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DEBATE NA ESQUERDA | Mudar o governo, preservando o regime pós-golpe? Debate com o PSTU

Vivemos num Brasil um problema de regime político, não apenas de governo. Acaso podemos crer que, no melhor dos casos, mudando de presidente e elegendo mais deputados, se retrocederá na reforma da previdência, na reforma trabalhista e nas privatizações?

André Barbieri São Paulo | @AcierAndy

segunda-feira 11 de maio de 2020 | Edição do dia

Nesse artigo, abrimos um diálogo com os companheiros do PSTU, do Bloco de Esquerda do PSOL e todas as organizações que se reivindicam revolucionárias, sobre a necessidade de levantarmos em comum uma resposta para a crise nacional: uma Assembleia Constituinte Livre e Soberana, uma bandeira democrática que questione não apenas o governo Bolsonaro, mas todo o regime burguês pós-golpe.

Essa proposta política se baseia no importante acordo entre nós sobre a consigna “Fora Bolsonaro e Mourão”, um ponto em comum fundamental, sobre o qual chamamos a conformar uma Coordenação com o objetivo de erguer um pólo da esquerda classista e independente.

Como mostraram os companheiros do Contrapoder ("Plataforma de debates impulsionado por setores do Bloco de Esquerda Radical do PSOL"), que replicaram em seu site a matéria em que tratamos de dialogar sobre uma nova Constituinte, esse debate merece ser feito com toda a esquerda. O PSTU, em seu último editorial, defende que “devemos lutar para botar para fora já Bolsonaro e Mourão e defender eleições gerais”. Ademais, dizem que estão “a favor de fazer unidade de ação na luta com quem quer que seja para derrubar Bolsonaro", dando a entender que essa "unidade de ação anti-Bolsonaro” poderia englobar Maia, Dias Toffoli, sem que sejamos "apêndice" desses agentes do regime pós-golpe.

Adiantamos ao PSTU que é impossível lutar contra Bolsonaro e Mourão lado a lado com os responsáveis pela deriva autoritária no Brasil. Uma ilusão ainda maior considerar possível manter qualquer vestígio de independência de classe junto a forças que buscam permanentemente converter os trabalhadores em apêndices de sua política. A ambigüidade da fórmula "unidade com quem quer que seja", em nome de combater Bolsonaro, deixa abertura para uma espécie de "frente ampla anti-Bolsonaro" em que caberiam setores da burguesia que se opõem ao Executivo federal. Algo que passa bem longe da necessária unidade dos trabalahdores e setores oprimidos por objetivos práticos de ação na luta de classes, que oponha o conjunto da classe trabalhadora contra os ataques dos capitalistas (a tática da Frente Única Operária, constante no arsenal da III Internacional dirigida por Lenin e Trotski). 

Ao PSTU vale lembrar que o PT também busca uma aliança com Maia, FHC e STF, nesse caso para derrubar Bolsonaro e colocar Mourão em seu lugar. Sabe que com isso preserva as instituições escravistas desse regime, do qual o PT faz parte, que fizeram a reforma da previdência, a reforma trabalhista e as privatizações.

Bolsonaro não caiu do céu. Foi uma construção de todos os golpistas, como Maia e Toffoli, que hoje se apresentam como alternativas a ele. Todos os partidos burgueses, todas as instituições do regime são responsáveis pela situação catastrófica em que estamos.

Não se trata de um problema de governo, e sim de regime. Desde 2016, e sem interrupção de lá para cá, o que veio se formando é um regime monstruosamente autoritário e fraudulento, com o objetivo de descarregar agressivamente sobre a população os custos da crise. Esse regime político merece o ódio de todo aquele que se considera de esquerda.

Isso nos leva ao debate sobre o equívoco da consigna de “eleições gerais”, que levanta o PSTU. Considerar que “eleições gerais”, dentro dessa estrutura pós-golpe, seriam capazes de reverter um processo tão profundo, é acreditar em milagres. “Eleições gerais” não poderão reverter isso nem colocar nas mãos do povo a decisão sobre os rumos do país, pois se dariam no marco dessas instituições que pisoteiam há anos o voto popular, a começar por Dilma, passando por Temer e chegando em Bolsonaro (sem esquecer personagens autoritários como Moro, os ministros do STF, os procuradores etc.).

