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OSCAR 2017 | Moonlight – baseado em fatos reais

Moonlight, o vencedor do Oscar de Melhor Filme 2017 e de Melhor Roteiro Adaptado, já era favorito de muitos que o assistiram e tinham certeza que a leitura do envelope só poderia estar errada. Concorrendo com Estrelas Além do Tempo, além de outros filmes excelentes, porque Moonlight mereceu ganhar?

segunda-feira 27 de fevereiro de 2017 | Edição do dia

Essa resenha contém spoilers

Confesso que quando o filme começou e eu vi aquele close fechado no rosto do menino, ele correndo de outros moleques, a angústia bateu forte e eu pensei “caraca, vou chorar pra porra aqui nesse cinema... aí vem história triste”. Logo depois, quando vi que surgiria uma amizade entre o então Little e Juan, o traficante cubano, meu peito se encheu de alegria. Quando a câmera voltou praquela casa pouco iluminada, aquela mãe destruída pelas drogas e descrente do valor do próprio filho e de si mesma, meu coração foi massacrado de novo, e quando chegou a cena de sexo com o amigo Kevin, não conseguia me conter de alegria.

Essa montanha russa de emoções descreve quase em totalidade o que é assistir à história em três atos de Little-Chiron-Black. Com uma câmera que se instala sobre seus ombros, a gente assiste quase sendo ele... Se sente se afogar naquele nado que era pra ser gostoso, se sente agredido junto dele, odeia junto com ele, ama Juan, Teresa e Kevin junto dele. Sofre pela mãe junto dele.

E estar junto dele dói muito, talvez porque ele fale muito mais de nós do que a gente consegue perceber sem essa ida ao cinema.

A relação dramática entre sexualidade e violência

O menino Little é agredido desde a infância por uma brutal relação de homofobia estabelecida com parte de seus colegas de escola. A mãe declara a Juan “Você precisa dizer pra ele porque ele apanha tanto. Já viu como ele anda?”. A injustiça aí é tamanha que é difícil descrever. Chiron é agredido porque suspeita-se que é gay – agressão que em si já é tremendamente ruim e corriqueira -, quando ele nem sequer suspeita o que isso possa ser. Uma criança que é forçada a pensar na própria sexualidade muito antes de ter vontade de pensar e sentir sobre isso

Ele é praticamente forçado a uma “escolha” sexual (até hoje não sei qual a melhor palavra pra usar nesse contexto) na qual ele não deveria ser obrigado a refletir, mas experimentar, e pela qual ele não deveria sofrer, mas gozar, afinal, estamos falando de sexo, não é mesmo?

A violência é tão brutal contra a suspeita de sua sexualidade, que Chiron sequer consegue desenvolver uma conclusão sobre suas vontades sexuais, e acaba, após preso e feito traficante, passando talvez mais de uma década sem sequer ser tocado por qualquer pessoa – homem ou mulher – como ele confessa ao seu primeiro e único homem Kevin em seu reencontro depois de 20 anos de finalizado o colégio e de Chiron ter sido preso por após uma única vez responder com agressão a um rapaz que o agredia violentamente de maneira rotineira.

Isso pode nos dizer muito sobre o quanto o machismo é capaz de castrar a sexualidade inclusive de homens, e como a sexualidade é muito mais do que apenas o ato sexual em si. Sexualidade é toque, é carinho, é paixão, é confidencialidade, é, seja lá o que isso seja, amor. Como esse menino criado por uma viciada em crack, agredido todos os dias na escola, poderia criar tamanha confiança no próprio corpo ao ponto de desenvolver essa coisa tão gigantescamente simbólica como a sexualidade?

Poderia ser que Chiron descobrisse que é assexual, heterossexual, panssexual ou homossexual. A verdade é que ele jamais teve oportunidade de explorar nada disso. Seu corpo conheceu dor, rejeição e violência muito antes de poder responder a qualquer desejo, vontade ou desinteresse sexual espontâneos.

Inspirado em fatos reais

Por muitos motivos, Moonlight é a história de vários de nós. Poderia ser por ter uma mãe solteira, ou uma mãe viciada em crack, ou um melhor amigo traficante, por apanhar na escola, por sofrer homofobia desde pequeno, por se apaixonar e ser forçado pelo racismo e pela homofobia de abrir mão de um desejo tão intenso como a paixão.

Mas não é por nenhum desses motivos isolados que Moonlight é uma história tão real, é justamente por todos eles juntos. É pela dinâmica dialética da vida que faz com que vivamos grandes emoções, dores e angústias ao mesmo tempo, é por vivermos o tempo todo com o peso da opressão e da brutalidade da vida sobre nossas costas. É por sermos negros e LGBTs, por sermos trabalhadores, por sermos periféricos.

E não para de ser real. Mostra como somos lindamente azuis sob a lua, que sempre pode haver um momento como aquela ligação do Kevin nostálgico e o daquela Jukebox tocando uma música de reencontro. Porque mesmo com as brutalidades da vida, ela pode ser linda. “Que as futuras gerações a libertem de todo mal e opressão”.


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Cultura    Negr@s



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