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FRANÇA LIBERDADES DEMOCRÁTICAS | Manifestar-se na França dá cadeia

Reproduzimos importante artigo em solidariedade a Gaëtan e em defesa das liberdades democráticas e o direito à manifestação, publicado nesta sexta-feira (17) no diário francês Libération.O artigo está assinado pelo filósofo Jacques Rancière, o diretor Ken Loach, a filósofa Judith Butler, o escritor Tariq Ali e mais cinquenta personalidades.

segunda-feira 20 de abril de 2015 | 15:00

Fotografia: NoSomosDelito

Judith Butler, Tariq Ali, Ken Loach e outras 50 personalidades

O direito a manifestar-se é um direito não negociável. Mas o que se desenha localmente é uma sociedade construída sobre a criminalização das lutas políticas.

Neste momento, existe na França uma atmosfera bem estranha. Apesar de quão duvidosa foi a mobilização que desfilou pelas ruas de Paris no 11 de janeiro depois dos atentados contra o Charlie Hebdo e o Hipermercado judeu Cacher de Vincennes, foram quatro milhões de pessoas as que escolheram manifestar-se para rechaçar os atentados e para aferrar-se a certos valores democráticos. Como bem assinalava a imprensa internacional, foi através desta “mani”, espécie de expressão francesa de manifestação coletiva, que os franceses haviam decidido expressar sua emoção. Hollande e seu governo jogavam a carta da emoção e também da responsabilidade, apresentando-se assim como os paladinos da liberdade de expressão. Mas esta, na França, tanto antes como depois deste desfile histórico, não parece ter sempre o mesmo padrão, na verdade bem pelo contrário. Há territórios e cidades onde manifestar-se te põe entre as grades.

Seja em Notre-Dame-des-Landes, em Sivens, em Nantes, em Lyon ou em Toulouse, ali não costuma ser como no 11 de janeiro. Manifestar-se sim, mas fazer homenagem ao jovem militante ecologista (Rémi Fraisse) morto por um tiro de granada dos policiais na noite de 25 a 26 de outubro, isso já não. Manifestar-se sim, mas não contra a série de violências policiais cometidas depois que a Prefeitura proibiu outras tantas. Manifestar-se sim, mas não contra a proibição de manifestar-se. Estas proibições que se repetiram em todo o território francês metropolitano, são grandes atentados contra os direitos democráticos fundamentais. Muitos são os que em novembro não aceitaram os ditames do Vigipirate, conduzidos à justiça e, aos poucos, condenados. Alguns com cargos e multas… Outros com penas de prisão. É o caso de Gaëtan, estudante de Toulouse de História da Arte na Universidade do Mirail (Toulouse 2 Jean Jaurès), militante político e sindical, preso no contexto da manifestação proibida do 8 de novembro. Em primeira instância, ele foi condenado a uma pena de prisão com serviços e uma multa. O juiz depois recorreu para agravar a sentença, condenando-o a 6 meses de prisão dos quais dois na cadeia.

Obviamente, a justiça oficial sabe sempre encontrar motivos para transformar uma resistência política em um crime de direito comum, inventando provas e colocando de testemunhas os próprios policiais. A justiça oficial, de antemão, sabe comprazer a estes quando são os autores das barbaridades que cometem.

Clemente com os assassinatos de Malik, de Zyed ou de Bouna (o veredito saberemos em maio), jamais condenados à prisão, não tem clemência por sua vez com aqueles que reivindicam o direito elementar de opor-se à organização social ou a determinadas políticas. O que se reforça e se desenha localmente, a partir da manifestação, um piquete ou uma mobilização, é uma sociedade construída sobre a criminalização das lutas sociais e políticas, e podemos temer que isto passe de ser local a geral em todo o país. No dia de hoje em Toulouse, feita em “cidade-laboratório” na França, a mínima mobilização que adote uma dimensão um pouco política, feminista, antirracista ou de solidariedade com o povo palestino é vigiada, quando não proibida, como se o mais mínimo ato militante público carregasse em si mesmo a semente do terrorismo.

Em sua mensagem de apoio a Gaëtan, Erri de Luca remarca como o “direito a manifestar-se é um direito inegociável”. Sabemos de uma coisa. “Não à prisão de Gaëtan e todxs xs condenadxs por terem manifestado”, este é o nome da campanha atualmente direcionada a denunciar todas estas injustiças à quais nos querem acostumar. Nos ligamos aqui a este rechaço e somos testemunhas de nossa solidariedade com ele e com os outros condenados depois das manifestações contra as violências policiais. Convidamos a cada um a que seja consciente da gravidade da situação atual.

Assinam: Marc Abélès, antropólogo e diretor de pesquisas em EHESS e CNRS; Gilbert Achcar, professor, Universidade de Paris-8 e SOAS, Universidade de Londres; Tariq Ali, escritor e diretor; Etienne Balibar, professora emérita, Universidade de Paris-Ouest; Ludivine Bantigny, historiadora, professora titular, Universidade de Rouen; Emmanuel Barot, filósofo, professor titular HDR, Universidade Jean Jaurès/Mirail de Toulouse; Enzo Traverso, historiador, Cornell University; Michel Broué, matemático, professor, Universidade Paris-Diderot; Sébastien Budgen, editor; Judith Butler, filósofa, Universidade de Berkeley, Califórnia; Vincent Charbonnier, engenheiro, IFÉ- ENS de Lyon; Anne Clerval, professora titular de geografia, Universidade Paris-Est Marne-la-Vallée; Alexis Cukier, doutor e, filosofia, ATER, Universidade de Poitiers; Sonia Dayan-Herzbrun, socióloga, professora emérita, Universidade Paris Diderot-Paris 7; Jean-Numa Ducange, historiador, professor titular, Universidade de Rouen; Cédric Durand, economista, Universidade Paris 13; Franck Fischbach, filósofo, professor na Universidade de Estrasburgo; Geneviève Fraisse, filósofa, diretora de pesquisa emérita, CNRS; Bernard Friot, sociólogo e economista, Universidade de Paris-Ouest; Franck Gaudichaud, professor titular na Civilización hispano-americana, Universidade Grenoble-Alpes; Barbara Glowczewski, antropóloga, diretora de pesquisa no CNRS e no Collège de France; Fabien Granjon, sociólogo, professor, Universidade Paris 8; Razmig Keucheyan, sociólogo, professor titular, Paris Sorbonne-Paris IV; Stathis Kouvélakis, filósofo, King’s College, Londres; Ken Loach, realizador; Frédéric Lordon, economista, CNRS; Michael Lowy, filósofo, CNRS; Olivier Neveux, historiador da arte, professor, Universidade Lyon 2; Ugo Palheta, professor titular em Ciências da Educação, Universidade Lille-3; Willy Pelletier, sociólogo, Universidade de Picardie; Paul B. Preciado, filósofo, Universidade de New York; Jacques Rancière, filósofo, professor emérito, Universidade Paris 8; Kristin Ross, professora de literatura comparada, New York University; Valentin Schaepelynck, professor titular em Ciências da Educação, Universidade Paris 8; Guillaume Sibertin-Blanc, filósofo, professor titular HDR, Universidade Jean Jaurès/Mirail, Toulouse; Eduardo Viveiros de Castro, antropólogo, Museu Nacional, Rio de Janeiro; Slavoj Žižek, filósofo, Universidade de Ljubljana, Eslovênia.

Planeja-se manifestações para esta sexta-feira: em Paris, praça Saint Michel às 18:30 horas; e em Toulouse, Praça Jean Jaurès, à 18h.

Fonte: Libération




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