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OPINIÃO | Incertezas na Grécia e seus efeitos possíveis sobre o futuro da Zona do Euro e para a economia brasileira

Cenários incertos, possibilidades várias; o referendo que acontecerá na Grécia domingo está envolto em contradições e pode ser um marco no desenvolvimento da crise capitalista que já dura mais de 7 anos e no futuro do projeto capitalistas da União Europeia.

sábado 4 de julho de 2015 | 00:00

Foto: EFE

A intransigência da Troika (BCE, FMI e CE) que se negou a aceitar a contraproposta feita por Alex Tsipras, mesmo com todas as concessões feitas pelo premier grego, mostra o papel que cumprem as instituições da Europa do Capital, punir qualquer busca, mesmo a mais tímida e mediada, de resistir as necessidades da acumulação ampliada, da busca de lucro da burguesia.

Mas em seu ódio para com a luta dos trabalhadores, em sua busca em dar uma lição à tímida resistência esboçada pelo Syriza, a Troika pode ter se excedido, talvez aqui os capitalistas tenham ultrapassado a correlação de forças.

Com sua intransigência, em sua ânsia em dar uma lição exemplar e mostrar que qualquer enfrentamento, mesmo o mais superficial, será fortemente punido, a Troika forçou o tímido e frágil Tsipras a uma cartada intempestiva para salvar algo de seu prestígio que se esvaia frente as evidências cada vez maiores de que suas promessas eleitorais de resistências aos ditames das “instituições” (subterfúgio para nomear a Troika) eram apenas isso, promessas eleitorais, prontas a serem rasgadas tão logo o Syriza estivesse no poder.

Por pressão da ala esquerda de seu partido e principalmente de seu eleitorado, que começava a se distanciar do governo e se manifestar contra sua submissão cada vez mais clara, Tsipras tomou uma atitude inesperada, inclusive para si mesmo, uma posição que por de forma distorcida expressar a mobilização popular insere uma nova incógnita na já extremamente complexa situação grega.

O referendo de domingo vota a aceitação ou não pelos gregos da última proposta feita pela Troika, com condições tão humilhantes que mesmo Tsipras se recusou a aceitar. Mas numa tentativa de aterrorizar o povo grego com a perspectiva de uma ainda maior catástrofe social a Europa do Capital logo transformou a votação em um sim ou não a continuação da Grécia na zona do euro, ou seja, a chantagem de ou aceitarem os cortes draconianos nas aposentadorias, os aumentos em impostos, os cortes nos direitos trabalhistas, ou se tornarem um país pária dentro de uma Europa capitalista.

Como responderão os trabalhadores gregos, sem uma direção que coloque uma saída que aponte para além da Europa do Capital? Essa é mais uma das muitas incógnitas que se abrem em uma situação tão complexa.

A saída da Grécia do Euro pode representar o fim da moeda única?

Outra grande questão para o próximo período é o impacto de uma possível saída da Grécia da zona do euro sobre a moeda única europeia. Qualquer resposta peremptória seria temerária, mas o que se pode afirmar com certeza é que a saída da Grécia será um golpe importante para o projeto.

Desde que os Estados Unidos acabaram de forma unilateral com o padrão ouro estabelecido nos acordos de Breton Woods na década de 70 o garantidor da estabilidade das diferentes moedas nacionais vinha sendo o estado-nação, a estabilidade e força de uma determinada moeda, sendo expressão do poderio econômico, político, militar de determinado país.

Sendo expressão de um espaço econômico que nunca pode se constituir como estado-nação por fruto das contradições da integração capitalista da Europa a garantia da estabilidade e liquidez do euro era outra. Além da óbvia força de uma economia europeia integrada, um pilar fundamental da confiança de investidores, capitalistas, trabalhadores, em suma da população de conjunto, em relação ao euro era a ideia progressiva, uma caricatura do iluminismo, de que a União Europeia sempre avançava, que a integração era sempre maior e mais profunda, que se entrava na UE, mas que nenhum país saia.

