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ESTRÉIA 'JIMMY'S HALL', DE KEN LOACH | Ken Loach: a Irlanda está em toda parte

O diretor inglês Ken Loach volta às telas com seu novo filme ´Jimmy´s Hall´, no qual resgata a história do comunista irlandês Jimmy Gralton e a sua atuação em Leitrim, sua terra natal.

segunda-feira 17 de agosto de 2015 | 11:54

Loach traz em sua bagagem uma longa tradição de filmes aos quais qualquer crítico poderia colar o rótulo de “panfletário”. Tal pecha, tão mal visto por artistas, críticos e inclusive militantes da esquerda, sem dúvida já fez sua parte para dirimir produções excelentes que, como a obra de Ken Loach, não têm medo de assumir ferrenhamente seu lado na luta de classes.

E é isso que o diretor britânico faz, o que com frequência faz com que seu trabalho seja censurado, como o documentário que fez para a ONG “Save The Children” (Salve as crianças), em 1969, e que foi jogado às traças por cerca de quarenta anos, já que Ken Loach optou por denunciar os inúmeros problemas do assistencialismo desse tipo de instituição, ao invés de fazer o filme que seus patrocinadores esperavam. O resultado é que foi processado por eles, e o outro patrocinador – uma emissora de televisão – retirou seu financiamento; o filme só foi exibido em 2011.

Questionado em uma entrevista se esse tipo de censura o incomodava, Loach respondeu: “Isso deixa bravo, mas não por si próprio, mas por aqueles cujas vozes não se permitiu ouvir. Quando apareciam os sindicatos, as pessoas comuns, do chão de fábrica, nunca apareciam na televisão, nunca eram entrevistadas, e não se permite que elas sejam ouvidas, é escandaloso. E você vê isso uma e outra vez.”

A obra de Ken Loach procura dar voz a essas pessoas em seus filmes, como é o caso de “Jimmy´s Hall”. No interior da Irlanda, em Leitrim, o protagonista Jimmy Gralton é um comunista que acaba de voltar de um exílio de dez anos em Nova Iorque. O motivo é que ele havia criado em seu pequeno vilarejo um salão comunitário, no qual as pessoas ofereciam cursos gratuitos, festas, e confraternizavam. Isso provocou a ira da Igreja, cujo “sagrado” monopólio do ensino foi questionado, e dos latifundiários locais.

O filme se passa na Irlanda dos anos trinta, mas o que é mais interessante é a forma como Loach toma esse relato histórico para falar sobre as questões de hoje. Jimmy fala sobre a crise de 1929 e como a ganância de um punhado de capitalistas levou à miséria e ao desemprego de milhões, e isso mostra ao espectador como a crise atual do capitalismo é mais um episódio do sofrimento imposto por esse sistema aos trabalhadores. Ao vermos retratado o obscurantismo da Igreja Católica na Irlanda dos anos 1930, é triste notar quão próximo está do discurso de nossas bancadas evangélicas, e no racismo com que perseguiam o jazz vemos espelhado o racismo contra as religiões de matriz africana tão vigente nos dias de hoje.

É interessante como o diretor coloca no centro da luta retratada no filme justamente o salão, e não algum aspecto econômico da encarniçada luta de classes na Irlanda. A luta por terra, questão crucial na Irlanda de ontem e no Brasil de hoje, aparece, mas como pano de fundo. O salão, colocado em primeiro plano dessa forma, nos lembra que tão importante quanto a subjugação econômica dos trabalhadores, é o controle ideológico, moral, de nossos corpos, sexualidade, lazer, que exerce a classe dominante. E é nesse papel moral que exerce o papel predominante a Igreja, e, nos dias de hoje, seus aliados como a indústria cultural e a mídia burguesa.

Por tudo isso, “Jimmy´s Hall” vale ser visto: trazendo a luta de companheiros camponeses, trabalhadores, de quase um século atrás, ele fala sobre como essa luta vive nos nossos próprios conflitos, mostrando como a luta de classes permanece inalterada em seus grandes dilemas. Não por acaso, os leitores do Esquerda Diário não encontrarão “Jimmy´s Hall” espalhado nos Cinemarks da vida pelo país inteiro. Em São Paulo, ele passa em apenas duas salas, ironicamente caríssimas e na região da Paulista. Porque essa história, ainda que Ken Loach tenha furado o cerco para contá-la, não é dessas que nossos senhores querem que conheçamos. Pois então, para assistí-la, é necessário furar o certo também.


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