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MEC negacionista e Reitorias oportunistas: impasses do movimento estudantil na pandemia

Marie CastañedaEstudante de Ciências Sociais na UFRN

Douglas SilvaProfessor de Sociologia

quinta-feira 3 de dezembro de 2020 | Edição do dia

Acompanhando todo o negacionismo reacionário de Bolsonaro, nesta quarta-feira (02), o MEC emitiu uma portaria que determinava volta às aulas nas federais em janeiro, demonstrando novamente sua total indiferença com as mais de 173 mil mortes pela COVID 19 no Brasil. Esta medida portanto nega, assim como seu presidente, o verdadeiro estado da pandemia da covid-19 no Brasil e passa por cima da comunidade universitária, que deveriam ser os verdadeiros responsáveis por decidirem quando e como voltar. Após amplo repúdio nas redes sociais em meio ao aumento de casos e o pronunciamento de diversas Reitorias de que não acatariam à medida, a portaria foi revogada em tempo recorde, com o Ministro da Educação Milton Ribeiro afirmando que havia feito consultas. Com mais de 13 Instituições Federais de Ensino Superior sob intervenções autoritárias não é de se espantar qual tenha sido o resultado de sua consulta.

As primeiras Reitorias a se pronunciarem foram da UFBA, UFMG e UFJF, afirmando que não retornariam o funcionamento presencial e cumpririam seus próprios calendários já aprovados nos seus Conselhos, afirmando zelar pela segurança sanitária e a manutenção do Ensino Remoto. Esta oposição em torno da medida de reabertura presencial escancarou um verdadeiro impasse no qual o movimento estudantil está. Queremos fazer com este artigo uma contribuição inicial para pensar como superá-lo.

Este impasse se dá fundamentalmente porque por um lado existe todo o reacionário negacionismo de Bolsonaro e seus ataques, cujo MEC a esse ponto de convocar os estudantes a voltarem presencialmente em meio à aceleração de casos da pandemia, por outro existe todo o regime do Golpe Institucional de 2016, que é parte da aplicação de cada um dos ataques contra a classe trabalhadora e a juventude, promovendo o avanço da precarização da vida e do trabalho que se prostra como “ala sensata” frente à pandemia e que chega até mesmo a defender quarentena, mas pactuou as reaberturas à gosto dos lucros e o faz demagogicamente com o objetivo de seguir aplicando os ataques, um setor completamente oposto à necessidade de uma universidade à serviço das necessidades da população. O movimento estudantil assiste essa precarização brutal da educação nos computadores, tablets ou celulares e com os estudantes fragmentados, sendo obrigados a recorrer a saídas individuais para a precarização da vida de conjunto.

A medida do MEC veio depois de uma série de ataques do governo federal, cujo corte mais recente chegou a R$ 185 milhões, em um cenário de altíssimos índices de evasão com a implementação do Ensino Remoto e declarações de distintas Reitorias sobre a impossibilidade de seguir funcionando a partir dos cortes. Como nós da Faísca denunciamos desde o começo da pandemia, o Ensino Remoto significa a precarização estrutural da universidade, a abertura crescente para a privatização e a expulsão dos estudantes filhos da classe trabalhadora, mães, negras e negros que furaram o filtro social do vestibular.

Com a alta do desemprego e a degradação das condições de vida pela crise econômica turbinada pela pandemia, a impossibilidade de seguir cursando a graduação é crescente e para que toda a potencialidade inventiva de combate à pandemia e à crise econômica e social vivida concentradas nas universidades possam se desenvolver, precisamos combater o conjunto do regime do golpe, de forma independente e contra a estrutura de poder da universidade, por uma ciência à serviço da classe trabalhadora e do povo pobre.

Temos que dizer que há uma crise nas universidades públicas hoje. Ela está no congelamento de contratação de professores, no corte das bolsas de pesquisa, da permanência estudantil, do sucateamento das moradias como o CRUSP ou na inexistência delas. Uma crise que tanto Bolsonaro, quanto os partidos, políticos e reitores, que são parte desse regime do golpe institucional, querem aprofundar para enxugar os Ifes cada vez mais, voltando toda a produção técnica e científica a produção de patentes e tecnologias para gerar lucro às grandes empresas, e a formação dos filhos da classe trabalhadora à nova realidade do trabalho uberizado, informal, sem direitos. O movimento estudantil precisa apresentar o seu próprio projeto de universidade que supere a lógica privatista aprofundada por uma estrutura de poder herdeira da ditadura.

