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ESPECIAL ROSA LUXEMBURGO: ÁGUIA DA REVOLUÇÃO | Karl Liebknetch: 100 anos de seu assassinato

“Se se deixar de lado o que é acessório (...) então nos temos plenamente o direito de colocar o nosso trabalho para IV Internacional sob o signo dos três ‘L’, isto é não somente o de Lenin, senão o de Luxemburg e Liebknetch”.

(TROTSKY; Rosa Luxemburg e a IV Internacional 24-06-1935)

Shimenny Wanderley Campina Grande

terça-feira 15 de janeiro de 2019 | Edição do dia

Ilustração: Bernardo Glogowski

Em 15 de janeiro de 1919 foram brutalmente assassinados dois marxistas revolucionários de destaque no movimento operário internacional, Rosa Luxemburg e Karl Liebknetch. Neste artigo, no centenário do assassinato desses dois grandes marxistas, retomamos o legado político e teórico deste último.

O revolucionário alemão Karl Liebknecht era filho de Wilheim Liebknetch, um dos fundadores do Partido Operário Socialdemocrata Alemão (SPD - Sozialdemokratische Partei Deutschlands), este último interlocutor de Karl Marx e Friedrich Engels. Militou na juventude do partido e em 1907, já havia sido preso por seus escritos contra o militarismo durante um ano e meio, sendo eleito deputado por este em 1908 no Parlamento regional de Prússia, e em 1912 para o Reichstag, o Parlamento Alemão.

Levando a frente uma política parlamentar revolucionária, diferentemente do resto dos deputados da socialdemocracia alemã, ele não só é recordado por ser o único deputado a votar contra os créditos de guerra na segunda sessão no dia 02 de dezembro de 1914, contrariando a decisão do SPD, o que foi um fato político importantíssimo, mas também por sua fundamentação denunciando os reais objetivos da guerra, uma guerra imperialista de partilha do mundo entre as grandes potências e que não correspondia a nenhum interesse de nenhum dos povos, bem como objetivava destruir o movimento operário em ascensão.

Ele não só se opôs à guerra no Parlamento burguês, num ato de coragem reconhecido até por liberais como Sebastián Haffner, autor do livro A Revolução alemão (1918-1919), como também denunciou, de forma extraparlamentar, o caráter desta guerra, chamou constantemente à mobilização dos trabalhadores de forma independente contra a guerra, mantendo uma posição internacionalista proletária, socialista internacionalista, frente a maré chauvinista num país imperialista.

Karl Liebknecht é uma grande referência quando falamos de Parlamentarismo Revolucionário, que é a participação dos revolucionários no parlamento burguês, ou seja, a participação de partidos políticos revolucionários no Parlamento de uma forma específica em termos táticos, não estratégicos, no marco institucional, tendo como característica fundamental a manutenção da independência política, dos patrões, dos oficialismos governamentais e do Estado, de forma que estes parlamentares revolucionários reivindicam sua participação no parlamento numa perspectiva que articula a luta no Parlamento com os conflitos sociais em curso no país, se apresentando como tribunos do povo, em termos leninistas.

Lenin no livro Que Fazer?, escrito em 1902, diferencia a luta sindical da luta política e a necessidade de elevar a primeira para a segunda, afirma que o socialdemocrata não deve agir como o secretário do Trade Union, que eram os sindicatos ingleses que lutavam apenas pelas reivindicações imediatas dos trabalhadores, ou seja, reivindicações econômicas, como lutas salariais, condições de trabalho, entre outras, mas deveriam fazer o papel de “Tribuno popular”, trabalhando para elevar a consciência da classe trabalhadora para a necessidade da luta pela emancipação do proletariado.

Nas próprias palavras de Lenin:

““O ideal do socialdemocrata não deve ser o secretário de sindicato, e sim o tribuno popular, que sabe reagir contra toda manifestação de arbitrariedade e de opressão, onde quer que se reproduza, qualquer que seja a classe ou o estrato social atingido; que sabe resumir todos esses fatos para compor um quadro completo da violência policial e da exploração capitalista; que sabe aproveitar a menor oportunidade para expor suas convicções socialistas e suas reivindicações democratas perante todos; para explicar a todos e a cada um a importância histórico-mundial da luta emancipadora do proletariado”. (LENIN; Que fazer?).”

Desse modo, o trabalho nos sindicatos ou no parlamento, neste caso, são táticas que devem estarem subordinados à uma estratégia, que nas lutas extraparlamentares da classe trabalhadora devem estar contra o capitalismo, o imperialismo, seus governos e seus regimes.

O Partido Bolchevique na Rússia é quem cria uma nova base para a tática do proletariado em relação ao Parlamento, que conhecemos como Parlamentarismo Revolucionário. De modo que as primeiras experiências de Parlamentarismo Revolucionário nos remetem à Rússia posterior a 1905, na experiência dos bolcheviques na segunda Duma do Czar em 1907. A Duma era a denominação do parlamento Russo antes da revolução de outubro de 1917. O czar após a revolução de 1905, objetivando pacificar o movimento grevista, convocou a primeira Duma em 1906, que foi dissolvida em 1907 e convocada ainda no mesmo ano a segunda Duma. No entanto, o caso mais emblemático de parlamentarismo revolucionário, aconteceu na Alemanha, e o protagonista foi Karl Liebknecht.

