×

ESTADOS UNIDOS | Mês do orgulho: nenhuma desculpa a polícia nova-iorquina pela repressão de StoneWall

O comissário da polícia da cidade de Nova Iorque, James O`Neill, pediu desculpas pela brutalidade policial que desencadeou as revoltas de StoneWall. Não as aceitamos.

terça-feira 11 de junho de 2019 | Edição do dia

O que o Departamento de polícia de Nova Iorque (NYPD em sua sigla em inglês) fez no bairro de Greenwich Village em 28 de Junho de 1969 não foi um evento excepcional. Não havia nada de novo em policias invadirem um bar queer, golpearem os atendentes e os levarem presos nas viaturas.

Em 1969, isso era um lugar comum. Qualquer pessoa LGBT sabia o que as luzes vermelhas significavam: prisões, golpes ou quem sabe, estupros. O que se destacou neste 28 de Junho de 1969 foi a comunidade da diversidade sexual se defendeu e lutou, não apenas neste dia, mas por quatro dias consecutivos no que ficou conhecido por "as Revoltas de Stonewall". Esta insurreição e crescimento de organizações que sugiram posteriormente foram o nascimento do movimento por direitos da comunidade LGBT como hoje a conhecemos.

50 anos depois, as marchas do orgulho gay se converteram em uma extravagancia de arco íris corporativos, incluindo contigentes do Bank of America, Verizon e Target. Em uma completa negação da história de StoneWall, a policia marcha hipocritamente no desfile. Esta história radical foi tão higienizada que a polícia se sente cômoda a pedir desculpas pelo papel que tiveram na opressão que levou a Revolta.

Em uma declaração pública em 6 de Junho, o Comissário da polícia da cidade de Nova Iorque, James O`Neill, pediu desculpas pela brutalidade policial nas revoltas de StoneWall: "As ações do NYPD estiveram mal - claro e simples. As ações e leis foram discriminatórias e opressivas, e por isso peço desculpas˜, disse. Meio século depois, o NYPD por fim admitiu (vagamente) que fez algo mal em arrastar e golpear gente que só estava se divertindo em um bar.

Tenho algo a responder frente a isso: NYPD, não aceitamos sua desculpa

A escala e o alcance da brutalidade que o NYPD desatou contra a comunidade LGBT não é uma coisa que se possa desculpar. Em 1969, a polícia era o braço armado e repressivo de uma sociedade homofobica e transfóbica; era a guarda armada evitando que as pessoas saíssem do armário. Para o NYPD não era suficiente que a comunidade da Diversidade Sexual tivesse que confrontar o ódio interiorizado de nossa sexualidade e/ou gênero, assim como o rechaço de nossas próprias famílias e amigos. A polícia se assegurava de que nenhum lugar fosse seguro. que os rituais ao redor do sexo e do amor celebrados nos filmes e canções fossem praticamente impossíveis de serem vividos pela comunidade LGBT sem medo. Era quase impossível comprar a alguém uma bebida em um bar sem que se tivesse medo de ser apanhado, ou que a polícia invadisse e nos arrastasse e nos batesse. Não era possível caminhar pela rua de mão dadas (nem se fala em beijar) sem sentir medo. A gente da classe trabalhadora e negras, desde cedo, sofria a parte mais dura da violência, e é por isso que StoneWall foi sobre pessoas queer negras quem começaram a lançar pedras.

Por isso dizemos não, o curtíssimo discurso de James O`Neill de nenhuma maneira reconcilia a profunda dor e violência que o NYPD causou por décadas, e está desculpa fede a hipocrisia, já que apenas quase dois anos, quando lhe perguntaram se se desculparia por estas Revoltas de StoneWall, O`Neill disse: "Creio que isso já foi respondido... Estamos avançando".

Mas esse não é o único problema. As desculpas significam que há uma intenção de mudar, e o NYPD não tem nenhuma intenção de fazer isso. Segue sendo o braço repressivo do Estado capitalista, reforçando toda a opressão e exploração deste sistema podre.

A polícia ainda bate e ainda mata

Há apenas alguns meses, a União Americana de Liberdades Civis (ACLU na sigla em inglês) abriu um processo contra a NYPD pelo nome de Linda Dominguez, uma mulher trans que foi humilhada, tratada no masculino, presa em algemas rosas durante a noite e acusada de "falsa personificação". Seu crime? Caminhar para casa.