Se a Grécia for forçada a sair da zona do euro será o primeiro país a romper com a moeda única e as consequências que isso pode ter para o projeto de unificação monetária são imprevisíveis.

União Europeia como resposta do imperialismo alemão a crise de acumulação

As consequências geopolíticas de uma possível saída da Grécia da zona do euro podem também ser graves. A União Europeia foi a principal resposta do imperialismo alemão a crise estrutural da acumulação capitalista que se gesta desde a década de 70. A partir daquele momento passa a haver uma crise crônica de acumulação por conta da queda tendencial da taxa de lucro e da cada vez maior dificuldade do capitalismo encontrar e constituir um mercado de força de trabalho passível de ser explorado em condições vantajosas para a acumulação capitalista (os dois grandes limites do desenvolvimento ampliado do capital).

A criação de grandes blocos econômicos era uma resposta a essa contradição, pois permitia ao capital imperialista (nesse caso principalmente o alemão) se apropriar de espaços econômicos menos desenvolvidos, conseguindo um sobre lucro pela venda de suas mercadorias por um preço de mercado acima do preço de produção, através da exportação de mercadorias para economias com uma menor produtividade do trabalho e uma menor composição orgânica do capital, ou pela exploração de uma força de trabalho mais barata. Isso era possível pelo fim das barreiras alfandegárias, a existência de uma única moeda, etc, o que impedia aos estados nacionais menores construir barreiras protecionistas ao livre movimento do capital financeiro.

A saída da Grécia da zona do euro tem potencialidade para fazer tremer o próprio projeto da União Europeia, pois mostra a incapacidade desse semi-estado, desse organismo sempre incompleto e nunca capaz de se completar, de responder aos momentos críticos, as grandes questões que se apresentam. O que devem esperar os países balcânicos, também com problemas econômicos importantes numa região sempre propensa a graves crises político-sociais? E Espanha, Portugal e os outros países do sul da Europa que enfrentam problemas análogos aos da Grécia? Também eles serão abandonados quando a crise econômica tomar proporções mais agudas em seu território? A resposta que o imperialismo alemão aponta é: ou a subordinação total ou uma grave punição pela desobediência.

Numa união com bases tão frágeis essa perspectiva parece ser um sinal de uma cada vez maior instabilidade.

Consequências de um default grego para as economias dos países periféricos (semi-coloniais)

Dentro da perspectiva global da economia capitalista e do desenvolvimento dessa crise particular que vivemos a crise grega não podia chegar numa pior hora. Desde pelo menos a metade do ano passado a crise entrou em uma nova dinâmica; até ali a crise afetava principalmente as economias centrais do capitalismo (países imperialistas), os países periféricos (semi coloniais) sendo contra tendências em seu desenvolvimento.

A queda do preço das commodites, a desaceleração da economia chinesa, as políticas dos países imperialistas visando transmitir a crise para as semi-colônias alteraram essa dinâmica fazendo com que a crise afetasse mais diretamente os países periféricos.

Nos momentos de crise, os “investidores” (os grandes capitalistas) tem aversão a riscos, procuram sempre ativos financeiros estáveis, expressam sua “preferência pela liquidez”, em suma. A mercadoria mais liquida, ou seja, aquela mais capaz de se transformar imediatamente em outras mercadorias, é a moeda. Mas numa economia global onde não existe mais lastro das diferentes moedas em ouro, nem todas as moedas são tão confiáveis, nem todas oferecem as mesmas garantias de liquidez. As moedas dos países periféricos têm menor liquidez, nesse sentido, que as moedas dos países centrais. Nos momentos de crise, de incertezas, portanto, os capitalistas tendem a preferir se refugiar nos ativos financeiros mais fiáveis, as moedas e títulos estatais dos países imperialistas.