Há ao menos três escritos de Karl Liebknecht importantes sobre o tema, que permitem entender o contexto político do revolucionário alemão, um primeiro que é o mencionado Fundamento do voto contra a aprovação dos créditos de guerra na sessão parlamentar do dia 02 de dezembro de 1914 na Alemanha; um segundo intitulado O inimigo principal está no próprio país e um terceiro que é uma Carta a Redação do “Labour Leader” da Inglaterra, assinada em Berlim em dezembro de 1914.

Acusado de traição à pátria por sua atividade pública contra a guerra, redige uma Carta a Conferencia de Zimmerwald, que reuniu os socialistas europeus contra guerra, sendo libertado apenas em 23 de outubro de 1918.

Também tem um livro intitulado Acerca da justiça de classe, mas não nos referiremos a ele nesta matéria e, por sua vez, John Reed agrupa textos do revolucionário alemão num livro intitulado Contra a guerra Karl Liebknecht.

Na Declaração no Reichstag, realizada em Berlim em 02 de dezembro de 1914, Liebknecht define o caráter da guerra como imperialista, pela dominação capitalista do mercado mundial e pela dominação política de importantes regiões do planeta para a instalação de capital industrial e bancário. Simultaneamente define em termos políticos como um empreendimento de caráter bonapartista buscando desmoralizar e destruir o crescente movimento operário.

Da mesma forma que os alemães utilizam como palavra de ordem “Contra o czarismo” a palavra de ordem inglesa e francesa foi: “Contra o militarismo”, com objetivo de mobilizar as massas em nome de certos “objetivos nobres” mas se utilizando da "intenção hostil" entre os povos, estimulada pelas burguesias nacionais, para o objetivo de saquear e colonizar os territórios em disputa, assim como derrotar os movimentos operários de cada país.

Assim como Marx e Engels no Manifesto do Partido Comunista afirmam que a emancipação do proletariado será obra do próprio proletariado, para o revolucionário alemão a libertação do povo russo e do povo alemão também será produto do próprio povo. Neste sentido defende uma paz baseada nos interesses da classe operária internacional contra os interesses das burguesias dos países em guerra. Conclui que vota contra a guerra e seus responsáveis os dirigentes, os governos e as políticas capitalistas.

A Carta a Redação do “Labour Leader” da Inglaterra é relevante porque é uma oportunidade política desde a Alemanha de se dirigir aos trabalhadores ingleses, já que este jornal realizava uma campanha contra a guerra nesse país. Afirma que o inimigo principal do proletariado internacional está no próprio país, e é a ele que se deve combater e afirma seu internacionalismo apresentando que a luta de classes do proletariado não pode se dar senão em numa base internacional. A guerra mundial que destruiu a velha internacional, referindo-se a II Internacional, é o melhor argumento em favor de uma nova internacional, revolucionária.

Para Liebknecht, a tarefa de cada militante socialista devia ser enquanto combatente de classe, um anunciador da fraternidade internacional, entendendo que será o proletariado de todos os países em guerra os que, por uma ação internacional, conseguirão paz na perspectiva do socialismo, anticapitalista. Finaliza exclamando: Proletários de todos os países uni-vos !!! e Guerra à Guerra !!!.

Será muito importante, para o desenvolvimento mais profundo dessas posições, as reflexões dos dirigentes bolcheviques russos, Lenin e Trotsky, para estabelecer que a guerra imperialista pode ser derrotada unicamente pela revolução proletária- e neste caso, a que poderia garantir a paz: nas famosas teses de Lênin, "a transformação da guerra imperialista em guerra civil contra as burguesias de cada país".

Nesta carta já antecipa alguns dos argumentos do O inimigo principal está em nosso país, para enfatizar a importância da independência política do proletariado, sua luta e para que o proletariado não seja eliminado como fator autônomo, destacando a importância do socialismo internacional. Sendo que as classes dominantes e sua ideologia joga com a ideia de que as massas esquecem logo, neste sentido Liebknecht levanta a consigna: “Nada a esquecer, tudo a apreender, luta de classe proletária contra a matança imperialista internacional”, como orientação política nessa conjuntura. Conclui que o inimigo principal do proletariado alemão está no próprio país, é o imperialismo alemão, o partido alemão da guerra, a diplomacia secreta alemã e exorta ao fim do genocídio.

Na Carta a Conferência de Zimmerwald convoca a combater os discursos de unidade nacional a partir da divisão em classes da sociedade, a ideia de unidade nacional tem como objetivo ocultar a existência de classes sociais com interesses antagônicos em cada país, em cada formação econômico-social, por isso a importância de defender uma posição socialista internacionalista.