De fato, 61% de pessoas trans que responderam a uma pesquisa em 2015 no Estado de Nova York relataram ter sido assediados pela polícia, e em um relatório de 2012 de mulheres trans latinas em Los Angeles ressaltou que haviam sido sexualmente abusadas pela policia. É difícil acreditar que a NYPD esteja melhor.

Na cidade de Nova Iorque, a polícia tem roubado espaços da comunidade LGBT com a ofensiva contra os cais. os quais eram um importante ponto de reunião para jovens da comunidade LGBT, em sua maioria de negros. Graças aos toque de recolher e a excessiva presença da polícia, agora foram convertidos em espaço gentrificados e altamente rentáveis, "livre de gays, lésbicas e queer negros e latinos que se reuniam ali".

E não é só a comunidade da Diversidade Sexual que a polícia assedia, nem hoje e nem em 1969. Apesar de ter sufocado a um homem que repetia incansavelmente que não podia respirar, o assassino Eric Garner não está enfrentando cargos criminais. Atualmente se está levando a cabo um julgamento, mas somente está em risco seu cargo na polícia, e é provável que nem sequer o perca, porque nos Estados Unidos, a polícia pode matar negros com impunidade.

Toda a violência policialesca está conectada; o fato de que o matrimonio igualitário foi legalizado e que a polícia pediu desculpas não garante a segurança da enorme maioria da comunidade LGBT, que pertence a classe trabalhadora, são negros e/ou de gênero não binário. A Reclaim Pride Coalition de Nova York expressou bem.

"O NYPD Vice Squad ainda está no negócio, prendendo profissionais do sexo e outros, enquanto seus membros administram seus próprios bordéis. O NYPD ainda está prendendo crianças trans negras por andar na rua, e prendeu uma transexual no Bronx que estava voltando para casa do trabalho, mantendo-a sob custódia por 24 horas, algemada! O NYPD passou décadas prendendo homens gays. E o NYPD continua a ter medo nas comunidades negras e outras comunidades marginalizadas ”.

Liberação Queer e não arco-irís capitalista!

O sistema capitalista - e em particular o Partido Democrata - é uma maquina de cooptação. Se é possível gerar ganâncias, o capitalismo buscará uma forma de integrá-lo e essa integração tem sido rápida com a comunidade LGBT. Faz 16 anos, a "sodomia" seguia sendo ilegal em 14 estados e apenas há 50 anos a comunidade LGBT pode encontrar seus nomes publicados em jornais pelo crime de não usar roupas de acordo com o gênero que lhes foi imposto ao nascer. Hoje, todas as grandes companhias tem itens do arco-íris para venda: camisetas, garrafas de água, sapatos, bandanas, copos ... tudo. Todos os grandes políticos tem tuitado sobre os direitos da diversidade, inclusive Donald Trump.

“Como celebramos o mês do orgulho LGBT e reconhecemos as contribuições extraordinárias que as pessoas LGBTs fizeram à nossa nação, vamos também nos colocar em solidariedade com as muitas pessoas LGBTs que vivem em dezenas de países em todo mundo, que punem ou até mesmo executam indivíduos baseando-se em sua orientação sexual. A minha administração lançou uma campanha global para descriminalizar a homossexualidade e convidar todas as nações para juntarem-se a nós neste esforço”. (@realDonaldTrump) 31 de mayo de 2019

A atual senadora Kamala Harris, quem se destacava por se opor a que pessoas trans presas recebessem cirurgia de resignação sexual quando era fiscal do Estado da California, agora tem camisetas suas com arco-íris para vender e fala sobre os direitos LGBT.

E agora o Comissário da Polícia de Nova Iorque pede desculpas por StoneWall.

Sem dúvida alguma, essa mudança nas leis e na cultura é um desenvolvimento positivo para a comunidade não heterossexual, e sem dúvidas estas mudanças são produto do valente ativismo e da mobilização de pessoas que nos antecederam. Não tem nada de bom em ser brutalmente marginalizado.