Outro fator ainda que aumenta o cenário de incertezas e desconfianças na economia global é o fato de a Grécia ter sido o primeiro país desenvolvido da história a dar um calote no FMI. Isso aumenta o clima de desconfiança, não pelo fato do tamanho da economia grega (uma das menores entre os países centrais) ou pela importância do que ela produz (a Grécia não produz nenhuma mercadoria estratégica), mas pelo seu efeito psicológico, pois se mesmo um país imperialista (ainda que de terceira ordem, como a Grécia) dá um calote o que esperar dos países semi-coloniais?

Uma consequente e possível fuga de capitais dos países periféricos para os países centrais nesse momento teria fortes efeitos sobre a economia já bambeante dos primeiros.

E o Brasil com isso?

Nós trabalhadores somos educados a ver os problemas em outros países como algo distante, que pouco tem a ver com nossas vidas, coisas que não afetam nosso dia-a-dia. Os golpes da realidade tendem a mudar essa visão.

Entre as grandes economias dos países semi-coloniais a brasileira é uma das mais afetadas por essa nova etapa da crise. Esse ano o país tende a viver uma recessão, a inflação cada vez mais aponta que alcançará os dois dígitos, os juros estão entre os maiores do mundo. Isso já sentimos com a onda de desemprego [ na indústria, mas também nos serviços], o aumento no custo de vida, cortes no acesso ao crédito, arrocho salarial, etc.

As incertezas criadas pela crise grega tenderão a motorizar um processo de fuga de capitais, o que levará a acelerar a desagregação das condições econômicas do Brasil, pois sua economia é altamente dependente do investimento do capital financeiro internacional. Esta fuga de capitais (saída de moeda estrangeira do Brasil para se valorizar em outro país rico) levaria a uma maior desvalorização do real frente a moeda principal da economia que é o dólar. Este processo já está ocorrendo em outros países da América Latina, como o México (veja aqui ).

Um cenário como esse aumentaria e aceleraria os ataques da patronal aos nossos direitos, salários, empregos, condições de vida, etc.

Acompanhemos de perto o desenvolvimento da crise grega e nos preparemos para possibilidades ainda mais agudas de luta.

Por um internacionalismo de fato

Assim vemos que a necessidade de uma perspectiva internacionalista para os trabalhadores não é uma abstração, mas expressão das relações concretas entre nossa classe e o capital financeiro imperialista. Os ataques aos trabalhadores e ao povo grego uma hora ou outra seriam sentidos de forma direta por aqui.

Hoje esse internacionalismo se traduz em uma profunda solidariedade a luta dos trabalhadores e do povo grego. No referendo de domingo estamos juntos ao povo grego pelo Não, contra a austeridade imposta pela Troika, contra os cortes nas aposentadorias, os ataques aos direitos trabalhistas, os aumentos de impostos, que hipotecam o futuro da Grécia ao imperialismo alemão. Mas essa solidariedade ao povo grego não deve se confundir com um apoio ao governo de Alex Tsipras e do Syriza. Foi a falsa “estratégia” desse partido que levou a situação a esse patamar.

É necessário levantar uma grande campanha internacional pela anulação da impagável e ilegítima dívida grega, uma campanha de frente única com todos os setores democráticos e populares que se colocam contra os ataques do capital financeiro.

Nós da FT-QI, no entanto, vemos a necessidade de um programa mais radical, que vá efetivamente a raiz do problema, como única forma de responder as contradições em que se encontra a economia grega. Contra a fuga de capitais na Grécia que deve ocorrer, em caso de anulação da dívida, defendemos a nacionalização dos bancos e do capital financeiro sob controle operário; contra a desordem econômica a nacionalização sob controle dos trabalhadores dos principais ramos da economia e o controle operário da distribuição das mercadorias essenciais; contra um possível isolamento econômico defendemos a necessidade da construção dos Estados Unidos Socialistas da Europa, em contraposição direta a Europa do capital ou as visões reacionárias nacionalistas que tendem a ressuscitar a xenofobia.

Apenas um governo operário, baseado na mobilização independente dos trabalhadores, pode realizar essas medidas essenciais para combater a crise do ponto de vista de nossa classe.




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