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Celeste MurilloArgentina | @rompe_teclas

sexta-feira 17 de abril de 2015 | 00:01

Com um spot cheio de sorrisos e tom motivacional, a campanha de Hillary Clinton escolheu o clima pós-crise para tentar reanimar o entusiasmo democrata. O vídeo mostra histórias de “gente comum”, a debilidade dos políticos em campanha: mães solteiras, latinos, afro-americanos, jovens, pessoas próximas da aposentadoria, casais gays, trabalhadores, todos os protagonistas do “sonho americano”, que volta depois da crise. E Hillary tenta se misturar e ser um deles.

Essa imagem de “uma mais” responde corretamente um dos principais problemas que enfrenta Clinton, mas não garante o sucesso. Sua família e a do ex-presidente Bill Clinton é parte do 1% que hoje se encontra no centro do descontentamento social nos Estados Unidos. Os Clinton possuem uma fortuna milionária, e são uma das famílias que governou os Estados Unidos durante duas décadas em alternância com os Bush (Bush pai 1989-1993, Clinton 1993-2001, e Bush filho 2001-2009).

A geração do milênio viveu a maior parte de sua vida governada por essas famílias, e são os protagonistas dos movimentos contestatórios em curso (Occupy Wall Street, Fight15, Black Lives Matter).

Clinton foi secretária de Estado do governo de Barack Obama até fevereiro de 2013. Apesar de a sua gestão ter sido considerada positiva, ficou marcada pela morte de quatro diplomatas (incluindo o embaixador) na Líbia. Recentemente, esteve envolvida em uma polêmica por ter usado seu e-mail pessoal para discutir assuntos oficiais (proibido pela legislação estadunidense). Até o momento, tem reagido com elegância às consequências, mas o assunto não está encerrado.

A aposta da “máquina Clinton” (como sua campanha ficou conhecida) parece recriar um entusiasmo parecido ao gerado por Obama em 2008, após derrotar a própria Clinton nas primárias. Hoje, com os piores momentos de recessão e desemprego no cenário, Hillary se propõe a ser a “defensora” do povo que trabalha e se esforça, e que sua candidatura acompanhe o “renascer” após a crise.

“Os estadunidenses tem lutado para superar as dificuldades econômicas, mas a balança ainda está inclinada a favor dos que estão em cima”, disse Hillary à câmara. O partido Democrata quer voltar a ganhar o apoio dos setores que tradicionalmente votaram nele. Obama chegou à Casa Branca com as expectativas desses setores, mas já foi possível notar a decepção em sua reeleição em 2012.

Entre os desafios que Clinton deverá superar, está desvencilhar-se o máximo possível do desgaste do governo Obama, que já conta com várias promessas não cumpridas, como o fechamento de Guantánamo ou o fim da guerra e da ocupação. No plano nacional, uma das principais dúvidas democráticas é a reforma da imigração, ao que se somam novos problemas e demandas, como o salário mínimo e os protestos contra o racismo.

O presidente Obama antecipou seu apoio durante a recente Cúpula das Américas, o qual confirma o respaldo do establishment a campanha de Clinton. Também, coloca uma sorte de continuidade, e uma passagem do legado que Obama quer deixar como marca de sua administração: a recuperação do emprego e certa recuperação econômica em nível nacional, e a recomposição das relações diplomáticas com Irã e com Cuba, rompidas há décadas na política externa, um legado significativo para uma administração nova (ainda mais considerando as ameaças republicanas de reverter esta política exterior no caso de um republicano chegar à Casa Branca).

Uma das questões mais interessantes é como vai pesar na disputa a crise aberta em dois dos atores que jogam forte para os democratas: a burocracia sindical e os líderes do movimento negro. Ambas as direções enfrentam desafios, cada uma à sua medida: o movimento operário, a crise dos sindicatos e o surgimento do movimento pelo salário mínimo e o movimento negro, os protestos contra o racismo e os atritos que surgiram com as figuras tradicionais como Al Sharpton ou Jesse Jackson (ambos democratas).

Apesar de o sistema político garantir uma disputa presidencial apenas entre os dois partidos que governam o país desde a sua fundação, Clinton se prepara para uma campanha em que não jogarão apenas os candidatos concorrentes.
Mesmo sem a possibilidade de candidaturas presidenciais, resta saber qual papel irão desempenhar na discussão os movimentos, ou as tentativas de setores de esquerda que apostam com alguma ambição ocupar cargos locais (com um pouco de oportunismo, mas também como expressão de movimentos reais, como mostrou o triunfo da esquerda em Seattle 2014).

Já em 2013, as eleições locais em várias cidades mostraram expressões de um giro à esquerda, em todo o espectro político (o partido Republicano escolhendo um moderado, na eleição de De Blasio – filho político dos Clinton - e o mais evidente, o triunfo de uma candidata abertamente socialista em Seattle). O partido Democrata registrou esse giro, e o spot da campanha de Clinton é uma mostra de que não irão renunciar ao voto progressista e descontente, sinal que aspiram ganha-lo.




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