, inclusive com o direito à quarentena que é negada desde o início da Pandemia.

Portanto, não se engane pensando que as mulheres são o elo mais fraco desse sistema capitalista e machista de exploração e opressão, exatamente por serem constantemente atacadas em todos os ambientes sociais pelos quais percorrem, elas conhecem na realidade, na pele quais são os obstáculos que as impedem de ter uma vida justa e digna. A luta das mulheres abrirá caminho para a luta de classes onde as trabalhadoras e trabalhadores conquistarão o poder para assim construir um mundo sem exploração e opressão. Milhares de jovens mulheres como Stephany Rejani terão assegurados a vida digna e justa que reivindicam!




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