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MASSACRE EM ORLANDO | Massacre LGBT em Orlando. O que a religião tem a ver com isso?

Adriano FavarinMembro do Conselho Diretor de Base do Sintusp

sexta-feira 17 de junho de 2016 | Edição do dia

O massacre de 49 LGBT’s dentro da boate Pulse, na cidade de Orlando na Flórida/EUA chocou o mundo todo. Exatamente por isso, representantes de governos e políticos, lideranças LGBT’s e da esquerda, e por porta-vozes de diversas Igrejas e grupos religiosos tem se posicionado a respeito do ocorrido.

Entre os diversos posicionamentos existe, porém, dois fatos incontestáveis. Um deles é a declaração do assassino, pouco antes de ser abatido, de que “fazia isso pelo ISIS, pelo Estado Islâmico”. Embora não haja indícios de que o autor seguia ordens explícitas do Estado Islâmico, conforme declarou o presidente dos EUA, Barack Obama, o próprio Estado Islâmico no dia seguinte reivindicou o atentado.

Porém, reduzir o massacre apenas ao extremismo islâmico, como querem vários grupos e políticos conservadores – sendo o candidato republicano às eleições presidenciais norte-americanas, Donald Trump, a maior referência – só serve para reforçar a xenofobia (islamofobia) e invisibilizar o outro fato incontestável: o alvo, não à toa, era uma boate LGBT.

Se o objetivo do atentado fosse um ato de terror, por si só, existem nos EUA, inúmeros locais cuja repercussão e danos ao Ocidente seriam muito mais sentidas. A seletividade da ação em relação às LGBT’s obriga a que qualquer pessoas que não seja LGBTfóbica reconheça aí um caso clássico e extremo de LGBTfobia.

Para além destes setores LGBTfóbicos que tentam se utilizar dessa tragédia para propagar uma ideologia abertamente islamofóbica e manter a invisibilidade das LGBT’s – como o Pastor Marco Feliciano (PSC) que chegou a dizer que “grupos de LGBT usam o atentado em Orlando para se promover (sic!)” –, existe um setor conservador mais moderado que propaga uma associação direta entre os muçulmanos e a LGBTfobia.

Essa associação tem como objetivo limitar a LGBTfobia à religião islâmica e a supostos “atrasos” da cultura oriental. E, na contracapa, transmitir a imagem de que a religião cristã e a cultura ocidental seriam tolerantes, de que aqui as LGBT’s possuiriam liberdade e igualdade e, de maneira mais branda, invisibilizar a existência dos casos também clássicos e extremos de LGBTfobia no Ocidente.

Islamismo e Cristianismo: a LGBTfobia religiosa e suas relações com o Estado

É inegável que o extremismo islâmico é LGBTfóbico. Várias são as denúncias de cruéis assassinatos em massa de LGBT’s nos territórios ocupados pelo Estado Islâmico. Em muitos países em que o Estado burguês e vertentes radicais da religião islâmica se mesclam em uma coisa só – como Arábia Saudita, Irã, Sudão e Somália –, a homossexualidade é punida com morte. Ao mesmo tempo, em países de predominância da religião islâmica, mas com maior independência do Estado – como Tunísia, Jordânia, Mali, Bósnia e os Balcãs europeus –, a perseguição das autoridades estatais às LGBT’s é tão explícita quanto no Ocidente.

O extremismo islâmico, porém, não é um caso isolado, nem surge do nada. Quando se impõe a sharia como sistema de direitos e leis, mesclando o poder do Estado com interpretações religiosas, temos o fortalecimento do extremismo. Mesmo grupos como Al-Fatiha e outros que aceitam a homossexualidade, interpretando que o Alcorão se refere somente à luxúria e não ao amor homossexual, ao não combaterem a concepção de “moral e virtude” muçulmana, acabam permitindo o domínio do extremismo.