Em 12 de janeiro de 1916, Liebknetch acaba sendo expulso do grupo social-democrata e no dia 27 de janeiro aparece a primeira carta assinada pelo Grupo Spartacus. No dia 01 de maio de 1916, no ato do dia internacional de luta da classe trabalhadora, inicia um discurso contra a guerra na Postdamer Platz em Berlin, mas foi detido quando pronunciava seis palavras históricas: Abaixo a guerra!, Abaixo o governo ! que apresentaram ele como uma síntese política da luta contra a guerra e pela revolução social, uma vez liberado da prisão em 23 de outubro de 1918.

Durante 1918-1919 se abre um processo revolucionário na Alemanha no marco do final da primeira Guerra Mundial e sobre o impacto da Revolução Russa de outubro de 1917. Em 9 de novembro de 1918, o socialdemocrata Fredrich Ebert assume o governo com a abdicação do Kaiser Guilherme II e a decretação da República.

Entre os dias 29 de dezembro de 1918 e 01 de janeiro de 1919, realiza-se o Congresso que funda o Partido Comunista da Alemanha (KPD), sendo Rosa Luxemburg quem escreve o programa do partido.

No dia 06 de janeiro de 1919 produzem-se os primeiros combates em Berlin, Karl Liebknetch participou do Comitê Revolucionário dos 53 nessa cidade, enquanto que paralelamente, em 10 de janeiro se proclama uma República de Conselhos Operários em Bremen, que se mantém durante 26 dias, até o dia 04 de fevereiro de 1919. Importante destacar que também existiu, por um curto espaço de tempo, uma República de Conselhos em Munich após os assassinatos de Karl Liebknecht e Rosa Luxemburg.

No dia 11 de janeiro, o socialdemocrata Gustav Noske entra em Berlin dirigindo os Freikorps, que eram grupos paramilitares de luta anticomunista alemã, composto por ex-veteranos do exército do Kaiser e civis. Rosa Luxemburg e seus camaradas, base inicial do recém fundado KPD, desde dezembro de 1918, são duramente perseguidos. Ernest Meyer e George Ladebour, destacados dirigentes comunistas, são presos.

Desde inícios de dezembro de 1918 apareciam cartazes nos espaços de publicidade com o seguinte texto:

““Trabalhadores, burgueses! A pátria está diante da ruina. Salvem-na!
Ela recebe ameaças de dentro e não de fora: da Liga Espartaquista.
Matem seus líderes! Matem a Liebknetch!
Então terão pão, trabalho e paz!””

Na manha do dia 15 de janeiro de 1919, escrevem seus últimos artigos para Bandeira Vermelha, o de Liebknetch tem como título A pesar de tudo.

Detidos, neste mesmo dia, o freikorps, numa ação planejada e organizada desde no mínimo dezembro de 1918, detiveram e assassinaram covardemente a Rosa Luxemburg e Karl Liebknecht durante o governo de Ebert e sob responsabilidade de Gustav Noske, socialdemocrata que era Ministro do governo. Os dois revolucionários foram levados ao Hotel Eden, centro de operações da contrarrevolução, e de lá trasladados para serem golpeados e executados, mesmo que a versão oficial falava de tentativa de fuga de Karl Liebknetch, seu cadáver foi entregue como desconhecido e que Rosa Luxemburg havia sido arrastrada de seus escoltas por uma multidão e se desconhecia onde estava quando foi jogada da ponte de Linchtetstein no canal Landweth.

Em homenagem aos dois revolucionários, León Trotsky redige em 16 de janeiro de 1919, um belo texto intitulado ‘O inflexível Karl Liebknecht’, no qual descreve o socialista internacionalista alemão da seguinte forma:

““Karl Liebknecht encarnava o revolucionário inquebrável e genuíno. Em torno dele foram tecidas inúmeras lendas: agressivas na imprensa burguesa, heroicas nos lábios dos trabalhadores. Em sua vida privada, Karl Liebknecht era — ai!, podemos somente falar dele no passado — a encarnação da bondade, da sensibilidade e amizade. Poderia dizer-se que seu caráter era de uma doçura quase feminina, no melhor sentido do termo, e que sua vontade revolucionária, de um temperamento excepcional, era capaz de lutar até a morte pelo princípios que professava. E o demonstrou levantando críticas contra os representantes da burguesia e os traidores socialdemocratas do Reichtag alemão, cuja atmosfera saturada pelos mesmos miasmas do chauvinismo e o militarismo triunfante. O demonstrou levantando em Berlim, na praça de Potsdam, o estandarte da rebelião contra os Hohenzollern e o militarismo burguês. Foi preso. Mas nem a prisão nem os trabalhos forçados conseguiram quebrar sua disposição e, liberado pela revolução de novembro, se pôs a frente dos elementos mais decididos da classe trabalhadora alemã.””

Karl Liebknecht nos deixa como legado, para além de seus escritos, seu internacionalismo, sua visão estratégica e o exemplo concreto do uso da tática Parlamentar Revolucionária, subordinada a estratégia, a luta pelo poder político do Estado para destruir o Estado burguês, tática que hoje podemos encontrar na experiência do Partido de los Trabajadores Socialistas (PTS) integrante da Frente de Izquierda y de los Trabajadores (FIT) na Argentina, exemplo concreto do que significa parlemantarismo revolucionário em ação na prática política, da qual a esquerda brasileira deve tirar lições.




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