Além dos cortes protagonizados por Bolsonaro e militares, o governo também foi responsável por, seguindo prática instituída na ditadura, nomear interventores em 13 universidades pelo país, sendo que as mesmas nomeações foram em grande maioria de candidatos derrotados nas consultas públicas ou de candidatos que sequer concorreram.

A portaria do MEC, ainda que recuando frente ao rechaço por ampla parte da comunidade acadêmica, é mais uma demonstração do reacionarismo do governo Bolsonaro e Mourão, que busca impor suas decisões e ataques por cima de toda e qualquer vontade da ampla maioria da comunidade acadêmica.

Por outro lado, os ataques dos governos não passaram sem combate por parte da juventude. Em maio de 2019, mais de um milhão de jovens, estudantes, professores e trabalhadores das universidades tomaram as ruas em todo o país, como parte do enfrentamento ao governo Bolsonaro que havia anunciado um corte de 30% do orçamento da educação, continuando e aprofundando a agenda de ataques do golpe institucional que já havia congelado os gastos públicos em 2016 com a PEC 55 do Temer. Naquele momento também avançava as negociações para a Reforma da Previdência, aprovada tempos depois com ajuda de Maia e todo o Congresso golpista. Organizações estudantis como a UNE, dirigida pelo PT e PCdoB, retiraram as bandeiras de combate a Reforma da Previdência, como parte de abaixar a cabeça para as chantagens do governo que dizia recuar nos cortes da educação em troca da aprovação da reforma, se recusaram a coordenar a luta nacionalmente, trabalhando na contramão da auto organização dos estudantes e de sua unificação com os trabalhadores, como seguem até hoje e demonstraram promovendo atividades com Reitores como Knobel da UNICAMP, um dos primeiros a implementar o Ensino à Distância.

Com o fim do segundo turno das eleições municipais, o presidente da Câmara dos Deputados Rodrigo Maia (DEM) já cantou o futuro: acelerar trâmites para aprovar a PEC Emergencial e a Reforma Administrativa, que impedirá a realização de concursos públicos por dois anos, promovendo privatização, precarização e terceirização e cortando verbas da saúde e educação. De acordo com a Andifes, o valor necessário para atender os estudantes que precisam de assistência, precarizada e insuficiente, é o dobro do atual, de R$ 1.016.427, uma quantia irrisória se comparada com o orçamento reservado para o pagamento da Dívida Pública para enriquecer os bolsos dos banqueiros internacionais, fim último de todos os ataques.

A própria Isabel Hartmann, pró-reitora de graduação da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) e integrante da Andifes, a associação de reitores das universidades federais do país afirmou para o G1 que “Podemos dizer que 50% dos alunos das universidades federais são pessoas em vulnerabilidade social. E sabemos que, na sociedade como um todo, as famílias têm sido muito impactadas”, o impacto de cada uma destas medidas tem portanto destino certeiro.

O papel das Reitorias

As universidades brasileiras concentram contrastes estruturais inegáveis, enquanto Reitores e pró-reitores recebem salários de dezenas de milhares de reais, estudantes recebem bolsas de R$ 400,00 e trabalhadoras terceirizadas mantêm a universidade funcionando, mas são precarizadas com salários de miséria e ausência de direitos. Este era o cenário anterior à pandemia, que se agravou, com centenas de demissões, o não pagamento de direitos mínimos como denunciaram as trabalhadoras terceirizadas do Hospital Universitário da USP na semana passada em manifestação, universidade na qual faleceram dois trabalhadores do grupo de risco na semana passada.

Na pandemia, rapidamente foram instaurados Comitês formados pelas próprias Reitorias para apresentar o aval de funcionamento, determinando a continuidade do trabalho presencial dos trabalhadores terceirizados, expondo os trabalhadores dos grupos de risco. Neste momento defendemos abaixo-assinados e medida para que todos os trabalhadores do grupo de risco fossem liberados com remuneração integral, em especial a partir das entidades das quais a Faísca é parte, como o CAELL-USP e o CADI_UFRGS, impulsionando a mesma campanha pela nossa representação no CADE-UFRN. No mais, bolsas foram cortadas, obrigando estudantes a assumirem postos de trabalho informais e precários que dificultam o seguimento dos estudos e a verdadeira face da solução do Fica em Casa se mostrou, obrigando a imensa maioria dos trabalhadores e jovens trabalhadores a se exporem à pandemia para poderem se manter. Enquanto a pandemia tomava o país e dezenas de milhares de mortes eram registradas, as Reitorias foram responsáveis por realizar demagógicas consultas aos estudantes para verificar suas condições materiais para realizar o ensino remoto, uma oportunidade de ouro para os tubarões de ensino, apoiados na pandemia para promover o Ensino à Distância. Auxílios instrumentais foram aprovados, com o condicionante de criar uma dívida com o Estado caso o estudante reprove nas disciplinas como na UFRN ou empréstimos de materiais foram cedidos que continham aplicativos de rastreamento acompanhando cada uma das atividades realizadas no computador.