Mas também é inegável a LGBTfobia do extremismo cristão. A declaração do Pastor evangélico Marco Feliciano é apenas uma das várias demonstrações de ódio feita por ele, pelo Pastor Malafaia, e tantos outros pastores que fazem das suas Igrejas e de seus fiéis palanques para controlarem o Estado a partir de suas concepções reacionárias. Partidos políticos como o PRB (ligado à Igreja Universal) ou o PSC (Partido Social-Cristão) tem fortes bancadas no Congresso e já administram Prefeituras nas quais mesclam sua autoridade no poder Estatal com compreensões radicais do cristianismo. Além do grande repúdio à homossexualidade existente nos países em que a influência do cristianismo é profunda dentro do poder do Estado – como Gana, Quênia e Uganda, neste último tendo uma lei prevendo pena de morte para LGBT’s.

Salta aos olhos as declarações de líderes religiosos norte-americanos das Igrejas Batistas Westboro, Batista da Verdade e Batista da Palavra Fiel saudando o massacre de Orlando, quase reivindicando o fato pra si, tal qual fez o Estado Islâmico. “Deus mandou o atirador para #Pulse em Orlando”, “Eu acho que foi fantástico! Eu acho que isso ajuda a sociedade” e “Eu não estou triste, eu não vou chorar, porque essas 50 pessoas baleadas no bar gay iriam morrer de aids, de sífilis ou de outras coisas” foram algumas das palavras que pregaram à milhares de fiéis.

O extremismo cristão, porém, também não é caso isolado, nem surge do nada

Quando a Igreja Católica, representada hoje pelo Papa Francisco, se mobiliza contra o direito ao casamento igualitário e impõe o celibato aos padres, ela fortalece os setores extremistas. Quando pastores evangélicos pregam o amor, a aceitação e a tolerância com as LGBT’s, mas reafirmam que essa sexualidade é errada e estigmatizam as LGBT’s como doentes ou inferiores, também fortalecem os setores extremistas. Quando os porta-vozes das religiões combatem a educação sexual e de gênero nas escolas, interferem no poder das leis do Estado para criminalizar as mulheres que precisam abortar, utilizam da Bíblia e da “palavra de Deus” para recriminar, diferenciar ou vitimizar as LGBT’s eles também fortalecem o extremismo cristão.

Contra a islamofobia e a lgbtfobia: a única saída é classista
Quando se trata de preconceito, opressão e crenças abomináveis aos LGBT’s e às mulheres, o Alcorão islâmico, a Bíblia cristã e o Talmude judaico possuem a mesma pavorosa semelhança.

É importante lembrar que no final dos anos 90 um homem católico nos EUA detonou bombas em clínicas de aborto e em um bar gay por serem locais “perversos e imorais”. Em julho do ano passado, um judeu ortodoxo israelense esfaqueou seis participantes da parada de orgulho LGBT em Jerusalém, tendo cometido o mesmo crime há 10 anos. Em 2014 funcionários e alunos de uma escola secundária católica agrediram um casal gay. E no Brasil, país predominantemente católico, o assassinato de mulheres transexuais já é um verdadeiro massacre, com 2 assassinatos por dia em 2016.

Os trabalhadores são católicos, evangélicos, judeus, muçulmanos. Também são gays, héteros, lésbicas e trans. Qualquer discurso e política segregacionista servem unicamente para nos dividir. É necessário cercar de solidariedade às vitimas imediatas do massacre de Orlando, que são todas as LGBT’s do mundo, lutando pela criminalização da LGBTfobia, por educação sexual e de gênero nas escolas, pelo fim de todas as leis estatais que coíbem a prática da homossexualidade, por todos os direitos civis garantidos independente do exercício da sexualidade de cada indivíduo ou grupo.

Mas é necessário também cercar de solidariedade às vítimas indiretas do massacre de Orlando, as vítimas daqueles que se utilizam do massacre para pregar a xenofobia e a islamofobia, lutando pela separação de todas as religiões e Igrejas do Estado, pelo fim da influência dos dogmas e compreensões religiosas sobre as leis e os direitos, pela retirada da intervenção imperialista nos países árabes. Só assim poderemos unificar os trabalhadores, independente de fronteira, etnia, religião ou sexualidade, contra os patrões e líderes políticos e religiosos que enriquecem e lucram propagando ideologias de ódio e discriminação.




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