Por Jomo O. Campos, historiador e professor.
sexta-feira 10 de julho de 2015 | 00:05
A Guerra Civil Americana
Entre 1861 e 1865 ocorreu a Guerra Civil Americana - também conhecida como Guerra de Secessão. De um lado havia a maior parte dos Estados da União, interessada em abolir a escravatura e dar uniformidade a um projeto de desenvolvimento econômico, pautado na industrialização. Do outro lado, formaram-se os Estados Confederados da América, interessados em se separar do restante da federação e manter de uma sociedade que em muito se assemelhava ao Brasil Colonial: monocultura, latifúndio e trabalho escravo.
Além dos aspectos econômicos, o que esteve em jogo ao longo de toda essa Guerra Civil foi a idealização de um novo modelo de civilização. O pensador Karl Marx chegou a afirmar que essa guerra seria como um divisor de águas para a Esquerda; o proletariado branco deveria apoiar a luta dos negros pela emancipação.
Imigração Estadunidense
Durante a Guerra e, sobretudo, após o seu desfecho, milhares de confederados fogem dos EUA e rumam à América do Sul. Santa Bárbara D’Oeste e Americana são exemplos de cidades que se formaram a partir dessa leva de imigrantes.
Simbologia
Ao contrário do que muitos pensam, a primeira bandeira oficial dos Confederados foi essa:
Essa, mais "popularizada" na atualidade, é a Bandeira de Batalha. As treze estrelas representam os Estados que faziam parte da Confederação.
Mas por que a bandeira de batalha é objeto de debates acalorados e polêmicas até o presente dia? Como já mencionado anteriormente o que estava em jogo na Guerra Civil eram projetos políticos ou modos de vida que dariam molde a uma nação pelos próximos anos. Essa bandeira tornou-se muito mais utilizada nas décadas de 1940 a 1960 quando o governo federal - em meio aos movimentos pela conquista de direitos civis da população afro-americana - buscava formas de integrar todo país. A bandeira representaria o interesse de parte das comunidades sulistas em manter a segregação e preservar seus privilégios dentro de uma hierarquia racial.
No final dos anos ’40, a bandeira foi adotada como um símbolo dos Dixiecrats – um partido político devotado, entre outras coisas, a manter a segregação. Eles também se opuseram às propostas do Presidente Harry S. Truman para estabelecer leis anti-discriminação e tornar linchamento um crime federal.
The Huffington Post
[John M.] Coski escreve que embora os Dixiecrats tenham rapidamente caído no obscurantismo, suas campanhas ‘tornaram a bandeira um acessório em lugares onde ela teria sido apenas uma novidade anteriormente. ’ Coski dá o exemplo da Universidade do Mississipi, onde ele observa que raramente se usou a bandeira de batalha como um símbolo até 1948.
The Huffington Post
Isso quer dizer que a bandeira, ao contrário do que afirmam membros de certas comunidades, não diz respeito apenas a uma herança ou página de sua história a ser lembrada. Há também um apelo separatista e racista.
Ele diz que a universidade começou a incorporar pesadamente o símbolo em atividades escolares e eventos alguns meses após os estudantes terem protestado contra as propostas de direito civil do Truman.
The Huffington Post
Em 1962 a universidade recebeu o primeiro estudante afro-americano.James Howard Meredith
Existem outros exemplos, como o da integração da bandeira confederada à bandeira do Estado da Geórgia em 1956 – por motivações raciais e, em de 1963 onde o governador do Alabama, George Wallace, ergueu a bandeira sobre o Capitólio do Estado em protesto contra a desegregação.
Charleston, Junho de 2015
Charleston, uma cidade localizada no Estado da Carolina do Sul, recentemente foi palco de um dos maiores atentados da História dos EUA. Dylann Roof adentrou a Igreja Episcopal Metodista Africana de Emanuel e matou nove pessoas a tiro, incluindo o reverendo e senador estadual Clementa C. Pinckney. A princípio os investigadores tentavam definir se era um crime de “terrorismo doméstico” ou “crime motivado por ódio”. O manifesto de Dylann, publicado parcial ou integralmente em jornais, somado a fotos e outras evidências deixa explícita as motivações racistas do crime. Inclusive, após o ato, recebeu a solidariedade de grupos que defendem a supremacia branca.
Reverendo e Senador Clementa C. Pinckney
O racista e assassino Dylann Roof
A ativista política afro-americana Bree Newsome retira a bandeira do mastro,
em protesto
Onde o Brasil se encaixa nessa história?
Todos os anos, descendentes de confederados promovem a Festa Confederada. Segundo Asher Levine, correspondente de notícias da agência Reuters, a festa revive aspectos da cultura sulista dos EUA, expressos na música, dança e culinária. A bandeira confederada hasteada no Brasil é vista pelos moradores das gerações atuais mais como “um símbolo étnico do que político”. Acrescenta que o ocorrido em Charleston tem sido abordado no Brasil tanto mais como um problema de controle de armas quanto uma questão racial. Todo o simbolismo da bandeira parece ter sido perdido em terras brasileiras, ao longo de gerações.
Festa Confederada em Americana
O que não se pode perder de vista é que o Brasil já era um país estruturalmente racista muito antes da chegada de confederados por aqui e que o fato de eles terem se dirigido para cá em fins do século XIX não foi uma coincidência, tal como não foi coincidência a criação da Klu Klux Klan e Associação Nacional de Rifle (NRA) nos EUA. Foram organizações criadas para defender um “jeito de ser” baseado na segregação, ódio e violência contra minorias.
Referências bibliográficas
ANDERSON, Kevin B. Marx at the Margins - On Nationalism, Ethnicity and and Non-Western Societies. Chapter 3: Race, Class, and Slavery: The Civil War as a Second American Revoltuin. The University of Chicago Press.
JUNQUEIRA, Mary A. Estados Unidos – A Consolidação da Nação. Coleção Repensando a História. São Paulo. Ed. Contexto, 2001.
KARNAL, Leandro. História dos Estados Unidos. São Paulo. Editora Contexto, 2007.
EISENBERG, Peter Louis. Guerra Civil Americana. São Paulo. Editora Brasiliense, 1982
Vídeos
TYT – The Young Turks – Racismo Perturbador por trás da Bandeira dos Confederados
John Oliver, sobre o tiroteio em Charleston
E-Journal