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CINEMA | Mostra Cinema Novo na Cinemateca brasileira

A cinemateca brasileira está apresentando uma mostra de filmes do período chamado Cinema Novo (décadas de 1950-70), serão exibidos 53 filmes entre os meses de abril e junho.

Camila FarãoSão Paulo

terça-feira 5 de maio de 2015 | 00:00

O Cinema Novo foi uma importante iniciativa para modernizar o cinema brasileiro. Na época que surgiu, diversos movimentos artísticos de grande relevância aconteciam: na arquitetura havia a construção de Brasília com o planejamento de Oscar Niemeyer; na literatura, publica-se "Grande sertão: veredas" de João Guimarães Rosa; na música, o lançamento de "Chega de Saudades", de João Gilberto; e no teatro, e a estreia do "Orpheu da Conceição", de Vinicius de Moraes com músicas de Tom Jobim.

Para Glauber Rocha, um dos mais importantes cineastas do Cinema Novo, este movimento se propôs a fundar o cinema brasileiro enquanto patrimônio cultural e artístico:

"Nossa geração tem consciência: sabe o que deseja. Queremos fazer filmes antiindustriais; queremos fazer filmes de autor quando o cineasta passa a ser um artista comprometido com os grandes problemas do seu tempo; queremos filmes de combate na hora do combate e filmes para construir no Brasil um patrimônio cultural.
Não existe na América Latina um movimento como o nosso. A técnica é haute couture ["alta - costura", peças luxuosas e exclusivas], é frescura para a burguesia se divertir. No Brasil o cinema novo é uma questão de verdade e não de fotografismo. Para nós a câmera é um olho sobre o mundo, o travelling [o deslocamento da câmera no espaço] é um instrumento de conhecimento, a montagem não é demagogia mas pontuação do nosso ambicioso discurso sobre a realidade humana e social do Brasil! Isto é quase um manifesto" [ O cinema Novo 62, artigo de Glauber Rocha]

O Cinema Novo produziu uma nova estética e tratou de temas relevantes para a cultura brasileira. Seu ambiente foi nos subúrbios, no sertão, nas classes médias, mas sempre destacando a tensão entre a técnica industrial do cinema e a situação dos brasileiros - que, nessa época, migravam para as grandes cidades fugindo da fome, servindo de mão-de-obra barata na construção civil; a contradição do desenvolvimento das forças técnicas com a miséria e a desigualdade. A ditadura, que foi o pano de fundo nacional desta tensão, censurou muitos dos filmes que hoje, restaurados, podemos ter a oportunidade de assistir. Demonstrando que o Cinema Novo se propôs, com a linguagem industrial do cinema, combater as contradições sociais, o que incomodou e muito as autoridades.

Esta nova estética, conhecida pelos próprios cineastas do movimento como E Z T E T Y K A da fome, nos diz que o comportamento do faminto é a violência e não o primitivismo (no sentido em que o Europeu olha para os povos subdesenvolvidos, o olhar do colonizador que vê na estética da fome a sua história num mundo incivilizado). Glauber Rocha diz:

"Do cinema novo: uma estética da violência antes de ser primitiva é revolucionária, eis aí o ponto inicial para que o colonizador compreenda a existência do colonizado; somente conscientizando sua possibilidade única, a violência, o colonizador pode compreender, pelo horror, a força da cultura que ele explora. Enquanto não ergue as armas o colonizado é um escravo: foi preciso um primeiro policial morto para que os franceses percebessem um argelino."

Quando ele se refere à violência, não a usa de forma moral, se é por ódio ou complacência, mas a usa como força transformadora de uma sociedade, como força revolucionária. Expressão da luta de classes em suas imagens cenográficas.

Outra questão que o Cinema Novo quebra é com a hegemonia dos filmes nacionais da época, os "chanchadas" e também com os melodramas. No Cinema Novo, as mulheres sempre foram "seres em busca de uma saída possível para o amor". Um bom exemplo de mulher no Cinema Novo é Rosa, do filme Deus e o Diabo na Terra do Sol, de Glauber Rocha. Para ela, amar seu marido era entrar no cangaço e poder transformar sua situação de mulher.

Glauber Rocha aponta os limites do Cinema Novo, para ele, por não se tratar de algo brasileiro, mas de qualquer povo que não quer permanecer marginal ao processo cultural e econômico, ou seja, de qualquer povo colonizado. O Cinema Novo não é uma questão de novidade, este nome se coloca porque se trata de independência e liberdade dos explorados, do compromisso dos profissionais com uma revolução na América-Latina, onde todos os latino-americanos deverão participar ativamente deste projeto revolucionário, o público ao assistir os filmes deverá se integrar ao projeto.

Diferenciando-se dos cineastas da indústria que só vende mentira e se faz com base na exploração, o Cinema Novo então se propõe a ser a verdade! [Na fala de Paulo César Saraceni, outro integrante do movimento]:

"Onde houver um cineasta disposto a enfrentar o comercialismo, a exploração, a pornografia, os tecnicismos, aí haverá um germe do cinema novo. Onde houver um cineasta, de qualquer idade ou de qualquer procedência, pronto a pôr seu cinema e a sua profissão a serviço das causas importantes de seu tempo, aí haverá um germe do cinema novo".

A cinemateca brasileira oferecerá estes filmes gratuitamente de quinta a domingo. Conhecer estes filmes, não é somente conhecer o passado do nosso país do ponto de vista dos trabalhadores, lutadores, oprimidos; vermos a luta de classes da escravidão à indústria no Brasil. Mas, também, redescobrir as formas de mudar o presente. Aceitando o convite dos artistas que se propuseram à Revolução: se inflamar pela luta após ver os filmes e organizar a Revolução!


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Cinema    Cultura



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