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TRABALHADORES DA USP | Lições da Greve das Trabalhadoras do Hospital Universitário da USP: a luta por vacina para todos

Babi DellatorreTrabalhadora do Hospital Universitário da USP, representante dos trabalhadores no Conselho Universitário

Marília LacerdaDiretora de Base do Sindicato dos Trabalhadores da USP-HU

quinta-feira 8 de abril de 2021 | Edição do dia

Entre os dias 01 e 04 de fevereiro, as trabalhadoras e trabalhadores do HU da USP organizaram uma contundente greve que contou com amplo apoio interno para garantir que todos fossem vacinados: trabalhadores efetivos e terceirizados, temporários, residentes e estudantes da saúde; denunciando também a falta de vacina para toda a população.

Retomamos as lições desta ação dos trabalhadores do HU, porque enriquecem a experiência para as lutas de toda a classe trabalhadora.

1-A batalha por vacina para todos: a independência de classe e a greve como método de luta

Bolsonaro, com seus ministros militares, conduziu o país direto à pior fase da pandemia: mais de 3 mil mortes por dia. O estado e a cidade de São Paulo também atingem dolorosos recordes de mortes, mesmo com um governo que defendia demagogicamente a ciência e vacina no combate a pandemia. Ou seja, nenhum governo tomou as medidas essenciais para combater a pandemia, como contratação de trabalhadores da saúde para ampliar a capacidade do SUS; testagem RT-PCR periódica para identificar os contaminados e organizar racionalmente a quarentena; não organizaram a conversão da produção industrial para garantir os equipamentos hospitalares, EPIs e os insumos para testes e medicamentos; etc.

Passado um ano de experiência com essa política dos governos, mas também frente ao descaso cotidiano da superintendência do HU e da reitoria da USP que ignoraram as necessidades de adequação das condições de trabalho para proteger os trabalhadores, a alternativa frente a falta de vacina era uma só: a luta.

De um pra outro, do outro pra um terceiro e em poucos minutos todos os trabalhadores já sabiam que a vacinação tinha começado, que as doses eram insuficientes para todos e que a superintendência racista estava excluindo as trabalhadoras terceirizadas. A indignação se espalhou pelos setores com a fúria de quem está aguardando somente a última gota para transbordar. Nesse momento, não coube desculpas de que “está chegando mais doses”, ou “confia que a superintendência vai garantir doses para todos”. Assim, como só garantiu mascara para todos depois de várias manifestações e ainda está obrigando os que são do grupo de risco se exporem, por que a superintendência faria diferente agora? Frente a falta de vacinas em todo o estado e nacionalmente, por que os trabalhadores do HU deveriam confiar em Dória?

Rapidamente organizaram uma assembleia e junto com seu sindicato, o Sintusp, os trabalhadores do HU levaram adiante uma greve por vacina para todos. O PT e a esquerda apoiavam os governadores contra Bolsonaro ao invés de apoiar e ajudar a desenvolver em outras categorias lutas como esta do HU. Isso poderia ter ajudado desenvolver uma luta nacional pela vacina, mas também por todas as medidas necessárias frente a pandemia para evitar o sofrimento do povo trabalhador que hoje enfrente a fome e o desemprego, junto com a perda de seus familiares e amigos. Esse sentido é importante porque aponta para uma resposta política dos trabalhadores frente a direita bolsonarista, mas também contra os militares, o judiciário e o congresso que permitiram o golpe e agora buscam consolidar um regime no qual a classe trabalhadora não tem nenhum direito.

2- Auto-organização e unidade: superar a divisão interna

A greve foi deflagrada numa assembleia dos trabalhadores do hospital e contou com apoio de seu sindicato. A decisão foi divulgada pelos grupos de whatsapp, durante o dia de trabalho, e por todos os setores foram sendo organizadas as escalas mínimas para iniciar a greve no dia 1º. Com a experiência das greves anteriores, em particular a de 2014, a cada fato novo os trabalhadores em greve discutiam, analisavam e definiam como seguir. Foi fundamental que as decisões de iniciar e encerrar a greve tenham sido tomadas pelos próprios trabalhadores no seu espaço democrático de deliberação que é a assembleia. Foi na assembleia também que expressaram a indignação frente ao tratamento diferenciado por parte da administração com os terceirizados e decidiram que a luta era por todos, para que todos fossem vacinados.

Nesse momento de luta, onde fica claro que a maior força está na unidade, os trabalhadores superaram os limites impostos por uma organização que divide trabalhadores da enfermagem dos administrativos, dos técnicos de laboratório e farmácia, dos trabalhadores da nutrição, manutenção etc. Isso porque não faz sentido se organizar separadamente se estão todos juntos sofrendo os impactos da política negligente da superintendência.

