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DEFESA DA EDUCAÇÂO | Greve de professores é um fenômeno “brasileiro”?

Mauro SalaCampinas

terça-feira 19 de maio de 2015 | 00:30

Sabemos que no Brasil as greves de professores são um fenômeno constante na nossa agenda política. Esse ano, inúmeras greves eclodiram em vários Estados e municípios brasileiros. Do Macapá à Santa Catarina, são dezenas de movimentos que mobilizaram, e mobilizam, dezenas de milhares de professoras e professores por todo o país. Salário, condições de trabalho, carreira e a oposição às atuais políticas para a educação são as marcas comuns de todos esses movimentos.

Num giro rápido, podemos lembrar das greves nos Estados do Paraná, São Paulo, Ceará, Pernambuco, Santa Catarina, Pará, além das cidades de Curitiba, Goiânia, Macapá e no Distrito Federal. Vários outros Estados e municípios que não deflagaram movimentos grevistas esse ano, o fizeram recentemente; podemos lembrar da greve na rede estadual do Rio de Janeiro contra a política de meritocracia ou das recentes greves no Rio Grande do Sul, Minas Gerais e Bahia pela implementação do piso salarial instituído pela Lei no 11.738/2008.

De fato, os professores no Brasil são uma categoria em constante mobilização. Mas a pergunta que fica é: será esse um fenômeno apenas nacional?

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Na tentativa de compreender as transformações recentes do capitalismo, muitos analistas têm enfatizado o papel que o conhecimento desempenha no processo de trabalho. Fala-se mesmo de uma pretensa “sociedade do conhecimento”, o que definiria a importância estratégica que a educação passaria a desempenhar na sociedade, e que demandaria o aumento geral da escolarização da população trabalhadora.

De fato, desde a segunda metade do século passado, vivemos uma enorme expansão do setor educacional. Em 1950, contávamos com cerca de 8 milhões de professoras e professores em todo o planeta; já em 1997, havia, aproximadamente, de 59 milhões, segundo estimativas da UNESCO; incorporando centenas de milhares de crianças, jovens e adultos no processo de educação formal.

Mas setor educacional não testemunhou apenas um rápido crescimento, como também uma crescente onda de protestos de trabalhadores do setor.

Segundo os dados do World Labor Group, da Universidade de Binghamton, o setor da educação viveu um crescente de insatisfação trabalhista nas últimas décadas do século XX (tanto em número de protestos como na sua distribuição geográfica), superando a ocorrência de manifestações de setores como o da indústria têxtil, automobilística, de ferroviários, aeronáuticos, portuários e outros.[1]

Essa crescente conflitualidade dos trabalhadores da educação nos leva a questionar os marcos em que se dá o crescimento do setor; questionando também a unilateralidade dessa pretensa “sociedade do conhecimento”. Afinal, que “sociedade do conhecimento” é essa que não valoriza seus professores?

Sabemos que o capitalismo não precisa (e por isso não provém) de uma força de trabalho uniformemente qualificada. O processo de produção capitalista precisa desde o engenheiro altamente qualificado até o trabalhador embrutecido para os serviços mais simples e rotineiros; ele superqualifica de um lado e desqualifica no outro. E isso se reflete na educação escolar também.

É nesse marco que se deu a expansão do setor; com escolas de alta formação para uma minoria que vai exercer as posições estratégicas na produção e muitas escolas precárias para a maioria dos trabalhadores precários que exercerão trabalhos rotineiros. E para tantos outros (121 milhões de crianças em todo mundo, segundo a UNESCO e a UNICEF) simplesmente escola nenhuma.

Nesse contexto de expansão desigual da escolarização, em que há o aumento das lutas trabalhistas dos professores em todo mundo, instituições como o Banco Mundial e o Fundo Monetário Internacional (FMI) fomentaram e promoveram reformas educacionais em vários países, trazendo à tona políticas de descentralização dos sistemas e as avaliações padronizadas dos resultados, promovendo ainda mais fragmentação da categoria dos docentes, bem como uma maior intensidade em seu trabalho e a perda de sua autonomia, como forma de ataque às lutas do magistério.

