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DIA DOS PROFESSORES | Goiás: Professores da rede estadual de ensino e a precarização da docência

No dia dos professores, uma reflexão acerca da precarização do trabalho dos educadores brasileiros através de um retrato da situação dos docentes em Goiás. Enquanto governo do democrata Ronaldo Caiado celebra a maior nota do IDEB na avaliação do Ensino Médio, em todo o Brasil, mais de 50% de seus professores são contratos temporários.

Cris LibertadProfessora da rede estadual em Anápolis - GO.

quinta-feira 15 de outubro de 2020 | Edição do dia

Na foto: Governador de Goiás, Ronaldo Caiado (DEM) e Fátima Gavioli, Secretária de Educação do Estado, celebram os bons números no IDEB com mais 50% do professorado precarizado. Fonte da imagem: www.dm.jor.br Acesso em 14/10/2020

O governador de Goiás, Ronaldo Caiado e a Secretária de Educação Fátima Gavioli celebraram com posts - até coluna em jornal de grande circulação da capital goiana, Caiado assinou, exaltando a Educação e de que a mesma está em primeiro lugar (sic!) - os índices alcançados por Goiás no Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb) na avaliação do Ensino Médio. Essas avaliações chamadas de externas nas unidades educacionais, se tornam um verdadeiro pesadelo aos professores, coordenadores, gestores e principalmente aos estudantes, nos anos em que são aplicadas, pois o ritmo é de competição entre escolas e de realização de testes mecânicos que simulem as provas continuamente. E há uma outra disparidade na realização dessas provas, pois os primeiros lugares ficam com as escolas cívico-militares (uma verdadeira febre em Goiás), que não se situam na mesma realidade das demais escolas do estado - só esse tema vale uma tese de Doutorado para apontar as suas disparidades, exclusão e modelo arcaico de ensino. Nesse texto, faremos uma breve discussão acerca de outra insensatez no cenário educacional goiano, a precarização dos professores.

Em 2018, professores temporários já eram a maioria em 129 dos 243 municípios goianos. Até o início de 2019, em um período de seis cerca de 5.230 profissionais efetivos se aposentaram, enquanto outros 6.174 professores temporários foram contratados. Quando assumiu em 2019 o governo de Goiás, haviam cerca de 21.000 contratos temporários de professores 19.596 efetivos, e ainda assim, ao invés de anunciar a contratação compulsória dos docentes que já se encontravam contratados e abrir concursos públicos para a área, o democrata convocou um processo seletivo para novos contratos temporários, alardeando que pagaria o piso salarial de 2,4 mil ao invés dos R$ 1,790 rotineiros - algo que não se concretizou.

A utilização de temporários na Educação não começou com Caiado e Gavioli, já é uma realidade existente há algum tempo em Goiás - e em outras redes de ensino da federação, mas é no mínimo conflitante, observar uma gestão que se vangloria em investimentos e valorização da Educação, tendo em seu quadro profissionais altamente precarizados. Para o Estado contar com profissionais qualificados sem vínculos empregatícios concretos é atrativa financeiramente, os professores recebem metade do que é pago a um efetivo, são obrigados a pegar a carga máxima de aulas (42 ao todo), não raro em três, quatro até cinco escolas diferentes e têm que atuar em diferentes áreas de ensino. Os efeitos para a própria Educação são certeiros, pois as condições ruins de trabalho e os baixos salários, levam a uma grande rotatividade de profissionais, deixando os estudantes até meses sem aulas de determinadas disciplinas, com descontinuidade pedagógica e com lacunas consideráveis de aprendizagem.

O último grande concurso realizado para a Educação em Goiás, ocorreu em 2011, em 2018 foi realizado um concurso para ocupar 900 vagas nas áreas de Biologia, Química, Matemática e Física, que foram insuficientes para cobrir o déficit de profissionais.