As medidas foram aprovadas por meio do Conselhos Universitários, que possuem distintas conformações, mas uma fórmula única: enquanto estudantes e trabalhadores, que compõe a imensa maioria da comunidade acadêmica tem direito a 15% dos votos respectivamente, docentes têm direito a 70%, além de existirem cadeiras cativas patronais. Trabalhadores terceirizados não possuem qualquer representação. O autoritarismo desta estrutura de poder anti-democrática se desnudou com as implementações do Ensino Remoto, e hoje buscou se localizar como responsável.

Hoje a portaria do MEC realmente anunciava sua decisão de complementar o corte de recursos com o corte de estudantes, trabalhadores e professores. Mas a defesa do Ensino Remoto e da estrutura de poder universitária tampouco pode responder à pandemia, crise econômica e social que vivemos, muito pelo contrário, ajuda a implementar o projeto precarizante e privatizante de educação. Por um lado, é urgente exigir a expulsão imediata de cada um dos interventores de Bolsonaro, dos quais a interventora Ludmilla Oliveira na UFERSA é um caso emblemático, que persegue o movimento estudantil e aparece em pronunciamentos com um quadro do Ditador Costa e Silva, signatário do AI 5, pendurado na parede, em uma defesa de autoritarismo ainda maior da estrutura de poder universitária. Mas as Reitorias sem interventores não deixam de ser verdadeiras gestoras das universidades, o que no regime do Golpe Institucional significa atacá-las.

O movimento estudantil precisa urgentemente superar qualquer tipo de ilusão na estrutura de poder vigente, e batalhar por uma Estatuinte Livre e Soberana, em que cada membro da comunidade acadêmica tenha direito a um voto, incluídos os trabalhadores terceirizados e se possa debater e discutir quais devem ser os rumos da universidade, o que só pode ser imposto pela força da nossa mobilização independente, sem nenhuma confiança na Reitoria. Chamamos a Oposição de Esquerda da UNE, composta pela Juntos, Afronte e outras correntes do PSOL, assim como a Correnteza e UJC, a romper com a lógica que vem atuando, defendendo saídas de suavização do impacto do Ensino Remoto e manutenção da confiança na estrutura de poder da universidade.

O combate à pandemia, ao caos social e o papel das IFES

Diferentemente de qualquer ilusão que possam criar, sobretudo os empresários da educação e setores do regime político, não acreditamos que, frente a crise do coronavírus, a saída seja o Ensino Remoto, o mesmo que abre caminho para o Ensino à Distância responsável pela precarização da educação e aos grandes monopólios da educação privada que visam explorar da situação para colocar seus projetos privatistas e de sucateamento na mesa.

O debate ao redor das vacinas contra a COVID-19 está no centro, com ajudas estatais bilionárias, multinacionais da Big Pharma disputam o desenvolvimento mais rápido de uma vacina, protegida por patentes e que servirá para enriquecer ainda mais os gigantes da indústria farmacêutica. Para garantir vacina para todos, seria elementar quebrar as patentes e que as universidades estivessem à serviço de garantir essa necessidade. Isso é parte central de pensar qual combate precisa ser dado para que o movimento estudantil para que as universidades não assistam a total precarização que exclui os filhos da classe trabalhadora, mas sim arranquem uma universidade que esteja à serviço da classe trabalhadora e do povo pobre.

Propomos um exercício imaginativo com a audácia de batalhar para concretizá-lo: O que poderia ser feito se as IFES estivessem integralmente à serviço do combate à pandemia e atenção às necessidades dos trabalhadores e do povo pobre?

