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ESTADO ASSASSINO | Glaucia: "Eu enterrei o Fabrício e comecei a agir"

Essa é uma serie com 4 relatos de mães que tiveram
seus filhos assassinados pelo estado, Marcia, Glaucia, Janaína e
Laura.

quarta-feira 10 de abril de 2019 | Edição do dia

O estado assassina sistematicamente o povo negro, no ano de
2018 do total de mortes no estado do Rio de Janeiro são de 23% só
pelas mãos da polícia. Basta de assassinatos de negros e pobres
pelo estado no Rio e em todo país!

Mãe: Glaucia Santos
Filho: Fabrício dos Santos, 17 anos
Executado em: 1º de janeiro de 2014

Era final de 2013, já para 2014. Era final de ano, e o Fabrício,
passando já de meia-noite, às 2h15 do dia 1º, foi abastecer a moto
e calibrar o pneu. Eu morava duas ruas antes do posto de gasolina
na Estrada do Camboatá, que fica no Complexo do Chapadão, no
Rio. Já saindo do posto, ele foi alvejado por policiais militares que
nem saíram de dentro da viatura e atiraram na testa dele. O
Fabrício estava com a moto de um amigo nosso que estava
passando o Ano Novo lá em casa.

Em dez minutos, chegou a notícia. Dali em diante eu fiquei muito
pensativa. Como se fosse um filme na minha mente, eu desmaiei.
Quando eu acordei, eu fui procurar meu filho, porque eles
atiraram e levaram o corpo dele.

Os policiais vieram do 14º Batalhão, em Bangu, Realengo, e não
eram dali. Eu fiquei rodando nos hospitais no Ano Novo grávida de
três meses da minha filha, quando de manhã recebi a notícia dos
meus parentes de que tinham encontrado o corpo num hospital de

Realengo. Eu fui para casa, deitei numa geladeira velha lá fora e
fiquei. Minha irmã reconheceu o corpo.
Eu enterrei o Fabrício e comecei a agir. Eu não tomei esse episódio
como luto, mas como uma luta. Eu não aceitei, não, porque eles
fizeram um registro na delegacia falando que o Fabrício estava
com mais dois elementos assaltando o posto, mas todo mundo ali
conhecia o Fabrício e ele nunca imaginaria que isso fosse
acontecer.

Eu não aceitei, porque a bala que matou meu filho é eu que pago,
a gasolina também. Os policiais que são pagos para nos proteger
tiraram a vida do meu filho sem nenhum direito de defesa, sem
nem sequer fazer nenhum questionamento. Foram logo atirando,
matando meu filho. Eu comecei a ir às delegacias, mesmo grávida,
fiquei em cima, fui ao posto de gasolina e peguei as imagens das
câmeras e passei para os celulares dos amigos deles, chamei
repórteres e comecei a fazer a investigação. As imagens gravadas
mostram que eles chegaram atirando e não houve nenhuma
reação.

Os policiais têm o alvará do Estado para matar, senão não
continuavam a fazer isso. Quantos Fabrícios mais têm que morrer?

Eu continuei correndo atrás, indo à delegacia, insistindo até que a
audiência do Fabrício foi marcada para o dia 27 de janeiro de 2016.

Chegando lá eu encontrei essas mães que já faziam esse trabalho e
esse movimento na porta cobrando por justiça, e ali eu me
encontrei. Só faltava isso para eu me encontrar mesmo. Eu já fazia
sozinha, até então eu não sabia como fazer esse percurso. Eu fazia
manifestação aqui onde eu moro para chamar atenção, porque eu
não me conformei e não me conformo.
Eu tenho mais três filhos e a minha mais velha quer ser advogada.
Eu quero que ela saia daqui da minha favela como uma advogada.

Ela tem esse direito de ir e vir. O Fabrício teve o sonho dele
interrompido por uma bala de fuzil. Ele trabalhava como guardião
de piscina, e o sonho dele era ser engenheiro mecânico e não
pôde. Na mesma hora que veio a notícia eu pensei que foi porque
o meu filho era negro.

Então, é racismo, falta de respeito. Tudo temos que cobrar e não
somos respeitados. E agora com esse projeto de chegar e matar é
o que está acontecendo. Só que a gente não pode desistir. E foi
nessa união, nessa luta, cobrando por justiça, indo em atos, é que
conseguimos ter um julgamento dos policiais. Eles foram
pronunciados, mas o júri popular ainda não aconteceu. Como as
gravações mostraram a ação, eles foram presos e agora estão
trabalhando no quartel sem porte de arma. Eu estou aguardando o
júri.

Assim, vamos apoiando outras mães que estão chegando agora.
Enquanto esses casos acontecerem, vamos nos organizar e gritar
por justiça. Não podemos parar, porque agora a tendência é
piorar. A gente sabe que tem a mão suja desse Estado que só serve
para nos oprimir. Eles não matam apenas os nossos filhos, eles nos
matam também. Com isso, suscitaram em mim uma mulher
revolucionária que não vai parar. Eu não vou desistir. Enquanto eu
viver, serei a voz do Fabrício e dessas três aqui que eu tenho.

Fonte: UOL – por Karina Gomes




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