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ANÁLISE | Impostos sobre o diesel, críticas aos juros e o motor oculto da dívida pública nas disputas patronais por lucros

Disputas patronais sobre impostos, juros e margens de lucro, e a dívida pública como um pano de fundo nas conflitantes ambições capitalistas.

Leandro LanfrediRio de Janeiro | @leandrolanfrdi

sexta-feira 25 de maio de 2018 | Edição do dia

Oferta de ações da Movida, empresa ligada a JSL, maior empresa de transporte de cargas do país

O acordo firmado ontem entre o governo Temer e diversas representações dos patrões e dos caminhoneiros garante um subsídio a seus lucros. Temos escrito como além da aparência popular e do apoio da população que via nos bloqueios uma maneira de reduzir o preço de todos combustíveis, esse movimento tinha também um sentido patronal como seu pano de fundo: uma nascente disputa entre setores da burguesia por qual parcela de lucros cabe a cada uma, uma disputa por isenções de impostos e subsídios.

As medidas autoritárias tomadas por Temer buscam dar um "basta" a essa disputa e não permitir que essa disputa possa contagiar setores de massa que passem a lutar pela redução da gasolina, do gás de cozinha e possam colocar em xeque elementos mais profundos que unificam parte dos interesses de diferentes frações burguesas: privatizar a Petrobras e submeter o país muito mais ao imperialismo.

Essa "batalha" na conjuntura é somente a ponta de um imenso iceberg: a nascente porém crescente disputa entre setores capitalistas para mudar a divisão da distribuição dos lucros entre eles.

Essa disputa é uma tradução brasileira de importante aspecto da "crise orgânica" em vários países: a divisão entre "ganhadores com a globalização" e "perdedores" com a mesma.

A mudança de condições na economia e política mundial estão mudando as condições para diferentes patronais no país. Steinbruck da CSN e da FIESP passou de porta-voz da reforma trabalhista a possível vice de Ciro Gomes depois de Trump impor a taxação e cotas ao aço brasileiro. É assim que se entende como patronais sempre favoráveis ao impeachment e a Temer, como os transportes entrarem em peso para disputar sua fatia de subsídios. É assim também que pode-se tornar compreensível, como, de repente, a FIESP começou a agitar com seus sapos verdes pela "redução dos juros".

A crise dos combustíveis e o pano de fundo de crescentes disputas entre setores da burguesia

A demanda mais forte dos bloqueios de estradas e portos é (ou era) o de redução dos impostos, não de aumento do preço do frete segundo a inflação do diesel, elevação de salários, direitos dos caminhoneiros, só impostos. E sobretudo sobre o Diesel.

A dívida pública é a parte submersa do iceberg que tem para fora da água suas pontinhas "combustíveis" e "juros bancários".

Todos brasileiros pagarão pelos maiores lucros dos transportes, do agronegócio e dos donos das frotas de ônibus. E esses lucros drenarão os recursos do país já que terminam, em última instância, no maior e mais parasita dos negócios da pátria: a dívida pública. Expliquemos.

Uma das principais preocupações da agenda econômica do governo Temer vem sendo o déficit fiscal. Preocupação que é compartilhada pelo FMI, pela OCDE que demandam ataques ainda maiores que o dele, e também é a mesma preocupação do Manifesto Unidade para Reconstruir o Brasil, firmado pelo PT, PCdoB, PSB, PDT e PSOL que fala em “responsabilidade fiscal”, ou seja, nas condições cada vez mais estreitas da economia e geopolítica mundial: cortes para garantir boa situação para honrar a dívida, se preparar para ajustes tão ou mais duros do que foi o segundo governo de Dilma.

Parte da política de Temer para garantir o pagamento da dívida ao capital financeiro é a privatização anunciada mês passado de 4 das refinarias da Petrobrás, pois há uma lei no país que garante que todo montante conseguido com privatizações deve ser destinado para o pagamento da dívida. Outra parte desta mesma política é atacar aposentadorias, cortar da saúde e da educação.

Como parte da política de privatização da Petrobrás, o governo deixou de subsidiar os preços dos combustíveis, deixando-os variar diariamente de acordo com o mercado, nos governos do PT – ao contrário da propaganda enganosa também variavam e eram caros, só que a variação demorava meses para ocorrer. Os altos preços dos combustíveis mostram para as grandes imperialistas do setor como Shell, BP, Chevron que seus lucros estão garantidos com os combustíveis caros se quiserem comprar as 4 refinarias à venda ou simplesmente entrarem no mercado nacional importando derivados.

