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Hip-hop, antirracismo e a guerra contra as drogas

Juan Maya

Hip-hop, antirracismo e a guerra contra as drogas

Juan Maya

O hip-hop nasceu nas ruas dos guetos de Nova York, na mesma década em que foram implementadas fortes políticas proibicionistas contra as drogas que avançaram na criminalização e segregação dos setores mais empobrecidos, principalmente as comunidades afro-americanas e latinas nos EUA. Neste artigo abordaremos a relação entre a guerra contra as drogas e o surgimento da cultura hip-hop como arte de rua de uma juventude que cresceu com condições de vida deploráveis, sem acesso à arte e à educação.

Em junho de 1971, Richard Nixon decretava estado de emergência nacional contra o narcotráfico e o uso de drogas como parte de uma política racista que criminalizou e conteve uma radicalizada juventude e comunidade negra, sendo essa a mesma década em que uma nova contracultura emergia entre os escombros, ao sul do Bronx.

"O vício em drogas é o inimigo público número um da América."

Mencionava Richard Nixon em uma conferência na Casa Branca em junho de 1971.

"... a Casa Branca de Nixon tinha dois inimigos: a esquerda anti-guerra e os negros (...) Sabíamos que não podíamos proibir ser anti-guerra ou ser negro, mas poderíamos fazer as pessoas associarem hippies com maconha e negros com heroína, criminalizá-los duramente. Podemos prender seus líderes, invadir suas reuniões, denegrir na mídia todos os dias. Sabíamos que estávamos mentindo sobre drogas? Claro

Essa é parte de uma entrevista de John Ehrlichman, conselheiro de Nixon na época, intitulada "Legalize tudo: como vencer a guerra contra as drogas", para a revista Harper’s, em abril de 2016.

O contexto de uma ofensiva política degradante nas comunidades afro-americanas e latinas

A década anterior aos anos 70 foi marcada pela disseminação do movimento pelos direitos civis em todo o território dos Estados Unidos. Esse movimento alcançou a aprovação em 1964 da lei que proibia a discriminação racial em espaços públicos e, em 1965, a Lei dos Direitos de Voto que proibia a exigência de testes de alfabetização e a cobrança de impostos de votação que impedia que as comunidades afro-americanas e latinas pudessem votar. Embora fundamentais, tais leis foram aprovadas sem serem acompanhadas de profundas mudanças estruturais nas condições de vida das comunidades afro-americanas e latinas, que permaneceram deploráveis.

Ao mesmo tempo, a década também foi marcada pelas revoltas negras que tomaram a cena nos EUA, como a Rebelião de Watts de 1965 em Los Angeles, com um destacamento de cerca de 14 mil agentas da Guarda Nacional e a prisão de cerca de 4 mil pessoas. Apenas em 1967, revoltas sociais explodiram em cerca de 150 cidades americanas, entre as quais as mais visíveis estavam nas cidades industriais do norte, como Newark, Boston, Cincinnati, Milwaukee e, sobretudo, Detroit.

No final dos anos 60, os Panteras Negras começaram a ter maior destaque e influência de suas ideias na comunidade afro-americana. Algumas posições mais radicais dentro do partido propuseram que não haveria uma conquista total nos direitos da comunidade afro-americana se não fosse de mãos dadas com a libertação da classe trabalhadora do jugo capitalista, mas que, em termos estratégicos, tinha algumas limitações. Por outro lado, mobilizações e protestos foram criados em apoio ao Vietnã com uma grande presença dos jovens que exigiam o fim da guerra contra o Vietnã.

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Desta forma, e com um orçamento próximo a 71 milhões de dólares, Nixon começou uma guerra que historicamente tem sido um fracasso e, como consequência, empórios de tráfico de drogas foram criados empurrando cada vez mais o vício para certas substâncias. Assim, a guerra de Nixon significou o aumento das penas por posse e venda, uma política com grande peso punitivo, que estava desinteressada em iniciativas de prevenção e cuidado. Por sua vez, eram (e são) os afro-americanos e latinos os principais criminalizados pelas instituições policiais, embora a venda e o consumo entre as comunidades brancas fossem semelhantes.

Ferramenta política e cultural do hip-hop para conscientizar a comunidade

As periferias de Nova York foram o reflexo de uma política racista que criminalizava (e ainda criminaliza) comunidades negras e latinas. Ao sul do Bronx, em meio a escombros, incêndios, pobreza, desemprego, gangues, marginalização e vício, jovens pobres reinventava, sua própria cultura e arte de rua. Os clubes de disco eram um grande negócio para a comercialização de drogas, enquanto nas festas de hip hop eles criavam novas formas de convivência e na defesa pela unidade e pela paz, deixando de lado as diferenças entre gangues, e se enfrentando através da dança e das rimas. Nesses clubes também eram proibidas certas drogas, bem como a posse de armas.

Em 1976, o já DJ e líder de gangue Afrika Bambaataa, após um confronto entre duas gangues e a polícia que causou o assassinato de seu amigo Soulski, criou o movimento "Zulu Nation", em homenagem à luta do povo africano. Ele pediu o fim da guerra entre gangues e para que os jovens tomassem em suas mãos a arte de rua que haviam criado como sua própria forma de expressão.

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Na época do aparecimento do crack, o hip-hop se consolidou em um movimento cultural das classes exploradas e oprimidas. A juventude negra e latina das periferias encontrou uma voz, eles viram no hip hop uma ferramenta na qual podiam se expressar. Expressando as condições de vida em que viviam, o hip hop tornou-se cada vez mais político, o poder negro ressurgiu, a juventude espalhou as ideias de Malcolm X e as letras de rap falavam da segregação, da violência racial institucional e a realidade das drogas.