Toda a capacidade técnica e científica poderia ser concentrada para responder à crise instalada no país. Seja com a realização de testes massivos, fabricação de itens de prevenção ao vírus, buscado através da quebra de patente contribuir com a busca por uma cura efetiva, seja com o oferecimento de cursos de capacitação profissional, ou desenvolvendo pesquisas antropológicas que colaborassem com os cursos de arquitetura e engenharia civil para responder ao estrondoso déficit habitacional e à falta de saneamento básico que atinge mais de 9 milhões de pessoas no Brasil, as possibilidades seriam verdadeiramente infinitas. É por esta função social para a universidade que nós da Faísca queremos batalhar, para combater qualquer lógica mercadológica.

Estas ambições vão na contramão do que hoje a União Nacional dos Estudantes impulsiona. Dirigida pelo PCdoB e pelo PT, assim como as Centrais Sindicais CTB e CUT, são agentes da implementação dos ataques junto ao regime do Golpe Institucional, como ficou demonstrado na atuação conjunta a Marcelo Knobel, Reitor da UNICAMP, para vender a implementação do EAD como democrática. O PT, que governou o país por 13 anos junto ao PCdoB, garantiu os lucros dos empresários e promoveu cortes históricos nos últimos anos do governo de Dilma Rousseff e sua conciliação em nome da governabilidade, que só fortaleceu os atores do Golpe Institucional, precisa ser urgentemente superada, coisa que claramente o PT não fez, aliado em mais de 140 cidades com o PSL, partido que elegeu Bolsonaro e em mais de 600 com o DEM, partido herdeiro da Ditadura Militar e de Rodrigo Maia, paladino da Reforma da Previdência. Assim também é inadmissível a atuação das organizações que compõe a Oposição de Esquerda da UNE, com as diferentes correntes do PSOL, a UP e o PCdoB, que nas eleições municipais se prestaram a colocar confiança na possibilidade de um governo de esquerda com os golpistas e burgueses Rede, PSB e PDT, enquanto o governo deste último reprimia brutalmente a população sem luz há mais de vinte dias por conta dos efeitos da privatização. Repetindo o mesmo caminho de conciliação de classes também aliados ao PT e ao PCdoB, com a Resistência-PSOL que impulsiona a juventude Afronte! chegando ao cúmulo de chamar voto em Eduardo Paes “contra o bolsonarismo”, este que eleito tomou como primeira decisão ligar para Bolsonaro. No âmbito das universidades, seus DCEs atuaram buscando mitigar os efeitos do Ensino Remoto, não levando e impulsionando a indignação que se expressou por diversas vezes nas redes sociais frente à cada ataque, mas depositou essa disposição em confiança na atuação nos Conselhos Universitários, sem atuar para auto organizar os estudantes contra os ataques.

É preciso que se enfrente a lógica empresarial nas universidades públicas, as quais muitas das vezes se vêem em parcerias público-privadas que inclusive incentivam que equipes de pesquisa concorram entre si, condicionadas pela lógica do capital, única linguagem que as grandes empresas e capitalistas compreendem. Portanto, para que processos produtivos e materiais importantes no combate à pandemia sejam colocados à serviço da grande maioria da população, é fundamental que essas patentes sejam quebradas. Sendo, também, necessário, que sejam os trabalhadores a controlarem as empresas que produzem tecnologias e pesquisas úteis para o combate da pandemia, se enfrentando com a lógica dos segredos empresariais que atrasam pesquisas e submetem nossas universidades aos interesses do mercado. Isso se combina com a necessidade de unificação em luta com os estudantes das universidades privadas, cuja taxa de evasão, frente ao desemprego e à crise econômica, chega a 40%, sendo que são 80% de todos os estudantes de ensino superior no Brasil.

Esta é uma batalha central e determinante para entender à serviço de quem o conhecimento e o futuro da juventude são entregue, com representantes para além de Bolsonaro, mas também Mourão, o Congresso Nacional, o STF e todos os golpistas, estes últimos do mal-chamado Centrão herdeiro da Ditadura Militar que se fortaleceram nas eleições municipais. Para defender elementos democráticos como a expulsão imediata dos interventores de Bolsonaro e que possamos definir nós mesmos os rumos das universidades, ou a revogação de cada uma das reformas anti-operárias aprovadas que atingem em cheio a educação, levantamos a necessidade de uma Assembleia Constituinte Livre e Soberana, onde o povo possa decidir suas próprias leis, para impormos medidas que atinjam os lucros capitalistas por meio da nossa mobilização.




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