Mas por acaso, o direito de alguns de nós de ser consumidores desejáveis, de sermos comercializados, é um parâmetro de nossa libertação? O fato de que muitos membros da diversidade sexual que são brancos, homens cisgeneros e de classe media alta tenham ganhado o direito a não serem brutalmente marginalizados, enquanto tem mulheres trans que morrem em centros de detenção do ICE, é realmente uma forma de medir nossa liberação?

E para sermos claros, estou contente de que o nível de discriminação aberta contra a diversidade sexual tenha diminuído e nós tenhamos ganhado o direito de nos casar, usar a roupa que quisermos e frequentar bares. Mas enquanto um punhado de gays ou lésbicas ascenderem a postos altos de corporações, a maioria de nós nos hiper exploram para promover o modo de vida luxuoso de poucos.

O poder do capitalismo de cooptar é o poder de nos dividir e integrar a uma parte de nós ao sistema como cidadãos responsáveis e ávidos consumidores, para que a maioria de nós sigamos marginalizados e brutalizados pela polícia, enquanto outros chamam isso de "proteção". Mas a polícia não está aqui para nós proteger. Sua função é proteger a um sistema baseado na desigualdade social, e surgido da opressão.

Inclusive ganhando direitos formais através de leis, isso não mudará e não nos protegerá aos mais marginalizados. Como o mencionava no artigo do Left Voice "Rainbows on Their Cars But Blood On Their Hands: No Cops at Pride” (Arcoíris em suas viaturas, mas sangue em suas mãos: não a polícia na marcha do orgulho!): O único fato de que os oprimidos tenham mais direitos não significa que o sistema respeite nossas vidas. De fato, com frequência o sistema adota a igualdade formal (perante a lei) para justificar a desigualdade. a igualdade formal se converte em um mecanismo para justificar o fato de que vivemos em uma sociedade em que a maioria das pessoas luta dia após dia, enquanto uma pequena minoria ganha milhares de milhões de dólares a custa de nossa miséria. A polícia do arco-íris protege justamente este tipo de sociedade: uma sociedade de "direitos" que somente podem ser desfrutados por um pequeno número de pessoas, enquanto que o resto de nós, os pobres, os não-heterossexuais, os negros, continuamos sofrendo a violência diária".

Recuperemos a marcha do Orgulho, fora polícia de nossas manifestações!

StoneWall foi uma Revolta: um dia em que nos que havíamos sido humilhados e marginalizados levantamos a cabeça e os punhos. Um dia em que enfrentamos a polícia e o Estado por dias e nos recusamos a ser retirados das ruas de volta ao armário.

Os desfiles do Orgulho gay não tem nada a ver hoje com este legado combativo; os contigentes policiais e das companhias de super-exploração ou nos despejam de nossas casas agora marcham com bandeiras do arco-íris. Cada vez mais gente se opõe a esta cooptação, com protestos do Orgulho por todo o país, e na cidade de Nova York, com uma contra-marcha alternativa ao Orgulho. Isso pelo fato que os organizadores da marcha de Nova Iorque autorizaram que se prendam os manifestantes.

StoneWall se chocou de frente com um sentido comum da época, se se comportava como uma pessoa respeitável nada de ruim ia lhe acontecer. Stonewall foi mais embaixo dos mais baixos: pessoas negras levantando a cabeça e golpeando com força. Não os vimos fazendo looby com os Congressistas ou votando pelo mal menor. Não os vimos chamando pela polícia ou escrevendo cartas ao chefe. Não, tomamos as ruas.

E necessitamos nos organizar com esse espírito hoje, contra a polícia e contra o sistema capitalista que se enriquece com nossa miséria. Devemos começar a expulsar a polícia de nossas manifestações do orgulho e deixar uma mensagem claro ao NYPD: não aceitamos suas desculpas. Nossos destinos estão enlaçados com os jovens negros que vocês detém e prendem, com os jovens latinos cujos documentos pedem e as mulheres trans que vocês assediam e do qual escaparam impunes.

Não aceitamos suas desculpas, polícia de Nova Iorque, porque seguem golpeando, humilhando e encarcerando muitos de nós.

Não aceitamos suas desculpas, polícia de Nova Iorque, porque apoiam um sistema apodrecido, o qual cada vez mais de nós queremos destruir.


Texto originalmente publicado no Left Voice.
Tradução: Virgínia Guitzel.




Comentários

Deixar Comentário


Destacados del día

Últimas noticias