Essa política ótima para a Shell no entanto, aumenta os custos dos empresários dos transportes e reduz sua margem de lucro.

O acordo firmado por Temer implica em redução de impostos ao setor do transporte e subsidio do governo à Petrobras. Ou seja, esta empresa continuará adotando a política de preços internacionais, que é uma exigência imperialista, e a diferença entre os preços de mercado e o preço fixo congelado do diesel será garantido pelo Estado. Alguns estados, começando pelo quebrado Rio de Janeiro, também estão tomando medidas para reduzir mais os impostos (o ICMS) e aumentar os lucros desses patrões.

Essa redução de impostos para este setor, que diminui a arrecadação do governo, com certeza será acompanhada de outras medidas para compensá-la, como por exemplo, cortes na saúde, na educação e outros direitos sociais ou será paga com novos impostos. Esses impostos não virão só de outros patrões (como na anunciada “reoneração” de 28 setores patronais) mas do bolso do trabalhador. Vamos todos pagar essa conta. Seja pela via da gasolina à preço de ouro ou através desses cortes e novos impostos.

A dívida pública: o maior mecanismo de saque das riquezas do país e que todos burgueses querem poder participar com mais capitais

Essa disputa por uma parcela dos subsídios aos lucros via combustíveis, é hoje criticada por alguns grandes veículos de comunicação, mas eles não falam do maior subsidio aos lucros no país, um subsídio que atrai todos capitalistas: a dívida pública.

Porém, esta ajuda aos lucros sugando os recursos do país passa por um privilégio especial: 12 bancos tem o monopólio legal de uma parte das transações com a dívida pública brasileira.

A dívida é um dos maiores mecanismos de acumulação capitalista no país: movimenta uma fortuna mensal de R$ 1 trilhão e consome, ou melhor suga, um trilhão de reais da economia por ano. Pagamos a cada ano mais e mais, enquanto ela vai aumentando e aumentando em tamanho e proporção em relação ao PIB.

Os “donos” da dívida não são só os "especuladores", este ente fantasmagórico e irreal. Os donos da dívida são todos os capitalistas do país. Segundo a OCDE, entidade imperialista que reúne as 35 maiores economias do mundo, 72% de toda poupança privada no Brasil acaba indo para o grande negócio da dívida pública. Todo patrão termina investindo nos títulos da dívida pública brasileira. Seja os do transporte, os do agronegócio, os bancos ou as indústrias.

A dívida e os mecanismos de controle da economia pelo capital financeiro: 12 instituições financeiras controlam as transações

Todos capitalistas no país investem na dívida, mas cada capitalista individual não consegue entrar sozinho e diretamente neste mercado. O Tesouro Nacional determinou que somente 12 instituições podem ser dealers de algumas modalidades da dívida, especialmente as de médio e longo prazo. Estas instituições tem um monopólio do mercado "primário" que é lidar diretamente com o Tesouro e podem depois revender a dívida e sua garantia de juros anuais no mercado “secundário” da bolsa de valores.

Os donos desse monopólio são: Banco do Brasil, o americano Merryl Lynch, o também ianque Goldman Sachs, Bradesco, BTG Pactual, o suíço Credit Suisse, o espanhol Santander, Votarantim, Itaú e as corretoras XP Investimentos, BGC Liquidez, Renascença DTVM.

Essas empresas, com forte presença imperialista, tem o monopólio sobre a dívida pública. A presença imperialista aumenta ainda mais, quando consideramos que os títulos vendidos no mercado "secundário" acabam, em grande parte, nas mãos de estrangeiros. A movimentação de 50,5% da Bovespa é oficialmente estrangeira e outros 36,6% da movimentação da BM&F não é de pessoas ou empresas registradas no país, segundo os dados da "B3" a empresa que une ambas as bolsas.

Cada capitalista precisa pagar um duplo preço aos donos deste monopólio de 12 instituições: taxas e informações contábeis para poder comprar e vender alguns tipos de títulos da dívida.

O peso do controle e supervisão da economia por esta dúzia de capitalistas vai muito além desse monopólio do negócio da dívida.

A meta da Taxa SELIC, taxa básica dos juros do país que mês a mês vemos nos jornais, atualmente em 6,5% ao ano, é uma taxa determinada pelo Banco Central. Ela é usada para os empréstimos interbancários que tenham garantias em títulos da dívida (negociados no mercado primário só com aquelas 12 instituições).