A política de “eleições gerais” é uma das saídas possíveis que pode adotar a burguesia para salvaguardar o direitismo autoritário desse regime golpista, e dourá-lo com uma tintura supostamente “democrática”. Suponhamos que a pandemia retrocedesse, após deixar as marcas catastróficas sobre a vida de milhões de trabalhadores, e o flagelo da pobreza e do desemprego produzisse manifestações de massas contra o governo, tornando-o perigosamente instável para os interesses dos capitalistas. A burguesia tomará nota e, para evitar um questionamento de conjunto do regime pós-golpe, poderá propor novas eleições. Com a chancela das urnas, a burguesia aceitaria trocar o presidente, a fim de preservar não apenas toda a obra econômica do golpe institucional, mas o regime político que lhe serve de guardião. Isso se o impeachment, inofensivo para as instituições golpistas, já não parecer suficiente aos objetivos de restabilizar o país.

Acaso podemos crer que, no melhor dos casos, mudando de presidente e elegendo mais deputados, se retrocederá na reforma da previdência, na reforma trabalhista e nas privatizações? Se alguém tentasse e passasse pelos filtros das maiorias qualificadas do Congresso, se enfrentaria ao STF que imediatamente declararia inconstitucional qualquer lei que fosse contra a obra econômica do golpe institucional, que foi realizado para esse objetivo.

Se agitamos a necessidade de uma mobilização de massas que derrube Bolsonaro-Mourão, por que essa mobilização não deveria questionar as instituições golpistas que ficariam impunes e preparadas para impedir qualquer mudança estrutural no país que afetasse os privilégios dos capitalistas e latifundiários? Por que toda essa força deveria se limitar a recompor de forma conservadora as peças desse mesmo regime e suas instituições reacionárias através de novas eleições?

A consigna da Assembleia Constituinte Livre e Soberana tem a função de alentar o questionamento a todo esse regime, mudando não apenas a figura presidencial, mas subvertendo pela raiz todas as instituições escravistas que nos trouxeram até aqui. Uma nova Constituinte, cujo trabalho e decisões não pudessem ser limitados, revistos ou vetados por qualquer instituição do regime burguês, colocaria nas mãos de toda a população a decisão democrática sobre todos os grandes problemas nacionais.

O PT é contrário a alentar um movimento de massas em defesa de uma Assembleia Constituinte, porque isso implicaria enfrentar o conjunto do regime do qual o PT faz parte. O PT desmoralizou sua base com a política do governo Dilma, que traiu até mesmo o mandato formal de sua própria eleição, colocando um tucano como Levy para atacar as conquistas populares. Abriu caminho ao golpe institucional fazendo o jogo do Congresso e do STF, dos procuradores, das cúpulas evangélicas e do agronegócio. Não organizou nenhuma luta séria contra os golpistas. Centrou suas energias em negociar seu lugar no regime golpista. Não contente com tanta capitulação, as distintas alas do PT pedem a renúncia ou o impeachment de Bolsonaro, com o qual defendem um governo de Mourão reforçado por essas mesmas instituições reacionárias.

Não podemos ser parte dessa política de recomposição conservadora do regime. O PSTU fala sobre “soviets”, mas as pessoas não se tornam revolucionárias por obra de magia. Menos ainda se no terreno da consciência das massas se inventa uma “separação por etapas” falando sobre eleições gerais (nesse regime autoritário!), como faz o PSTU, renunciando à experiência dos trabalhadores e da juventude com a política de uma nova Constituinte que faça chocar suas aspirações democráticas com todo o regime autoritário da burguesia pós golpe.

Somos socialistas, e nosso objetivo é expropriar os capitalistas e instalar uma democracia muito superior a mais democrática das repúblicas burguesas. A consigna da Assembleia Constituinte, para que o povo decida tudo de fato, está indissociavelmente ligada à dinâmica permanentista do programa transicional. Organiza o anseio democrático das massas contra o sistema capitalista e seu regime político, e ajudando a que avancem das tarefas democráticas às socialistas, abre caminho para a necessidade de um governo dos trabalhadores de ruptura com o capitalismo. Isso é parte da tradição marxista.

Num momento tão importante do país, diante da crise mundial em curso, o PSTU faria bem se não seguisse abandonando essa tradição marxista, em nome de dar às massas o mesmo objetivo que a burguesia prepara a dar caso se veja contra a parede.




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