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LITERATURA | Morre Antonio Candido aos 98 anos

sexta-feira 12 de maio de 2017 | Edição do dia

O crítico literário, professor e sociólogo Antonio Candido morreu aos 98 anos em São Paulo, nesta madrugada. Ele estava internado no Hospital Albert Einstein, em São Paulo, com problemas no intestino.

Antonio Candido foi um dos intelectuais brasileiros mais importantes do século 20. Autor de livros fundamentais como Introdução ao Método Crítico de Silvio Romero (1944), Formação da Literatura Brasileira (1959), Literatura e Sociedade (1965), entre muitos outros, Candido aprofundou o estudo da literatura brasileira, sempre pensando na intersecção entre literatura e sociedade, formando uma nova maneira de pensar a literatura que influenciou toda a crítica literária do país desde então.

“A literatura corresponde a uma necessidade universal que deve ser satisfeita sob a pena de mutilar a personalidade, porque pelo fato de dar forma aos sentimentos e à visão do mundo ela nos organiza, nos liberta do caos e portanto nos humaniza” (Antonio Candido)

Crítico literário:

O crítico literário e sociólogo Antonio Candido, dono de uma das obras mais fundamentais da intelectualidade brasileira, morreu aos 98 anos. Ele estava internado no Hospital Alberto Einstein, em São Paulo, com problemas no intestino, de acordo com Edla Van Steen – escritora, editora e viúva do crítico Sábato Magaldi.

A carreira acadêmica do intelectual passou certamente por uma paixão absolutamente frenética pela literatura. Buscou a vida toda criar uma forma de analisar a sociedade brasileira através de seus mais importantes textos e livros publicados no país. Autor de livros fundamentais para compreender o Brasil através da análise literária, o intelectual publicou: "Introdução ao Método Crítico de Silvio Romero" (1944), "Formação da Literatura Brasileira" (1959), "Literatura e Sociedade" (1965), entre muitos outros de semelhante importância. Candido formou uma maneira de pensar a literatura brasileira que influenciou toda a crítica literária do País desde então. O interessante é que a partir dele, começou-se a sistematização das análises discursivas dos textos literários.

Jornalista e admirador de Oswald de Andrade:

Em 1956, ele criou o Suplemento Literário do jornal O Estado de S. Paulo, caderno cultural que se tornou paradigma do jornalismo cultural no Brasil. O crítico e ensaísta se definia como um sobrevivente. "Sou provavelmente o último amigo vivo de Oswald de Andrade, um escritor dono de uma personalidade vulcânica", comentou Candido, em rara entrevista, em Paraty, onde, em 2011, fez a conferência de abertura da 9.ª Festa Literária Internacional de Paraty, a Flip. Como o homenageado era justamente o autor de "Marco Zero, Candido decidiu quebrar seu silêncio - não gostava de ser entrevistado tampouco de fazer aparições públicas.

O ensaísta mantinha fortes lembranças de Oswald de Andrade (1890-1954) justamente por causa de sua personalidade marcante. Disse uma vez em entrevista: "Ele tinha traços de gênio: mesmo não sendo um grande leitor, Oswald captava a essência dos assuntos e discursava como grande entendedor."

A amizade entre eles começou depois de uma crise - o escritor não gostou de uma crítica escrita por Candido sobre "Marco Zero", romance publicado em 1943. "O comunismo fez mal para ele, que passou a escrever uma literatura mais engajada, longe da linguagem telegráfica que era seu melhor estilo", contou Candido. "Eu era um jovem crítico, estava com 24 anos, e não aceitava aquele silêncio que rondava a obra de Oswald, considerado um autor inatacável."

Passado o tempo, o próprio Antonio Candido reconheceu o exagero de sua escrita, a ponto de produzir um longo ensaio em que reconhecia o valor literário do autor. Foi o suficiente para estabelecer uma amizade profunda e sincera, que resistiu até às novas críticas de livros.

