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Na Grande BH, Precarização do Trabalho de Professores do Ensino Superior Privado Avança em Alta Velocidade

Com velocidade comparável às conexões de internet por fibra ótica, docentes de Instituições de Ensino Superior (IES) privadas na grande Belo Horizonte vivem neste mês de julho de 2020 momentos de terrível angústia. Mais uma faceta da lógica de subjugação do trabalho ao capital, o que testemunhamos é o uso pedagógico de tecnologias convertido em pretexto para ataques violentos aos trabalhadores da educação de nível superior por parte do empresariado do setor.

sexta-feira 10 de julho de 2020 | Edição do dia

Durante bastante tempo as tecnologias da informação e da comunicação inspiravam apenas grandes esperanças para muitos educadores. Mas a realidade de nosso momento histórico persiste na demonstração de que da sociabilidade imposta pelo sistema capitalista não nasceu nem nascerá “admirável mundo novo”.

A suspensão de aulas presenciais em todos os níveis de educação foi uma resposta indispensável à elevada periculosidade de contágio em ambientes como salas de aula, onde por definição aglomeram-se pessoas. Especialmente as instituições de ensino privadas, ameaçadas com a queda do pagamento de mensalidades, foram céleres em mover o ensino para a modalidade de Educação à Distância (EaD).

Essa transição de modalidade provavelmente colocou a(o)s professora(e)s que não adoeceram com o Coronavírus entre as principais vítimas de adoecimento no trabalho relacionado à evolução da pandemia. Profissionais que jamais tiveram preparação para a EaD, assim como aqueles preparados, mas que não percebem tal modalidade como aquela através da qual têm seu melhor desempenho, se viram obrigados a adotá-la. São inúmeros e contundentes os relatos de estresse, de multiplicação de horas trabalhadas com redução de remuneração e também a quase anulação dos tempos de descanso. A essa dolorosa realidade, se soma a já longeva sub-valorização simbólica da profissão de educador.

Mas para os docentes de grande parte da IES privadas de Belo Horizonte, esse quadro por si só hostil tem sido severamente agravado pela ganância e pelo oportunismo perverso dos capitalistas do segmento.

Com a EaD, abre-se a possibilidade, antes restrita por infraestrutura e espaço físico, de turmas virtuais que chegam a ter centenas de estudantes matriculados. O brutal aumento de trabalho real do professor nessa modalidade pode ser acoplado à manutenção de remuneração atrelada à carga horária semanal equivalente à disciplina na modalidade presencial. Ou seja, uma professora trabalha incontáveis horas na regência de uma única turma, por exemplo, mas recebe por aquele trabalho o valor estipulado para dois encontros semanais com a turma.

Mas a faceta mais cruel dessa situação é que as superlotadas turmas virtuais (superlotação que pode facilmente ser ocultada dos estudantes, pela configuração de subgrupos) permite a dispensa de parte cada vez maior do corpo docente, tal como já denunciado. Esse fator exerce violentíssima pressão psicológica sobre a(o)s professores, a quem é colocada tácita ou explicitamente a opção de aceitar as condições de exploração ou a perda de sua posição de trabalho. E obviamente, sob tais condições de violência psicológica, estreitam-se as vias de solidariedade e união tática classista dessa(e)s trabalhadora(e)s, uma vez que pode estar sendo imposta a cada um deles uma feroz competição com seus colegas para permanecer empregado. Ambientes de trabalho de alta competitividade e, consequentemente, baixa solidariedade oferecem a patrões uma estratégia frequentemente eficaz para a manipulação e abafamento de ações advindas da consciência de classe dos trabalhadores.

Os relatos dos últimos dias são tenebrosos. A escala das demissões, motivadas pela transição das IES privadas à EaD, tem alcançado as centenas. São narrativas chocantes de professoras e professores desesperados, temerosos com o futuro próximo de suas famílias. Há relatos de docentes em cargos de coordenação pedagógica que passam subitamente a ter suas responsabilidades quintuplicadas, sem qualquer menção a aumento salarial correspondente, por causa da demissão de colegas que ocupavam cargos semelhantes.

Dos trabalhadores em educação submetidos a essas condições costuma ser cinicamente exigido a expressão de discursos motivacionais com tons de entusiasmo, em verdadeiras pantomimas macabras para ocultar dos estudantes a deterioração do trabalho pedagógico a que se encontram expostos. É certamente uma ilusão altamente ingênua, caso não seja explicitamente pervertida, acreditar que os estudantes de cursos cujos docentes encontram-se submetidos a essas circunstâncias estejam recebendo uma educação minimamente comparável ao que receberiam em circunstâncias muitíssimo diferentes. O desgaste físico e emocional, a consciência inevitável da exploração de seu trabalho e a ameaça constante de perda da fonte de sua sobrevivência só podem resultar em professora(e)s acuada(o)s, que dificilmente farão exercício pleno de suas capacidades pedagógicas ou, especialmente no caso do ensino superior, tampouco exercício pleno de sua capacitação intelectual.

Seria incorreto atribuir às tecnologias a causa última da deterioração das condições do trabalho docente. Propostas de apoio tecnológico ao ensino foram comumente pensadas à luz de intenções legítimas de ampliação de oportunidades de aprendizagem. Mas, infelizmente, a sabedoria popular nos ensina algo sobre boas intenções. E esse ensinamento é ainda mais verdadeiro se não nos esquecermos de que para os capitalistas não podem existir limites para o aumento de seus lucros. Os gestores de grande parte das IES privadas parecem usar a atual crise sanitária para mostrar-se, sem qualquer dissimulação, como capitalistas da educação ávidos para espoliar mais-valor de docentes, estes últimos trabalhadores que comungam com a totalidade da classe trabalhadora o fato de serem coagidos, em um tipo de sociedade no qual tudo é reduzido a mercadoria e ao lucro, a vender sua força de trabalho ao menor preço possível.

Ricardo de Souza é professor da Faculdade de Letras da UFMG




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