Em Goiás, o professor com contrato temporário é um prestador de serviço com tempo determinado inicialmente por até um ano, podendo ser estendido até três anos. Entretanto, são vários os professores que já encontram nessa situação por cerca de cinco ou seis anos seguidos - fazem a rescisão do contrato após o período de três e os recontratam sem os direitos devidos -. As condições de trabalho conforme já pontuamos são estafantes, os docentes têm que realizar as mesmas atividades que um professor efetivo, mas recebendo até 50% a menos, ainda com a pressão contínua de perder o posto a qualquer momento, sem plano de carreira e sem qualquer remuneração rescisória ou direito ao seguro-desemprego. Além disso, as cobranças são relativas às escolas privadas em razão dos índices das avaliações externas. Conforme situam as pesquisadoras Luciana Nogueira da Silva e Géssica Gomes Batista, em um estudo realizado acerca do trabalho dos docentes temporários no município de Campos Belos em Goiás, “essas são marcas de um trabalho na lógica capitalista, evidenciado pela economia de investimento que em contrapartida gera lucro para o estado”.

Além dos contratos temporários, o estado de Goiás tem em andamento um outro projeto que visa a precarizar ainda mais o trabalho docente, assim como, reduzir os investimentos na Educação com a implantação do projeto “Goiás Tec”. A metodologia desse projeto se dá através da transmissão de aulas - a priori em tempo real, desde início, já eram gravadas devido à impossibilidade de aplicação nas regiões mais afastadas em razão do sinal de internet ser inferior - ministradas em estúdio e transmitidas aos alunos de Ensino Médio e em escolas estaduais do meio rural. A Secretaria de Educação de Goiás, afirma que através dessa metodologia - que exclui inúmeros profissionais - pois, os alunos são acompanhados apenas por um instrutor durante a transmissão das aulas e no acompanhamento das atividades padronizadas e leva ao docente que fica responsável pela turma à um aumento mais expressivo do trabalho, tendo que auxiliar os estudantes em TODAS as disciplinas - que está fortalecendo e expandindo o acesso ao Ensino Médio em todo o estado. A realidade demonstra que esse projeto, apareceu justamente para a redução do quadro de docentes e à implantação de um EaD presencial - parece equivocado, mas é essa a situação, pois os alunos só assistem aulas gravadas e respondem exercícios complexos em apostilas.

Com a pandemia esse cenário de exploração e precarização do trabalho se ampliou. Desde a segunda quinzena de março o Regime de Aulas Não Presenciais (REANP) como a Secretaria da Educação de Goiás denomina foi implantado. Desde então, a cobrança e o trabalho ser tornaram cada vez mais torturantes. Os estudantes que não conseguem aprender em razão da implantação de um EaD capenga, em que os profissionais da Educação não têm recursos tecnológicos ideais e pouco preparo para a oferta de aulas em vídeos ou por videoconferências e os alunos não têm equipamentos e rede de internet que possibilite o acesso à essas aulas - que são exigidas -. Com intuito de ampliar o acesso, a SEDUC-GO fez uma parceria com a TBC (TV Brasil Central) para a transmissão de aulas gravadas, um canal com baixa audiência. Por sua vez, passou a disponibilizar material impresso nas unidades escolares para os alunos que não têm acesso à internet. Entretanto, como bem aponta o Professor Mauro Sala:

“É comum entre os professores a percepção de que o que explicamos em sala de aula, muitos alunos não entendem. Sempre discutimos sobre a inadequação desse ou daquele conteúdo, dessa ou daquela abordagem que mobilizamos em sala de aula a fim de alcançar o maior número de alunos possível. Uma questão que sempre nos parece é que em uma mesma aula temos que dar três ou quatro aulas diferentes para grupos de alunos com apropriações distintas dos conteúdos e em momentos distintos de seu desenvolvimento. A impressão que temos é que damos aulas em salas multisseriadas, apesar de estarmos em uma escola com estrutura e funcionamento seriados.”