Assim, apesar das tentativas de enfraquecer os movimentos reivindicatórios dos professores que marcaram o último quarto do século passado, esse início de século também se iniciou com duros enfrentamentos de trabalhadores da educação em todo o mundo. Desde a emblemática luta de Oaxaca, no México, trabalhadores da educação vem promovendo importantes enfrentamentos contra os governos e em defesa de melhorias na educação pública.

Numa rápida pesquisa, podemos encontrar enfrentamentos de professores por todo o globo: desde a luta contra o corte de professores na França (2008); o boicote aos testes padronizados introduzidos na educação infantil na Inglaterra (2010); a marcha dos professores em Washington DC, EUA, contra as políticas de testagem do No Child Left Behind (2011); greve de professores da rede pública de Chicago, EUA (2012); a convocação de greve geral da educação na Espanha; a greve dos professores da província de Buenos Aires, Argentina (2013); a greve de professores no Panamá por aumento salarial; greve na Inglaterra e País de Gales por condições salariais, laborais e pelo plano de pensão (2014); a greve contra a avaliação certificatória em Portugal; greve de professores na Colombia por melhoria salarial e condições de ensino; chamada à greve na França por condições de trabalho, formação e revalorização dos salários (2015)… [2]

Também não podemos deixar de lembrar a luta dos 43 normalistas assassinados no México, que, junto a outros jovens professores, reivindicam melhorias nas escolas rurais de suas comunidades, e os emblemáticos enfrentamentos de estudantes e professores em defesa de uma educação pública e gratuita no Chile, destruída por décadas de reformas neo-liberais.

Assim, vemos que as greves e lutas do professorado não são apenas um fenômeno “brasileiro”, pois que atinge muitos outros países, tanto de capitalismo central quanto periférico. Embora elas também respondam à questões específicas de cada realidade nacional, vemos que há uma unidade implícita entre elas. Em todos esses movimentos podemos encontrar as reivindicações por melhorias salariais, de condições de trabalho, de carreira, e, também, a luta contra as políticas empresariais de responsabilização e meritocracia, que tanto mal tem feito para os trabalhadores da educação e para a educação da classe trabalhadora em todo o mundo.

[1] ver Beverly Silver. Forças do Trabalho: movimentos de trabalhadores e globalização desde os anos 1870. São Paulo: Boitempo, 2005.

[2] http://www.latinoamericano.jor.br/reportagem_oaxaca.html (2006 - Oaxaca - México)
http://internacional.elpais.com/…/ac…/1210802414_850215.html (França 2008).
http://www.theguardian.com/…/headteachers-boycott-national-… (abril 2010 - Inglaterra).
http://www.washingtonpost.com/…/2011/07/30/gIQAz48zjI_story… (Julho de 2011 - EUA)
http://elnacional.com.do/huelgaen-la-ensenanza-en-francia-…/ (França 2011).
http://economia.elpais.com/…/agencias/1347289303_691463.html (setembro 2012 - Chicago, EUA).
http://www.elmundo.es/elmundo/…/09/12/espana/1378981140.html (Setembro de 2013 - Espanha).
http://www.bbc.co.uk/…/140329_ultnot_argentina_paro_maestro… (março de 2014 - Buenos Aires - Argentina).
http://internacional.elpais.com/…/ac…/1398471248_209015.html (Panamá 2014).
http://www.eliberico.com/miles-de-profesores-de-inglaterra-… (março de 2014 - Inglaterra e País de Gales)
https://www.rs21.com.br/…/professores-vao-as-ruas-protesta…/ (desde 2011... junho de 2014 - Chile).
26 de setembro de 2014, 43 estudantes são assassinados na cidade de Iguala, México.
http://www.publico.pt/…/um-mes-de-greve-a-prova-de-avaliaca… (Janeiro de 2015 - Portugal).
http://www.lemonde.fr/…/pourquoi-une-greve-enseignante-mard… (Fevereiro de 2015 - França).
http://www.jornada.unam.mx/…/marchan-miles-de-maestros-en-c… (maio 2015, Colombia).
http://www.publico.pt/…/um-em-cada-tres-professores-a-beira… (condição de trabalho Portugal)




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