"Que vergonha para um irmão quando ele trafica
no mesmo bloco onde passam as rodas do meu carro
E todos sabem
Outro quilo.
Num canto
De irmão
Para manter outro no chão"

Night Of The Living Baseheads, canção de Public Enemy.

"Duas vezes mais doce que o açúcar, duas vezes tão amargo quanto o sal
E se você ficar viciado, baby, não é culpa de mais ninguém, por isso não faça!"

White lines, canção de Grandmaster Melle Mel.

"Porra, é uma pena que você é a poderosa rainha das vogais
Com um olhar de olhos arregalados e um sorriso de dentes podres
Costumava andar com arrogância
Agora você simplesmente cambaleia
De um ponto para o próximo ponto para o próximo ponto para o próximo"

Slow Down, canção de Brand Nubian.

A maconha tem sido historicamente uma droga muito popular nas comunidades afro-americanas e latinas, o que se refletiu também na música produzida nessas comunidades, como no jazz. Até mesmo a própria lenda do jazz Louis Armstrong era um reconhecido consumidor de cannabis. Em inúmeras canções de rap há referências sobre maconha, o grupo Cypress Hill em grande parte de sua trajetória tem feito ativismo para a legalização da maconha.

Cypress Hill - Dr. Greenthumb

Em Dr. Greenthumb, o Doutor Greenthumb (Dedo Verde, em tradução livre) dá conselhos para o cultivo doméstico da cannabis, colocando os holofotes também no papel da polícia na perseguição aos produtores da planta.

O legado de Reagan e a subordinação do México, a continuação da "guerra" contra as drogas

Ronald Reagan impôs políticas neoliberais que reduziram o orçamento público degradando os serviços sociais, ao mesmo tempo em que eliminou programas de saúde pública. Assim, foi aberta uma lacuna maior, a burguesia aumentou seus lucros e a classe trabalhadora enfrentou o declínio dos salários e do desemprego, com o aumento da pobreza e a falta de moradia tornando-se um problema ainda maior. Ao mesmo tempo, os encarceramentos pela venda e consumo de narcóticos multiplicaram-se, mas o vício, a brutalidade policial, a marginalização, as desigualdades sociais e econômicas nas comunidades afro-americanas e latinas também aumentaram. Enquanto isso, o hip-hop politizou, sensibilizou e educou jovens negros e latinos.

A política proibicionista e a guerra contra as drogas impostas pelo imperialismo ianque em toda a América Latina trouxe como consequência maior vício nos Estados Unidos e rios de sangue em alguns países da América Latina. O imperialismo ianque aproveitou a guerra contra as drogas para fortalecer sua hegemonia no continente e justificar ações intervencionistas, como "doações" milionárias para aqueles que lutaram contra o governo sandinista, facilitando em troca a entrada de cocaína, heroína e maconha.

No México, cartéis com uma grande força militar se desenvolveram, associando-se ao poder estatal. Implementando uma política de militarização que levou à "guerra do narco", com milhares de jovens pobres recrutados em células de tráfico de drogas e milhares de mortes inocentes da classe trabalhadora.

Hoje milhares de jovens tem ilusões em um novo regime na politica mexicana no que condiz a questão das drogas, mas a realidade se encarrega de varrer tais ilusões. O governo da Cuarta Transformación de Andrés Manuel López Obrador não é exceção na implementação dessas políticas, com a guarda nacional implantada em todo o território nacional e com a promessa da legalização da maconha que ainda não foi efetivada (embora isso beneficie as grandes empresas e não os produtores). A subordinação ao imperialismo dos EUA é mostrada não apenas no âmbito econômico, mas também nas esferas política, militar e diplomática.

É hora daqueles de nós que se identificam e fazem parte da cultura hip-hop repensarem e se perguntarem: Que arte precisamos? Aquela que vende e é confortável para o capitalismo? Ou a desconfortável e revolucionária? Até hoje, os jovens trabalhadores e das periferias continuam a ser negados o direito à arte e à cultura, no contexto da violência, da segregação, da insegurança no trabalho, do desemprego, da marginalização, do assédio da polícia, com milhares de jovens pobres nas prisões por tráfico de drogas.

A guerra contra o tráfico de drogas e a militarização deixou milhares de mortes, desaparecimentos forçados e o aumento exponencial do feminicídio. Enquanto isso, os traficantes estão ligados ao empreendedorismo legal, com diferentes setores do governo, da polícia e das forças armadas em um negócio que gera lucros extraordinários. Os Estados capitalistas proíbem o consumo de drogas mantendo-o como um problema de segurança e com políticas de militarização, mas, no final, o interesse dos governos em aumentar o controle dos territórios através da militarização e criminalizar setores específicos da sociedade persiste, como evidenciado pelas declarações do conselheiro de Nixon no caso particular dos Estados Unidos, mas que são replicados em diferentes países.

O problema das drogas é o contexto que o capitalismo impõe à juventude para que o consumo de drogas seja um elemento alienante, nesse sentido, devemos avançar na legalização e regulação do consumo sob o controle dos trabalhadores, tratando o problema como uma questão de saúde e não como um problema de segurança, com um plano abrangente para responder ao problema de dependência gerado pelo consumo de determinadas substâncias, garantindo ao mesmo tempo um sistema de saúde e educação digno e de qualidade. Para isso, deve haver um aumento significativo do orçamento desses setores, que pode ser alocado a partir do enorme orçamento que atualmente é destinado às forças armadas ou de impostos sobre as grandes fortunas.

Vamos repensar o hip-hop como uma ferramenta de expressão que nos permite coexistir, desfrutar, denunciar, organizar e politizar independentemente do Estado, dos partidos políticos do regime e dos empresários.

Que o hip-hop retome e levante as bandeiras da libertação das classes exploradas e oprimidas!


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