Com o ensino à distância a angústia se potencializa, pois muitos estudantes entregam as atividades em branco e o desinteresse se amplia, pois como é possível ter interesse por algo que não se entende? Nesse sentido, o atual regime de aulas, se torna um fardo pesado de se carregar, pois os professores - tanto os contratos, quanto os efetivos -, passam o tempo todo atendendo alunos, pais, coordenadores e diretores em aplicativos de mensagens instantânea, são responsáveis pela busca ativas de alunos que não estão participando ou que deixaram de participar do regime não presencial. Sem contar as demais atividades, como planejamentos - duplos, pois são necessários um para o sistema e outro aplicado à realidade da unidade escolar - alimentação do sistema com execução de conteúdos e frequências, preparação de atividades, avaliações, vídeos, áudios e o que mais aparecer como metodologia de ensino à distância, além de estar presente em todas lives de “formação” que visam a atender as expectativas das avaliações externas. É um rotina que adentra as madrugadas, sábados, domingos e feriados, com os docentes sendo continuamente contatados através dos aplicativos de mensagens e tendo que atender prazos de entregas de planilhas que são impostas de um dia para o outro com urgência. Essas são as perspectivas de trabalho de um profissional da Educação da rede estadual de Goiás - consequentemente de muitos profissionais da Educação no país -. Como podemos lutar contra isso?

Professores em luta com os trabalhadores precarizados

Cabe aos professores com contrato temporário junto aos efetivos, compreender que esse processo de precarização do ensino é um projeto, que se destina à toda classe trabalhadora. Assim como os trabalhadores por aplicativo, as empregadas domésticas, dentre outros profissionais com trabalho terceirizado, devemos nos unir enquanto classe e lutar pela efetivação dos contratos e pagamento do piso salarial. E principalmente, quando e como as aulas devem retornar presencialmente, em conjunto com a comunidade escolar - pais, estudantes, professores e funcionários administrativos -, batalhando por uma escola que atenda as reais necessidades no contexto da pandemia - e não em sua visão difundida pela sociedade, aos cuidados das crianças e adolescentes -. Visto que, o EaD é excludente e pouco efetivo do ponto de vista da aprendizagem - como circula na rede, conteúdo se recupera, vidas não -, que essa metodologia de ensino mercadológica que visa à privatização da Educação seja abolida.
Para tanto, cabe a nós professores não apenas em Goiás, refletirmos neste 15 de outubro, que somos trabalhadores e devemos ter os nossos direitos garantidos. Não somos vocacionados com uma missão de vida idealista à serviço de capitalistas e do Estado como mantenedor de um sistema podre que não garante Educação de qualidade e vive de mascarar índices que pouco mostram a realidade educacional. Portanto, devemos construir uma organização operária - como somos - que imponha através da luta, que aqueles que decidem acerca da Educação, são os trabalhadores e a comunidade por ela atendida. Pela tarefa da imposição de Assembleia Constituinte Livre e Soberana, que estabeleça o real valor do trabalho de um professor e principalmente para que a crise seja paga pelos capitalistas e não despejada nas costas de todos os trabalhadores como vem sendo feito pelo regime institucional corrompido em todos os poderes - Executivo, Legislativo e Judiciário -. Essas são alguns dos enfrentamentos que nós do MRT - Movimento Revolucionário dos Trabalhadores - tendo como o Esquerda Diário como ferramenta de luta e propaganda, fazemos e que convidamos aos professores e todos os trabalhadores precarizados a nos ajudar a construir em Goiás e em todo o Centro-Oeste um movimento que destrua o capitalismo construa uma sociedade em que o racismo, o patriarcalismo e todos os tipos de preconceitos sejam abolidos.

Referências:
SALA, Mauro. “Não entendi nada!”: Reflexões sobre o primeiro dia de EaD na rede estadual paulista. Esquerda Diário, Edição do dia 28 de abril. Disponível em: https://www.esquerdadiario.com.br/Nao-entendi-nada-Reflexoes-sobre-o-primeiro-dia-de-EaD-na-rede-estadual-paulista Acesso em: 13/10/2020.
SILVA, Luciana Nogueira da; BATISTA, Géssica Gomes. O professor contrato temporário e a precarização do trabalho docente na rede estadual de Educação de Goiás. In: Anais do IV Congresso de Ensino, Pesquisa e Extensão da UEG (Universidade Estadual de Goiás), v. 4 (2017). Disponível em: https://www.anais.ueg.br/index.php/cepe/article/view/9973 Acesso em: 14/10/2020

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