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TRAGÉDIA NO MEDITERRÂNEO | Migrações forçadas, classe trabalhadora e capitalismo

A riqueza dos estados capitalistas europeus e o movimento migratório forçado de milhões de pessoas. As tragédias migratórias que levam à morte milhares de seres humanos no Mediterrâneo e a lógica cruel do capitalismo. Os direitos dos imigrantes como bandeira da classe operária europeia.

Josefina L. MartínezMadrid | @josefinamar14

segunda-feira 20 de abril de 2015 | 15:00

A morte de mais de 900 imigrantes nos últimos dois dias no Mediterrâneo comove profundamente e me leva a uma reflexão sobre os movimentos massivos de migrações forçadas no capitalismo.

Em suas origens, o capitalismo mundial (que era, mais que qualquer coisa, europeu) se alimentou da carne e suor de mais de 15 milhões de pessoas provenientes da África – alguns sustentam que mais de 30 milhões – que desde o século XVI e até final do século XIX foram trazidas à força de suas comunidades para as colônias americanas.

Esta exportação forçada de mão de obra escrava, a uma escala gigantesca, foi uma das grandes "façanhas" do capitalismo moderno. Milhões de escravos africanos trazidos para a América, para alimentar de matérias primas o comércio ultramarítimo e a acumulação capitalista na Grã-Bretanha e Europa.

"É a escravidão que agregou valor às colônias, são as colônias que criaram o comércio mundial e o comércio mundial é a condição necessária da grande indústria do Mundo moderno", assinalou Marx.

Com o desenvolvimento do imperialismo, desde finais do século XIX, a exportação de capitais a todas as regiões do mundo, instalando empresas imperialistas em países da Ásia, África e América Latina, permitiu aos capitalistas aproveitar os benefícios da mão de obra barata nas próprias colônias, verdadeiras oficinas de "escravos modernos".

Ao mesmo tempo, se produziram novos movimentos migratórios massivos, desde os países imperialistas até as periferias.

O novo movimento operário que emergiu desde meados do século XIX em países como Estados Unidos ou Argentina, formou-se em grande parte com as correntes migratórias de milhões de trabalhadores e camponeses europeus que fugiam das crises e da falta de trabalho. Poloneses, ingleses, irlandeses, italianos, espanhóis, russos e alemães, que fizeram viagens através do oceano para vender suas forças de trabalho. Eram movimentos migratórios forçados, não já pelas armas dos escravagistas, mas sim pelas misérias do capitalismo.

Desde o segundo pós-guerra, novos fluxos migratórios massivos se produziram em outra direção, desde as ex-colônias europeias em direção ao velho continente. É o momento em que milhões de imigrantes do Magreb chegam a países como França, nos anos 1960 e 70, para trabalhar na indústria automobilística e nos trabalhos mais precários.

As crises em seus próprios países, submersos pela pobreza e pela fome, atravessando conflitos e guerras, devastados pela exploração das empresas multinacionais, forçaram novamente esses movimentos migratórios.

Com a constituição da União europeia e o desenvolvimento de uma maior "liberdade de movimentos" dos capitais e da mão de obra entre os países da Europa, os monopólios imperialistas aproveitaram a chegada de imigrantes, provenientes das ex-colônias europeias, para servir de mão de obra barata e empurrar para baixo as condições dos trabalhadores nativos. Africanos, asiáticos, latinoamericanos: todos ocuparam os trabalhos mais precários e menos qualificados, como a construção civil, os cultivos temporários, o trabalho doméstico, a limpeza, comércios de fast-food, etc. Nas últimas décadas, mais que nunca, a classe trabalhadora europeia tomou forma como uma classe operária plurinacional, nativa e imigrante.

A crise capitalista e as tendências xenófobas

O estouro da crise capitalista desde 2007 estimulou os movimentos de rechaço, exclusão e expulsão dos imigrantes. Milhões foram lançados para fora da força de trabalho, ao mesmo tempo em que se faziam mais restrições nas leis de imigração e mais restrições à entrada de novos imigrantes.

As tendências xenófobas, isto é, o rechaço ou o ódio aos estrangeiros, foram agitados por partidos nacionalistas e de ultradireita, que identificaram os imigrantes como os culpados pela crise, quando, na realidade, foram os mais golpeados pela mesma. Nos últimos anos tem crescido muito a islamofobia, o "temor" e o rechaço pelas pessoas muçulmanas ou provenientes de países árabes.

Deste modo, os setores dominantes estimularam os sentimentos xenófobos, os preconceitos raciais e religiosos dentro da classe trabalhadora, o que debilita os trabalhadores de conjunto frente a ofensiva do capital.

Em outro momento histórico, Marx se referiu ao enfrentamento entre trabalhadores ingleses e irlandeses da classe trabalhadora da Inglaterra, preconceitos fomentados pelos capitalistas.

"A burguesia inglesa, além de explorar a miséria irlandesa para piorar a situação da classe trabalhadora da Inglaterra mediante a imigração forçada de irlandeses pobres, dividiu o proletariado em dois campos inimigos [...] Em todos os grandes centros industriais da Inglaterra existe um profundo antagonismo entre o proletariado inglês e o irlandês. O trabalhador médio inglês odeia o irlandês, ao qual considera como um rival que faz com que baixem os salários, o standard of life [nível de vida]. Sente uma antipatia nacional e religiosa por ele. O vê quase como os poor whites [brancos pobres] dos Estados meridionais da América do norte viam os escravos negros. A burguesia fomenta e conserva artificialmente este antagonismo entre os trabalhadores mesmo dentro da Inglaterra. Sabe que nesta divisão do proletariado reside o autêntico segredo da manutenção de seu poder."

(Karl Marx, Extraído de uma comunicação confidencial, 1870)

O movimento em defesa dos direitos dos imigrantes, para acabar com as leis de antiimigratórias, as cercas, os muros, os CIEs (Centros de Internamento e Expulsão) e a xenofobia, deveria ser também uma bandeira da classe trabalhadora nativa nos países da Europa, para sua própria defesa.

Morrer no mediterrâneo

Na atualidade se combinam duas tendências que produzem verdadeiras tragédias sociais no Mediterrâneo. Desde a Europa, a crise incendiou a política de "fechamentos de fronteiras", o crescimento da xenofobia e o aumento da repressão aos imigrantes, o que torna mais difícil a entrada dos mesmos e os condena à ilegalidade.

Por outro lado, o impacto da crise econômica nos países da África subsaariana, as guerras e conflitos com na Síria, Líbia e Iraque, aumentam as tendências migratórias para a Europa, por vias "ilegais" e caindo nas mãos das redes de traficantes de pessoas. Os imigrantes se lançam a viagens onde sabem que arriscam suas vidas, forçados agora pelo desespero.

A morte de mais de 900 imigrantes em dois dias no Mar Mediterrâneo é o resultado destas contradições, geradas pela maquinaria "devoradora" do capitalismo.




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