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RELATO | Há 2 anos de Junho: O dia 22 parou Belo Horizonte

Hoje, dia 22 de junho, fazem exatamente 2 anos que vi as cenas mais incríveis da minha vida. Eu sentia que estava há anos me preparando para algo como aquilo e, quando chegou, tão de supetão, parecia que eu não estava preparada. Mas estávamos. É que quando sai do imaginário e cai na realidade... nossa, que realidade! Todos os sentimentos passaram por mim aquele dia. Euforia, medo, orgulho, angustia, desespero. E o sentimento geral das massas: amanhã vai ser maior!

segunda-feira 22 de junho de 2015 | 11:33

(Foto: Reuters)

Eram aproximadamente 120 mil pessoas! Proporcionalmente, era maior do que em São Paulo, onde tudo começou. Nos concentramos na Praça 7, principal praça da cidade e caminhamos. Por mais de 7 quilômetros, caminhamos, cantamos, carregamos nossas faixas, mantivemos nossas bandeiras. Aqui em BH essa ideia de abaixar as bandeiras de partidos não teve muita força. Era dia de jogo do Brasil e, portanto, o objetivo era chegar ao Mineirão e, com isso, questionar os gastos com a Copa das Confederações que estava acontecendo e a Copa do Mundo, que aconteceria no ano seguinte.

Foto: Beto Magalhães/EM/D.A Press

Lembro dessas milhares de pessoas cantando que a “revolta do busão” havia chegado em BH. Ao longo do caminho, fechando uma das principais avenidas da cidade, passamos por algumas favelas – os “aglomerados”, como são chamados aqui – e vimos centenas de jovens descerem e se somarem á manifestação. Esse dia, “o morro desceu e não era carnaval”.

As pichações dominaram todo o caminho, pediam saúde e educação “padrão” FIFA e afirmavam: NÃO VAI TER COPA! Exigiam o FORA FIFA! O repúdio ao Marco Feliciano e aos projetos “Cura Gay” e “Estatuto do Nascituro” era massivo.

Por duas horas assim, moralizados, excitados, caminhamos! Passamos pela UFMG, que estava fechada para nós e chegamos à via que daria acesso ao estádio. Ali a polícia já estava preparada, com suas “barricadas” e rapidamente iniciaram a repressão. Bombas de gás lacrimogênio e balas de borracha vinham incessantemente. Mas a juventude não se intimidou! Devolvia as bombas, jogava pedras. Por quatro horas milhares de jovens resistiram ali, e outros milhares seguraram firmes uma forte retaguarda! Exteriorizavam o ódio guardado durante anos de vida de exploração e opressão.

Foto: Estado de Minas

Algumas bombas vinham e não sabíamos de onde. Até que vimos. De dentro da Universidade, a Força de Segurança Nacional nos reprimia. À pedido da presidenta, o reitor abriu a UFMG para a FSN e fechou para os estudantes, que tentaram se refugiar da repressão dentro da universidade e foram barrados. Se ainda não estava claro, aquele dia a reitoria deixou nítido de que lado estava.

Mas do lado de fora, haviam também estudantes que colocaram seu conhecimento à serviço da população. Me chamou muito a atenção a força-tarefa montada por estudantes de enfermagem e medicina, que improvisaram um “posto de atendimento” próximo à linha de frente, prestaram atendimento aos feridos e passavam borrifando leite de magnésia nos rostos e olhos que queimavam pelo gás lacrimogênio. Nesse momento a realidade gritou em nossas caras como é urgente que nós, estudantes, coloquemos nosso conhecimento à serviço da população.

Incrivelmente, nesse dia também vi um dos fins de tarde mais bonitos que já havia visto em Belo Horizonte.

E então, veio a cavalaria.

Aquela juventude, que já tinha chegado até ali, já tinha tomado muita bala e gás na cara, já estava com o sentimento de que “agora é tudo ou nada”. Nesse momento eu vi a cavalaria recuar. De perto. E ainda me arrepia ver o vídeo abaixo e sentir novamente aquele sentimento de que “sim! Nós temos força!”. Infelizmente, nesse mesmo momento, cegado pela fumaça das bombas, um jovem caiu do viaduto.

Depois de horas de resistência, a polícia conseguiu nos deixar encurralados. Uma parte dos manifestantes conseguiu se dispersar pelas ruas que ainda não estavam bloqueadas. Ao menos metade da manifestação – facilmente umas 60 mil pessoas – ficaram encurraladas e tiveram que recuar. Já era noite e as luzes da avenida foram apagadas. Helicópteros nos sobrevoavam. Viaturas fechavam o acesso à todas as vias e deixava apenas um caminho livre. Por mais 7 quilômetros caminhamos. E ainda cantávamos. Recuamos, com mais ódio ainda, mas ainda eufóricos, e gritávamos à plenos pulmões que “amanhã vai ser maior”!

Nesse dia, vi que o ódio de classe, ainda que inconsciente, era parte de cada jovem da periferia que estava ali. Concessionárias foram apedrejadas, um outdoor da Coca-cola queimou belissimamente. Mas pequenos bares, tratores da obra na avenida, os instrumentos de trabalho dos operários da obra, esses ficaram intactos.

Retornamos ao centro da cidade e a maioria dos manifestantes voltou para suas casas. Empolgados, com medo, com esperança, com ódio. A avenida ainda ficou apagada umas horas. Um carro de som da polícia circulava pelo centro e mandava os “cidadãos de bem retornarem ás suas casas”. Dava voz de prisão. Uma cena da ditadura.

Entre nós, reunidos após esse dia, tentávamos entender o que estava acontecendo. Tentávamos fazer baixar a adrenalina. Queríamos rir. Queríamos chorar. Sabíamos que essa repressão não intimidou a juventude belorizontina. Dali quatro dias haveria outro jogo no Mineirão. E aquela juventude queria ir por mais! Aquela juventude não estava preparada para se calar! E não desistiríamos de voltar às ruas tão facilmente!




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