O exercício, aliás, era arriscado. Candido comentou que o crítico literário de sua época era obrigado a lidar com nomes que, naquele momento, ainda eram desconhecidos. "Certo dia, recebi um livro chamado ’Perto do Coração Selvagem’, assinado por Clarice Lispector. Pensei que fosse um pseudônimo, porque isso não é nome de gente, Lispector. Eu não sabia quem era e precisava dizer se o livro era bom ou era ruim. Ou seja, minha responsabilidade como crítico era muito grande, pois lidava com autores como Murilo Mendes e Carlos Drummond de Andrade, que ainda não tinham conquistado notoriedade. Tive a sorte de viver um tempo de esplendor da literatura brasileira. Mas avaliações erradas poderiam custar o emprego", contou.

Candido lembrou que, em sua época, a crítica era militante e alguns jornais tinham o chamado crítico titular. No seu caso, ele era o do jornal "Folha da Manhã", enquanto o do "Estado" era Tobias Barreto. "O crítico titular tinha muito autoridade, porque representava o jornal. Costumo dizer que a crítica literária daquele tempo era uma atividade de alto risco."

Trabalhou na função durante 24 anos e se orgulhava, por exemplo, de ter escrito o primeiro artigo analítico sobre a obra de João Cabral de Melo Neto. "Ele não sabia disso. Foi Drummond quem o informou."

Com o tempo, a função de resenhista foi gradativamente assumida pelos teóricos de universidade, que preferiam não correr risco. "Eles escreviam apenas sobre escritores já mortos, com a obra consolidada, o que evitava julgamentos apressados se fosse o caso de autores ainda vivos."

Para ele, a crítica era essencialmente exercida por teóricos universitários. Candido dizia conhecer a maioria, pois foram seus alunos, formando a "paróquia", como gosta de ironizar. "Admiro muito as novas gerações de críticos, todos muito eruditos", comentou, citando Roberto Schwarz e José Miguel Wisnik.

Militante político:

A militância política de Candido começou ainda na juventude, como integrante da Frente de Resistência contra a ditadura do Estado Novo. Em 1942, ele participou da criação do Grupo Radical de Ação Popular. Três anos depois, ajudou a fundar a União Democrática Socialista. Logo em seguida, aderiu – ao lado de Sérgio Buarque de Holanda, um de seus grandes amigos – à Esquerda Democrática, que daria origem em 1947 ao Partido Socialista Brasileiro, pelo qual Candido foi candidato a deputado estadual em 1950. Teve pouco mais de 500 votos.

Prosseguindo retrospectivamente sua carreira política, durante a ditadura civil militar (1964-1985), atuou como defensor de causas humanitárias, denunciando como a repressão policial brutal estava roendo as entranhas do Brasil e desagregando a nossa sociedade. Para ele, as arbitrariedades da perseguição política contaminaram em grande parte a atuação das polícias, que se habituaram à tortura para arrancar confissões até do ladrão de galinha mais pé-de-chinelo. Ficou famoso também seu depoimento em pleno governo de Ernesto Geisel, quando afirmou que era importante discutir o socialismo, o que na época certamente era uma posição progressista. Porém, Candido parou mesmo no progressismo, não dando um ar mais revolucionário na sua atuação como militante, posteriormente mudando de posição e se aliando ao petismo e fazendo propostas de gestão do capitalismo de uma forma a lá centro-esquerda.

Com os ventos da abertura política soprando mais forte, Antonio Candido seria um dos que ajudariam a fundar o Partido dos Trabalhadores (PT) em 1980. Até pouco tempo atrás, costumava participar dos longos debates e mesas-redondas organizados pelo partido. Ainda hoje sua opinião orientava os rumos do PT e, consequentemente, estava por trás de algumas medidas do governo Lula-Dilma.

Uma figura excêntrica:

A carreira acadêmica do intelectual passou certamente por uma paixão absolutamente frenética pela literatura. E isso proporcionou uma vida de dedicação integral a essa paixão, que pode ser traduzida com seu modo de vida, pois ele mesmo argumentava que vivia "encalhado" no passado, pois ainda utilizava uma máquina de escrever, dispensando computador, celular e outros produtos da modernidade. Os rejeitava completamente. Também desconhecia o que se produz atualmente na literatura, preferindo a releitura de clássicos. "Faz 20 anos que não leio nada de novo. Prefiro Dostoievski, Proust, Eça de Queiroz".




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