No sentido de ampliar a unidade entre os trabalhadores do HU, nós do movimento Nossa Classe defendemos desde o início da pandemia que os trabalhadores não fossem divididos em diferente grupos de whatsapp, porque isso nos enfraquece, mas infelizmente não houve acordo por parte do sindicato.

3- Vacina para todos: efetivos, temporários e terceirizados uma só classe, uma só luta

Os trabalhadores em greve, conforme a vacinação avançava fruto da luta, reforçavam a necessidade de que todos os trabalhadores, sem distinção, fossem vacinados. Isso significava não somente imunizar os médicos, o corpo da enfermagem e os trabalhadores efetivos da administração, mas os residentes, os trabalhadores terceirizados da segurança, atendimento e da limpeza.

Isso contrasta com a política da reitoria da USP e da atual superintendência que precarizaram as condições de trabalho com o avanço da terceirização, segregam esses trabalhadores, como se fossem invisíveis ou como se suas vidas valessem menos assim como o seu trabalho, que são os menores salários da universidade.

O gesto dos trabalhadores do HU em luta significa muito mais que solidariedade, avança para construir uma unidade potente da nossa classe, pois ao bradarem “todo trabalhador do hospital não importa o setor é um trabalhador da saúde na linha de frente” se colocavam como uma só classe a serviço de uma só luta. Já não eram apenas 1300 efetivos, eram mais de 2mil que, ao lutar juntos pela vacina, lutavam também contra a divisão da nossa classe. Um grande exemplo de unidade a ser seguido.

É um grande exemplo contra a política que teve o PT durante seus governos em que triplicou o trabalho precário e que mantem as grandes centrais sindicais, como CUT(PT) e a CTB(PCdoB), que não batalham pela unidade entre efetivos e terceirizados nos sindicatos que dirigem. É nessa divisão que hoje se apoiam a direita, o Congresso, os governos e a mídia para contrapor o pagamento do auxílio emergencial aos direitos do funcionalismo público. O Congresso dos Trabalhadores da USP há anos aprovou a defesa dos terceirizados através da efetivação sem concurso público. E nós do Movimento Nossa Classe, como parte desta tradição, mantemos esta luta viva no dia a dia nas unidades em que estamos.

4- A força da unidade entre trabalhadores e estudantes

Desde o primeiro dia de greve, mas também nos atos por EPIs no inicio da pandemia, os estudantes da Juventude Faísca – que também constroem as atuais gestões dos Centros Acadêmicos da Letras (CAELL) e da Pedagogia (CAPPF) – estiveram ao lado dos trabalhadores do HU apoiando e ajudando a construir a luta pelas vacinas. Ainda que os estudantes sejam um grupo heterogêneo, é importantíssimo que exista um setor que busca construir uma aliança operário-estudantil. Esta aliança tem um potencial estratégico para combater o projeto da reitoria que veio desmontando o HU o que levou ao fechamento do PS adulto e infantil, mas que também aprofundou a precarização das condições de trabalho, do ensino, da pesquisa e reduziu drasticamente as políticas de permanência estudantil.

A reitoria teme a força dessa aliança que pode se chocar frontalmente com esse projeto de universidade cada vez mais elitista e que reproduz os ataques aos trabalhadores feitos pelo governo Bolsonaro e pelo regime autoritário pós-golpe. Cada vez mais o futuro da juventude depende de sua luta, junto à classe trabalhadora, contra o capitalismo que só apresenta como resposta maior precarização do trabalho e da vida, mais desemprego e fome, e uma grotesca destruição ambiental que avança para colocar em xeque a existência da vida.

Essa aliança operário-estudantil é preciosa para nós do Movimento Nossa Classe e da Juventude Faísca, porque lutamos para que a universidade esteja à serviço dos trabalhadores, da juventude e da maioria da população, e não à serviço de aumentar o lucro da burguesia através controle da pesquisa por grandes empresas, das Fundações Privadas, da terceirização. Essa aliança é necessária para construir a força capaz de reverter o desmonte do HU, conquistar a contratação para abrir plenamente o hospital ao atendimento dos trabalhadores da USP e seus dependentes, e da população da Zona Oeste e retomar a qualidade do ensino para os estudantes da saúde. O Diretório Central dos Estudantes, que é dirigido pelo PT, deveria construir essa aliança ao invés de reforçar a política da reitoria de divisão entre o movimento estudantil e os trabalhadores. Assim também deveriam atuar os Centros Acadêmicos dos cursos da saúde. O último dia da greve expressou o potencial dessa aliança, quando o Centro Acadêmico da Enfermagem se unificou ao CAELL e CAPPF e participou do ato de fim de greve. É preciso aprofundar e ampliar a aliança entre a juventude e os trabalhadores.




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