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CULTURA | Luiz Ruffato: “O que faço é realismo capitalista”

Durante o Festival Internacional de Literatura de Córdoba, o escritor brasileiro contemporâneo Luiz Ruffato visitou a província mediterrânea. Após uma prolongada palestra, juntamente com a escritora cordobesa Eugenia Almeida, La Izquierda Diario aproveitou a oportunidade para conversar com ele.

Luis Bel@Hachedebel

terça-feira 6 de setembro de 2016 | Edição do dia

Nascido no seio de uma família operária de imigrantes italianos, Luiz foi o primeiro a obter estudos universitários. Trabalhava na área de vendas, ao mesmo tempo que estudava jornalismo a noite na Universidade de Juiz de Fora em Minas Gerais. Trabalhou como jornalista em São Paulo até que finalmente se decidiu dedicar-se exclusivamente à literatura. Sua origem imigrante e da classe trabalhadora se vê refletida em suas obras. Em seu ciclo de cinco romances intitulado Inferno Provisório (2005 – 2011), retrata a história da industrialização do Brasil a partir dos anos 50. Em Eles eram muitos cavalos (2001), uma história narrada em 69 fragmentos, toma as contradições da vida cotidiana em São Paulo, a cidade mais populosa do Brasil. Com este trabalho obteve o Troféu APCA (entregue pela Associação Paulista de Críticos de Arte) e o prêmio Machado de Assis como melhor romance de 2001, entre tantos obtidos ao longo de sua carreira.

A entrevista recheada de humor...

(Risos) Sim, os escritores costumam manter toda uma postura de seriedade. Mas não é necessário ser sério, para dizer coisas sérias.

Disse antes que se considera um operário da palavra, conte nos um pouco mais.

Bom, eu fui jornalista até 2003, aí decidi abandonar o jornalismo para me dedicar à literatura, mas viver das letras no Brasil é impossível. Então tenho uma espécie de cesta de ovos. Um ovo são os direitos autorais, outro os festivais literários, as férias, as palestras nas universidades, trabalho muito. Por isso digo que sou um operário que hoje têm outra atividade, que é intelectual, mas sou um trabalhador.

Também declarou que não fazia realismo socialista, mas na verdade um realismo capitalista. Como seria esse realismo?

É que o universo de que tratam meus livros, que é um universo habitado por operários e operárias humildes, trabalhadores de classe média baixa urbana, é um universo muito particular. No Brasil quase nenhum autor trata dessa temática. Então, para contrastar a ideia de que para se tratar desse material tem que se fazer realismo socialista – que para mim não me agrada nada, por que o realismo socialista tem a intenção de criar um romance coletivo em detrimento dos indivíduos, no qual os personagens não têm individualidade- eu procuro construir ao invés, um romance coletivo onde os mais importantes são as pessoas, os indivíduos que constituem o coletivo. Por isso digo que faço um realismo capitalista.

Por que ninguém toma a classe trabalhadora como temática? A que se deve esta separação tão grande entre a literatura e os trabalhadores?

A literatura é uma arte que exige uma educação, os trabalhadores são educados unicamente para trabalhar com máquinas. Não para realizar um trabalho intelectual. No Brasil, a educação formal de qualidade é somente para a classe média e alta. Por isso, a representação ou a autorepresentação trabalhadora na literatura são quase impossíveis. Porque um indivíduo tem que sair da classe trabalhadora média baixa e conseguir uma educação para poder representar isso, e é muito difícil. Muitos dos que o fazem, a primeira coisa que querem é apagar o passado, para serem aceitos, não se fala sobre o passado.

Você assinalou que para você são mais importantes o ritmo e a linguagem que a história. Isso se estende a todos os gêneros?

Sim, eu acredito que a literatura não tem que possuir uma bandeira, a bandeira possui os leitores e em todo o caso os escritores. A literatura tem que representar a realidade da melhor maneira possível, e a realidade é demasiado complexa, ali o autor não tem que fazer nada. Por isso o escritor tem como instrumento a linguagem, que representa essa realidade. E o ritmo, sem o ritmo não há nada, o coração tem um ritmo, sem isso não há nada. A história, é relativamente importante, mas não fundamental. O mesmo vale para o escritor, uma obra que não é lida, não existe, então o leitor é ainda mais importante.

Até há alguns anos nos cursos de Letras a matéria Literatura Latino-americana se chamava Hispano-americana. Qual o motivo de ser tão custosa a inserção da Literatura Brasileira na Latino América, seria talvez, pela barreira que implica a língua?

A língua é importante, mas mais importante é que no Brasil não se têm a ideia de “latino-americanos”, de “pátria grande”, não existe essa ideia geopolítica. Não há um pensamento de que somos irmão de Argentina, Equador, ou Colômbia. Não somos irmãos de nada. Somos egoístas e desinteressados com o resto da América Latina, porque desejamos ser europeus, africanos, norteamericanos e não somos. Ademais, a história política do Brasil é muito distinta da história da América Hispânica. Enquanto aqui se conformavam repúblicas e nasciam as nações modernas, nós éramos um império; enquanto em quase todo o mundo a escravidão já pertencia ao passado, no Brasil havia escravidão. Não é somente a língua, é importante, sim, mas, há o medo na relação entre a América latina e o Brasil. E é lógico, porque o Brasil sempre foi imperialista.
Quando se referiu aos distintos cenários da Literatura Brasileira, quando caracterizou a denominada “Literatura Marginal” mencionou que faltava qualidade estética. Pode ampliar essa visão?

É uma questão muito importante para mim. Ao mercado editorial, interessa essa literatura marginal, mas como um fenômeno antropológico e sociológico. Isto é uma armadilha, porque os escritores creem que fazem literatura.

O mercado apoia, mas não há desenvolvimento dessa literatura para além do comercial, porque se esgota em si mesma. O passo seguinte seria transformar esse desejo e essa potência, em verdadeira literatura. Trabalhar o ritmo e a linguagem, mas sem perder a história.

Então é um documento político, antropológico e sociológico, mas não é literatura. Do meu ponto de vista, pelo menos, posso estar equivocado.




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