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Simone IshibashiRio de Janeiro

sexta-feira 8 de janeiro de 2016 | 09:59

O deputado federal pelo PSOL, Jean Willys, anunciou através de seu perfil no facebook que participaria de palestra na Universidade Hebraica de Jerusalém. Foi questionado por diversos setores por ter aceitado ir até Israel, sendo esse um Estado colonialista e racista erigido sobre o despojo dos palestinos, e que comete atrocidades contra aquele povo recorrentemente. No entanto, nos parece que o “X” da questão reside mais bem nas posições defendidas por Jean Willys como resposta à polêmica que se instaurou.

Sua palestra ocorreu numa universidade que tem campus construído em área em que os palestinos foram expulsos em 1968. Além disso, a Universidade Hebraica de Jerusalém restringe a liberdade de expressão dos estudantes palestinos, proibindo manifestações de repúdio aos constantes massacres de Israel, o que em si mereceria no mínimo uma dura crítica. Não apenas isso é inexistente na fala do deputado do PSOL, como a sua posição de conjunto para a questão palestina choca pelo grau de adaptação e senso comum pró-Estado de Israel.

Em um post escrito em um tom de quem quer “esclarecer,” Jean Willys se defende dos questionamentos feitos a ele, afirmando que: “Algumas pessoas criticaram a minha viagem com argumentos sobre o "sionismo" que parecem tirados dos discursos antissemitas mais anacrônicos. (....) O sionismo nasceu como uma ideia, depois como um movimento que reivindicava o direito do povo judeu (perseguido e difamado por séculos e vítima principal da tragédia do Holocausto nazista) a ter uma terra e uma nação, já que não se sentiam seguros num mundo e principalmente numa Europa que os expulsou, os perseguiu e os dizimou. Há sionistas de esquerda e de direita, laicos e religiosos, e há entre eles diferentes posições sobre a questão palestina. Há sionistas que são contra a ocupação de territórios palestinos, contra a política guerreira do atual governo israelense e a favor da solução dos dois estados”.

Jean Willys quer esclarecer algo que parece desconhecer, ou pior deliberadamente ignorar, se utilizando de argumentos absolutamente superficiais. Como já é costume, no alto de sua sabedoria o parlamentar do PSOL abstrai o caráter de classe do movimento sionista. Simplesmente não considera esse fator. Façamos isso, ainda que brevemente então.

A constituição do sionismo como movimento nacionalista judeu, isto é, daqueles setores que tinham como projeto criar um Estado judeu, se consolida em 1897 com o Congresso da Basileia. Mas naquele momento ainda era minoritário dentre os judeus. Teodor Herzl, um dos fundadores dessa corrente, não hesitou em firmar pactos com antissemitas confessos, dentre os quais se incluía até mesmo o antigo czar russo. Desde sua origem o movimento sionista esteve ligado ao imperialismo, e foi hegemonizado pela burguesia judia.

Após a Segunda Guerra Mundial o movimento sionista obteve, com o apoio do imperialismo norte-americano e das demais potências, o aval para criar um Estado judeu em base à expulsão do povo palestino de suas terras. Desse modo, o imperialismo resolveu a questão judaica à “sua maneira”: de minoria oprimida os transformou em uma maioria opressora na Palestina, responsável pela expropriação das terras, dezenas de milhares de presos políticos, pelo menos 5 milhões de palestinos exilados e incontáveis mortos.

Mas isso não importa para Jean Willys, pois para ele se trataria de defender a política de dois Estados em fronteiras aproximadas às de 1967 como “solução” para a questão árabe-palestina, apoiado no pretenso “sionismo de esquerda” que o deputado diz existir.

