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DEBATE COM A CST/PSOL | Independência de classe ou municipalismo à la Podemos no regime golpista?

Podemos colher resultados frutíferos se levarmos nossas críticas até o final, e não repetir o caminho da conciliação e o projeto do PT.

André Barbieri São Paulo | @AcierAndy

quarta-feira 30 de setembro de 2020 | Edição do dia

Os companheiros da CST, parte do Bloco de Esquerda Radical do PSOL, apresentam em seu editorial uma discussão com correntes internas desse partido, com o objetivo de construir um pólo de independência de classe nesse período eleitoral.

Especificamente, buscam unificar as correntes internas do PSOL que se oponham à ala majoritária, liderada pela Primavera Socialista, com o apoio de Resistência, Insurgência e Subverta (juntos conformam o bloco “PSOL de Todas as Lutas”). A ala majoritária do PSOL encabeçou resolução tomada no último Diretório Nacional, em que se aprovou coligações eleitorais com partidos de conciliação de classes como PT e PCdoB, e com partidos burgueses como PDT, PSB e Rede. A CST faz uma denúncia correta dessa política direitista.

Como viemos escrevendo, a batalha por um pólo de independência de classe é principal tarefa nessas eleições, para preparar a vanguarda e setores de massas para os combates que virão nesse regime golpista após as eleições. Em sintonia com esse conteúdo, o Esquerda Diário impulsionou em 2020 distintas iniciativas de debate público, com a participação de correntes do PSOL, incluindo a CST, e o PSTU. Também com esse objetivo, publicamos no Esquerda Diário inúmeros artigos de debate com o PSOL, criticando suas chapas e coligações com forças conciliadoras ou burguesas em diversas capitais do país, como em Recife ou Belém (em que se coliga com Rede, PDT e PSB, além de PT e PCdoB, e no Rio de Janeiro, em que abandona qualquer vestígio de independência de classe lançando como candidato a vice um coronel da polícia mais assassina do Brasil, em um contexto de forte militarização da política que foi impulsionado pelo governo Bolsonaro.

Insistimos que essa conduta do PSOL caminha na contramão do combate à extrema direita e ao regime golpista, assim como obstaculiza uma política de superação do PT pela esquerda.

Que nossas críticas tenham influenciado a CST é um sinal positivo, numa atmosfera de baixíssima resistência pública, por parte das correntes internas, ao pronunciado giro à direita do PSOL nas eleições. É um sintoma de que setores de vanguarda, que fazem parte da base votante do PSOL e que buscam a melhor forma de combater o bolsonarismo, começam a desconfiar da linha adotada pelo partido. Tão mais importante se torna chegar à últimas conseqüências na crítica, e sermos sérios nas definições.

Para a CST, apesar da floresta de coligações do PSOL com burgueses e conciliadores, a situação das candidaturas em “São Paulo, BH e Rio de Janeiro” coloca a oportunidade de “construir uma alternativa de independência de classe”.

A questão que salta aos olhos, em primeiro lugar, é: como é possível sequer pensar em uma política independente compondo uma chapa com um coronel da Polícia Militar do RJ, ex-comandante dessa tropa de extermínio da população negra? Uma candidatura como a do PSOL no Rio de Janeiro, se ocorresse nos Estados Unidos que se levanta contra a polícia e o racismo estatal, seria rechaçada por amplos setores da vanguarda. A retirada da candidatura da nossa companheira Carolina Cacau teve grande repercussão e mostras de apoio, contra a política do PSOL do RJ. Isso porque é impossível combater a instituição racista da polícia, menos ainda o Estado capitalista, estando lado a lado com policiais. Não espanta que a CST não veja problema nenhum no Rio de Janeiro: o combate à polícia não conta com sua contribuição, que tem uma longa trajetória de apoio aos motins policiais, junto a organizações como o MES e o PSTU. Lamentamos informar aos companheiros que, junto a policiais, existe “independência”... apenas do marxismo.

É correta a postura de repudiar as alianças e coligações que o PSOL vem travando com partidos burgueses como a Rede, PSB e PDT. Mas dentro do próprio Bloco de Esquerda do PSOL, do qual a CST é parte, vemos alianças com esses partidos, como a corrente Socialismo ou Barbárie (SoB) em Santo André. Membro do Bloco de Esquerda do PSOL, o SoB havia em determinado momento se pronunciado contra a coligação com a Rede. Entretanto, quando surgiu a oportunidade para que Rosi Santos assumisse a vice na chapa de Bruno Daniel, com a Rede na coalizão, o mundo mudou de coloração. O SoB agarrou a oportunidade e com prontidão subalterna “esqueceu” da coligação com o partido golpista de Marina Silva. O comediante Groucho Marx ironizava essa mentalidade política: "Estes são meus princípios; se você não gosta deles, tenho outros". O que a CST tem a dizer sobre seu aliado de Bloco? No outro extremo, a batalha que demos contra essa aliança com a candidatura da companheira Maíra Machado, e que resultou na retirada da sua candidatura, também teve uma importante recepção por jovens e trabalhadores que não aceitam esse vale-tudo eleitoral.

Tão pouco compreensível é a menção ao MES como “cabeça da oposição” à ala majoritária do PSOL. Os próprios companheiros da CST admitem que o MES coincidiu, em muitos casos, com a direção do PSOL no curso à direita das alianças eleitorais. Mais que isso: em Cachoeirinha, Rio Grande do Sul, o MES compõe uma chapa com a Rede para a prefeitura. A política do MES, portanto, não é um componente menor do giro à direita do PSOL.

