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COLUNISTA | Imparáveis: as trabalhadoras da saúde de Neuquén

No dia em que se completaram 49 dias da luta dos trabalhadores da saúde de Neuquén, na Patagônia rebelde, foram realizadas manifestações em todo o estado que concentraram dezenas de milhares. Em uma experiência explosiva de amplo apoio popular no qual petroleiros, professores, trabalhadores da saúde começam a se unificar, a linha de frente é de mulheres.

Marie CastañedaEstudante de Ciências Sociais na UFRN

sexta-feira 16 de abril de 2021 | Edição do dia

De acordo com relatório da OIT, isso não poderia ser diferente, afinal entre trabalhadores da saúde no país, 70% são mulheres. As fotografias que apavoram o governo estadual de Omar Gutiérrez expressam esta força, com mulheres de cabeças erguidas atrás de pilhas de pneus que encaram policiais. Depois de mais de um ano encarando a pandemia sem direito a testes, vacinas, leitos de UTI suficientes, descanso, ou o direito ao reajuste salarial já acordado, estas trabalhadoras expressam profunda consciência da sua força.

Como expressou Julieta Katcoff respondendo à Secretária da Saúde, Andrea Peve, que afirmou que as trabalhadoras não aguentariam 10 dias de piquetes: “Estivemos um ano na primeira linha contra a covid, com falta de pessoal, sem EPI, precarizados, perdendo companheiros, vendo outros e as nossas famílias ficando doentes, suportando o ataque aos nossos bolsos mas ainda assim sustentando os centro de saúde e hospitais, sendo considerados descartáveis pelo seu governo gerente das petroleiras… Acha mesmo que não vamos resistir na primeira linha lutando pelos nossos direitos e pelos da população?”

Apois, achou errado. Desde o dia 02 de abril, quando os trabalhadores da saúde se auto-convocaram, ou seja, precisaram passar por cima dos seus próprios sindicatos (ATE e UPCN) que aceitavam a defasagem pelas costas das trabalhadoras, com uma alta nos preços de 36%, para terem direito de lutar pelo seu reajuste de 40%, a efetivação de 1.500 contratados precários e condições de segurança e higiene frente à segunda onda que se aproxima no país.

Sem nenhuma confiança no governo, as trabalhadoras dão entrevistas diretamente das manifestações debatendo a situação das mulheres, denunciando o agravamento da sobrecarga das mulheres trabalhadoras do trabalho doméstico durante a pandemia, privações de licença e dificuldade de cuidar dos filhos, assim como retrocessos nos direitos trabalhistas.

Em entrevistas coletadas por estudantes do Pan y Rosas que estão apoiando ativamente a luta com os centros acadêmico à frente da construção de comitês de apoio, uma assistente social declarou “Durante todo este tempo de luta as mulheres se colocaram à frente buscando se organizar com as suas famílias para poder sustentar esta luta (...) é necessário seguir lutando com tudo que implica o papel da mulher”. Outra trabalhadora, pediatra, afirmou “O governo não nos dá nada, tudo que já conseguimos foi lutando e nós trabalhadoras temos muita raiva”, em seguida convocou suas companheiras “animem-se para sair, tocar as caixas, falar no megafone, lutar contra as injustiças, porque é a única forma que podemos acabar com isso.”

A consciência da sua força é tanta que após se unificar com as professoras, não exitaram em tomar fortíssimas medidas de unidade com diversas categorias de trabalhadores e movimentos sociais. A exploração de hidrocarbonetos compõe 50% da economia do estado, contra as trabalhadoras da saúde, o governo garante quaisquer caprichos e regalias às gigantes do petróleo. Frente a isso, as trabalhadoras da saúde se unificaram aos petroleiros e assim bloqueiam rodovias que conectam a região de Vaca Muerta, impondo perdas diárias de 10 milhões de pesos argentinos. Se algum dia afirmaram que os trabalhadores não tinham força de decisão, não dá mais pra lembrar, desde quarta-feira os petroleiros
se somam com uma paralisação nacional.

As trabalhadoras da saúde foram comparadas a um elefante sem rumo, estão impondo com duras pegadas somando forças inclusive com os mapuches, historicamente perseguidos pelo Estado. Receberam também forte apoio dos trabalhadores das fábricas de cerâmicas, Zanon inclusa, uma fábrica que é um emblema de luta, sob controle operário há 20 anos, que obteve conquistas durante o processo de luta para manter seu funcionamento em unidade com os demais setores.

Nesta semana o governo estadual tentou apaziguar o conflito oferecendo um bônus de três meses, que foi visto como “uma piada de mal gosto com as trabalhadoras”, como afirma Natália Lopez, do centro de saúde metropolitana. A resposta ontem foi contundente, se a mobilização anterior com 5.000 pessoas na capital do estado foi caracterizada como massiva, agora com o dobro de participantes e dezenas de bloqueios de rodovia, faz tremer o governo estadual, federal e a burguesia.

Os trabalhadores se reuniram em assembleias por local de trabalho e região, com direito a todos de decidir sobre os rumos do conflito e seguem exigindo negociações. São apoiados pelas estudantes e também por Andrés Blanco, deputado do PTS na Frente de Esquerda, organização irmã do MRT na Argentina, que apresentou um projeto de lei para que os deputados recebam o mesmo salário que uma enfermeira, colocando o corpo nas manifestações e piquetes junto a elas.

O medo burguês não é a toa, já que se combina a tradição de luta das trabalhadoras da saúde de Neuquén e a vinda da segunda onda centralmente na região metropolitana de Buenos Aires, com seus portos piquetados pelos portuários, com manifestações da saúde em Tucumán e Mendoza. O presidente Alberto Fernández tem a oferecer seguir obrigando os trabalhadores a trabalharem e a garantia de repressão das tropas federais caso não se respeite seu toque de recolher. Manutenção de lucros e controle da população para impedir com que o rastilho de pólvora das trabalhadoras da saúde de Neuquén tomem o país.

Daqui do Brasil, não podemos ter dúvidas: a luta das trabalhadoras de Neuquén demonstram a capacidade de estarem à frente de diversos setores de trabalhadores em luta, sua localização é estratégica, como sentem as petroleiras hoje quando se unificam aos petroleiros e caminhoneiros e sua capacidade de auto-convocação é central para pensar medidas com as quais possamos superar as burocracias. Lições valiosas enquanto 4.000 perdem suas vidas todos os dias pelo negacionismo de Bolsonaro e a demagogia dos governadores e do regime do Golpe Institucional, com um piquete armado em frente às fábricas da LG em Taubaté-SP, com as metalúrgicas na linha de frente. Levemos o chamado a nos animarmos das trabalhadoras da saúde de Neuquén, elas mostram o caminho.




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