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RIO DE JANEIRO | Legalizar o aborto contra a absurda criminalização das 42 mulheres no RJ ameaçadas com a prisão

A brutalidade e a hipocrisia capitalista assumem no Rio de Janeiro uma das suas facetas mais brutais dirigidas contra as mulheres, em especial às negras e pobres.

Simone IshibashiRio de Janeiro

terça-feira 31 de julho de 2018 | Edição do dia

Em pleno século XXI as mulheres continuam tendo o direito a decidir sobre seus próprios corpos negado. A proibição do direito ao aborto é uma das maiores expressões disso. De acordo com a legislação de 1940 as únicas exceções em que as mulheres podem fazer o aborto legalmente são nos casos de estupro, má formação do feto ou riscos para mãe. E mesmo isso a bancada da direita quer nos tirar, com projetos como o Cavalo de Troia, de autoria dos golpistas do DEM, que criminaliza o aborto inclusive nos casos que já são legais, como no caso de estupro.

No estado do Rio de Janeiro essa realidade tem custado a vida de muitas mulheres. Somente na cidade do Rio de Janeiro foram 31.756 abortos clandestinos, que resultaram em 7.939 internações por complicações no ano de 2013, de acordo com o pesquisador Mario Giani, do Instituto de Medicina Social da UERJ. Mortes como as de Jandira, que teve seu corpo carbonizado após o procedimento dar errado, ou Caroline, cujo corpo foi jogado nas ruas de um bairro de Duque de Caxias, na Baixada Fluminense seguem ocorrendo cotidianamente.

Não contentes com isso, as mulheres que muitas vezes são obrigadas a recorrer a esse tipo de procedimento na clandestinidade sozinhas, ainda são presas após serem obrigadas a buscar um serviço de Saúde para tratar das complicações. Hoje existem 78 ações penais no Rio de Janeiro entre os anos de 2005 e 2017, das quais a Defensoria Pública analisou 55 processos, sendo que 13 são de terceiros que obrigaram as mulheres a abortarem ou médicos negligentes. As outras 42 são mulheres que correm o risco de serem condenadas de 1 a 3 anos de prisão, simplesmente por não poderem ou querem arcar com mais uma gravidez, segundo levantamento feito pela Defensoria Pública. De acordo com a Agência Brasil a maioria dessas mulheres perseguidas pelo Estado são negras, pobres, tem entre 22 e 25 anos, já tem um filho ou mais, e moram na Baixada Fluminense, uma das regiões mais pobres do estado.

O fato da maioria das mulheres que correm o risco de pegar de 1 a 3 anos de prisão terem o mesmo perfil, isto é, serem negras e pobres não é à toa. As mulheres brancas e das classes média ou burguesa têm condições de pagar por um aborto em clínicas particulares, o que leva a que não estejam tão vulneráveis à correr o risco, seja de morte seja de responder a um processo criminal, tais como as negras e pobres. Como concretização disso, os relatos dos casos no Rio de Janeiro são absolutamente chocantes sobre como a proibição do direito ao aborto legal, seguro e gratuito acaba com a vida dessas mulheres. Uma irmã de uma mulher morta por aborto clandestino relatou em reportagem ao G1.

“Muitas vezes eu aconselhei minha irmã pedindo a ela para não fazer o aborto, mas ela estava desesperada, e com muito medo de ter a criança, pois ela já era mãe de quatro filhos e um deles tem paralisia cerebral. Além disso, o companheiro dela era muito irresponsável. A minha irmã disse que ia na casa de uma mulher chamada Célia para fazer o aborto, e eu não a vi mais. Ela morreu no dia seguinte de manhã”.

Ainda de acordo com a Agência Brasil a ampla maioria das 42 mulheres realizaram o aborto sozinhas, no banheiro de casa, utilizando-se medicamentos e chás, o que gera as complicações e as obriga a recorrer ao atendimento público. Apenas um caso dentre as 42 foi realizado numa clínica clandestina. Em 30% dos casos das 42 mulheres criminalizadas a denúncia partiu das unidades de Saúde. Em 2008 no Hospital Municipal Souza Aguiar uma mulher foi presa após confessar a um policial que se passou por assistente social que havia feito aborto. Em outro hospital, o Miguel Couto na zona sul do Rio, em 2010 uma mulher recebeu voz de prisão de um policial pelo mesmo motivo, algo que ocorreu até mesmo na rede privada em 2011. São violações patentes do sigilo entre pacientes e profissionais da Saúde.

Essa sucessão de violência contra as mulheres deve parar imediatamente. É preciso que o aborto seja um direito, garantido pelo SUS, legal, seguro e gratuito para todas as mulheres que precisam recorrer a esse procedimento, independentemente de suas motivações. Como viemos defendendo a partir do MRT e do Pão e Rosas é fundamental darmos uma saída de fundo a essa situação, lutando não apenas pela descriminalização como propõe a ADPF apresentada pelo PSOL, mas pela legalização do aborto, para que todas as mulheres, e principalmente as negras e pobres possam ter o direito de não pagar e realizar o procedimento com dignidade. É fundamental exigir o encerramento dos processos criminais das 42 mulheres, que de forma revoltante busca condenar essas que já sofreram imensamente pela hipocrisia do Estado capitalista, ajudado agora pela CNBB (Confederação Nacional dos Bispos do Brasil) e sua reacionária campanha contra o direito ao aborto, que se diz a “favor da vida” mas é conivente com a morte de dezenas de milhares de mulheres. A campanha da CNBB batalha não somente contra a ADPF, mas inclusive para retroceder o direito aos casos em que o aborto já é legalizado segundo o código penal de 1940.

No dia 8 de agosto, quando se vota na Argentina a questão do direito ao aborto, façamos como nossas irmãs que naquele país tomaram as ruas, para defender o direito ao nosso corpo. Construamos nesse dia uma ampla mobilização, e abramos caminho para a maré verde que deve tomar nosso país.




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