Somente outras 12 instituições podem negociar entre si usando a SELIC, [são outros dealers - > http://www4.bcb.gov.br/Pom/demab/dealers/rel_dealers_100218_310718.pdf], parte delas são as mesmas empresas que tem o monopólio do mercado primário da dívida: Banco do Brasil, Caixa, BNDES, Banco Safra, Bradesco, BTG Pactual, Santander, Votarantim, Itaú, Credit Suisse, BGC Liquidez, Renascença DTVM.

Estas instituições com monopólio da SELIC podem - com garantia do Banco Central - negociar entre si e o banco central funcionar de avalista para elas. Qualquer outro capitalista que quiser um empréstimo partirá de uma desvantagem, de um ágio em cima do que só essas 12 tem direito - a garantia do Estado brasileiro em suas transações usando a dívida pública como garantia.

Esse monopólio de 12 gigantes ajuda a explicar, em primeiro lugar, como o Brasil tem o maior gasto público com juros em relação ao PIB no mundo (com uma média de mais de 6% do PIB enquanto no mundo é de 2% esta média) e, também, o fato de possuir a maior diferença entre os juros determinados pelo Banco Central e os juros praticados (spread bancário no jargão dos economistas) custando uma média de 39,7% a mais, enquanto na OCDE esse ágio é de 5,7%.

O empréstimo médio custa 39,7% a mais que a SELIC, enquanto no mundo a média desse ágio é de 5,7%. Por quê? Porque 12 instituições tem o monopólio dos negócios da dívida, com garantias especiais do Banco Central, e usam esse privilégio para se enriquecer às custas das outras patronais e, sobretudo, de todo país.

Para terminar de fechar o ciclo de controle e supervisão do conjunto da economia essas 12 “super subsidiadas” determinam a emissão de dívida. Elas que determinam ao Tesouro Nacional quantos títulos querem e a qual taxa! E depois oferecem esses títulos no mercado secundário.

O Tesouro Nacional, em seu Relatório Mensal da Dívida de Abril de 2018, informa que somente 22,4% da dívida é "detida" por instituições financeiras, e outros 29,2% é detido por fundos de investimento que são, em sua grande maioria, propriedade destes mesmos bancos. Mas o Tesouro omite que quase 100% dela tem que ser negociada pelas instituições financeiras, 12 instituições para ser mais preciso.

O verdadeiro controle da economia na época capitalista não está na posse de 100% de algo, mas no controle que exerce o capital financeiro sobre o conjunto dos capitalistas.

O Brasil mostra em forma acabada definições centrais da passagem de capital bancário a capital financeiro como narrada por Lênin em O Imperialismo - fase superior do capitalismo:

"A concentração do capital e o aumento do movimento dos bancos modificam radicalmente a importância destes últimos. Os capitalistas dispersos acabam por constituir um capitalista coletivo. Ao movimentar contas correntes de vários capitalistas, o banco realiza, aparentemente, uma operação puramente técnica, unicamente auxiliar. Mas quando esta operação cresce até atingir proporções gigantescas, resulta que um punhado de monopolistas subordina as operações comerciais e industriais de toda a sociedade capitalista, colocando-se em condições - por meio das suas relações bancárias, das contas correntes e de outras operações financeiras -, primeiro de conhecer com exatidão a situação dos diferentes capitalistas, depois de controlá-los, exercer influência sobre eles mediante a ampliação ou a restrição do crédito, facilitando-o ou dificultando-o, e, finalmente, de decidir inteiramente sobre o seu destino, determinar a sua rentabilidade, privá-los de capital ou permitir-lhes aumentá-lo rapidamente e em grandes proporções, etc."

Todos burgueses querem maiores lucros para sugar mais recursos do país via dívida

O mecanismo da dívida pública brasileiro, monopolizado por 12 gigantes é uma expressão exacerbada desta tendência histórica apontada por Lênin. E qualquer demanda progressista tem que romper com esse mecanismo.

Esse mecanismo de fundo não é questionado por nenhum burguês, é claro. Todos eles estão umbilicalmente ligados ao capital financeiro e tem grandes negócios com a dívida pública. 72% de toda poupança capitalista no país vai parar aí. Sejam eles do campo, da indústria, do transporte ou da bolsa de valores. Suas batalhas são sobre impostos na produção, impostos nos combustíveis, tamanho dos juros.

O problema de fundo nas pequenas e nascentes disputas burguesas como a que se escancarou pelo aspecto patronal de fundo ao bloqueio dos transportes é a distribuição da mais-valia, e em última instância como cada um deles tem mais “sobras” para entrar com mais força em outros negócios, e o maior negócio no país, é o saque secular de uma dívida pagas muitas vezes e que não para de crescer.




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