O problema é que isso ignora absolutamente que mesmo num pretenso Estado palestino de fronteiras anteriores às instituídas pela Guerra dos Seis Dias em 1967, quando os sionistas triplicaram seu território, não se poderia garantir o direito de retorno do conjunto dos refugiados palestinos expulsos pela nakba de 1948. Em 1948 quando se dá o fim da guerra entre Israel e os exércitos do Egito, Iraque, Líbano, Síria e Transjordânia, os sionistas passam a ocupar 20 mil km² da Palestina, expulsando 80% da população palestina. Na prática a política defendida por Jean Willys levaria a que todo esse território seguisse vedado aos milhões de refugiados palestinos, que teriam que se resignar com uma alegoria de Estado sem qualquer unidade territorial.

Ademais, o caráter expansionista e colonialista da alta cúpula política israelense é algo que marca o próprio sentido de ser do Estado de Israel. No passado, frente à menção de um Estado palestino nas fronteiras anteriores à 1967, o ex primeiro-ministro Menachem Begin (1977-1983) descreveu a ideia como “suicídio nacional para Israel”. Já Golda Meir (1969-1974) comparou aceitar tal ideia ao crime de lesa-pátria, mas a declaração mais famosa vem do ex-Ministro das Relações Exteriores Abba Eban (1966-1974), que disse que tais fronteiras seriam uma “memória de Auschwitz”.

Por isso a posição de Jean Willys de defender o direito de existência do Estado de Israel, “tanto quanto dos palestinos” é uma falácia. Que se completa quando Jean Willys realiza a operação ideológica consciente de tentar equiparar o Hamas com organizações islâmicas terroristas como o ISIS. Os marxistas não compartilhamos da estratégia do Hamas, que almeja instaurar um regime teocrático e não se baseia na unidade das fileiras de trabalhadores e do povo para deflagrar uma autêntica luta pela libertação nacional da Palestina. No entanto, é inegável que a natureza dessa organização, que tem bases importantes entre os palestinos, e foi eleita para governar a Faixa de Gaza e impedida disso pelo cerco que sofre desde então, nada tem a ver com o Estado Islâmico.

Poderíamos parar por aí. Mas Jean Willys nos obriga a ir além, quando grotescamente afirma que o muro construído por Israel para segregar ainda mais os palestinos, teria um caráter defensivo de proteger o Estado sionista de atentados terroristas. Esse Estado que possui um dos mais bem armados, caros e ideologicamente forjados exércitos do mundo. Esse Estado racista que segrega abertamente os árabes palestinos. Que utilizou armas químicas proibidas como o fósforo branco contra crianças durante um dos inúmeros massacres que protagonizou na Faixa de Gaza recentemente. Que impede que ajuda humanitária chegue aos territórios palestinos. A paz só poderá existir novamente, quando se abrir caminho para uma Palestina operária e socialista, que se inicie com a garantia do direito de retorno de todos os refugiados. Um Estado como este, necessariamente laico, permitiria o convívio de palestinos e aqueles judeus que se voltarem contra seu Estado racista e opressor.

Por fim, Jean Willys colabora com a propaganda que Israel quer promover de que seria tolerante e civilizado, em meio a um pretenso mar de barbárie árabe. Como já foi relatado pela Revista Geni (1), o Estado sionista está impulsionando uma campanha que visa “tingir de rosa”, isto é, transmitir a ideia de que Israel é tolerante com os LGBTs, e com as diferenças. Uma tentativa consciente de retomar a áurea de “nação democrática” e “civilizadora” após os diversos massacres perpetrados por Israel.

Mas ir até Israel falar de tolerância, luta pela igualdade e contra a homofobia, e ignorar as bases colonialistas e racistas sobre as quais esse Estado foi fundado, as ofensivas militares contra os palestinos, é o resultado de uma concepção que separa absolutamente o combate às opressões de qualquer viés de classe. E que leva Jean Willys cada vez mais à beira do abismo. Ao ponto de ele achar “uma contradição imperdoável” que o governo israelense tenha historicamente apoiado o bloqueio a Cuba pelos Estados Unidos, diga-se de passagem, seu aliado estratégico e criador. Que raciocínio agudo não?

(1) http://revistageni.org/08/israel-lava-mais-rosa/




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