Mas o mais importante, e que engloba todas as considerações anteriores, é: erra a esquerda que quer administrar o regime do golpe institucional, e não enfrentá-lo. Nessa situação política reacionária, duas idéias são indispensáveis: em primeiro lugar, saber que não há qualquer solução possível aos problemas municipais sem um enorme combate nacional contra o regime golpista; em segundo lugar, nenhum desses grandes problemas do país vão se resolver através das eleições e das instituições deste sistema político cada vez mais autoritário. Esses são os pressupostos da Bancada Revolucionária que apresentamos para as eleições em São Paulo que reuniu mais de 600 pessoas em seu lançamento, em Belo Horizonte e em Porto Alegre.

Uma breve passagem em revista pelas campanhas da esquerda, em especial do PSOL, é suficiente para descobrir que, ao que parece, nunca vivemos um golpe. Não se fala mais desse odioso regime de conspiração sistemática contra a vontade dos trabalhadores e do povo. Em especial o autoritarismo judiciário passa ileso nas campanhas da esquerda. Tanto o STF, agora chefiado por Luiz Fux, quanto a Lava Jato de Sérgio Moro, foram artífices fundamentais do golpe institucional em 2016, garantindo a proscrição do candidato mais popular das últimas presidenciais de 2018, e impedindo que a população votasse em quem quisesse; em 2020, o Judiciário segue definindo em quem a população pode ou não votar, censurando as críticas ao governo (Carol Solberg!) e usando o aparato da polícia para perseguir candidaturas da própria esquerda (como ocorreu com Boulos). Nada disso existe para o PSOL. Como é possível um pólo de independência de classe “dançando no escuro” nesse sistema político autoritário, que mobiliza os braços do Estado para destruir os mínimos vestígios de soberania popular? E faz isso para multiplicar ataques a todos os nossos direitos sociais e trabalhistas, com a ajuda da burocracia sindical, como vimos na heróica greve dos Correios.

Nossa diferença fundamental com a direção do PSOL é que nutrem a estratégia de conquistar cargos e administrar municípios por dentro desse regime podre. Não podemos “sublimar” a situação reacionária dentro da noção de “prefeituras progressistas”. As afinidades seletivas desse pensamento com as “prefeituras da mudança” que o Podemos espanhol levou adiante é chamativo. Faria bem ao PSOL lembrar a que levou essa política. De 2015 até agora, o Podemos havia dirigido cidades centrais como Barcelona, Madri, Zaragoza e Cádiz. Apesar do discurso de “mudança” de Pablo Iglesias e Íñigo Errejón, o Podemos se converteu em administrador comum dos negócios capitalistas nos municípios, integrados à arquitetura institucional do Estado, no Estado espanhol como em qualquer lugar do mundo. Ada Colau, Manuela Carmena e outros podemistas negaram a demanda da remunicipalização dos serviços públicos, o direito à moradia e o fim da precarização do trabalho, chegando a reprimir greves, como a dos metroviários de Barcelona ou dos trabalhadores da Movistar (soa familiar ao PSOL, que teve Clécio em Macapá contra os professores?). A ilusão municipalista se mostrou fracassada. Mas para a direção do Podemos, deu frutos: suas administrações municipais serviram de “preparação” para que compusessem o governo imperialista espanhol com os socialistas liberais do PSOE.

Devemos aprender com as experiências internacionais. Aos companheiros da CST lembramos que o “podemismo” é mais grave ainda no regime político do golpe institucional.

O espaço das eleições precisa servir para potencializar a luta contra o conjunto do golpismo e seu autoritarismo sistemático, e ao mesmo tempo acumular forças para um projeto estratégico: superar o PT pela esquerda. A tarefa central de um pólo de independência de classe agora é lutar pelos direitos democráticos fundamentais das massas, que depende de nos mobilizarmos para colocar de pé uma Assembleia Constituinte Livre e Soberana, em que todos poderíamos nos candidatar, e todos elegeríamos livremente nossos representantes, permitindo que a população decida os rumos do país. Nela, se abriria um grande debate nacional, no qual batalharíamos pela anulação de todas as reformas de Bolsonaro e Temer, pelo não pagamento da dívida pública e a abolição da Lei de Responsabilidade Fiscal que seqüestra o orçamento público em função dos banqueiros, e para impor medidas que coloquem a estrutura econômica e social a serviço das necessidades das maiorias trabalhadoras.

Essa saída, para nós, está intimamente vinculada à batalha por um governo dos trabalhadores, de ruptura com o capitalismo, no calor dos choques entre os interesses fundamentais das classes em disputa, que revelaria a necessidade de organizar nossa própria força material para fazer com que os capitalistas paguem pela crise.

Para avançarmos numa política de independência de classe esses debates nacionais e internacionais são indispensáveis, assim como propostas para pormos de pé uma ala nacional anti-burocrática para organizar a luta dos trabalhadores e da juventude contra todos os ataques, em primeiro lugar contra a reforma administrativa, algo que queremos debater na esquerda. Podemos colher resultados frutíferos se levarmos nossas críticas até o final, e não repetir o caminho da conciliação e o projeto do PT.




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